quinta-feira, 14 de março de 2013

Notas avulsas (II)

        Sinto-me mover à bateria, em pequenas pilhas do destino que nem mesmo o próprio Volta conseguiria explicar. A diferença de potencial que tinha no passado é maior que a tenho para o futuro.

       Estou cansado e me sinto inútil, não sei mais o que fazer a não ser olhar as belas moças de botas de cano alto que passam na minha frente, tomando-me olhares. Tento  agitar o meu cabelo numeroso, que anda meio rebelde esses tempos, mostrando um pouco de desconforto ou falta mesmo do que fazer.

       Acho que o meu velho pai tinha razão, não há futuro maior do que escrever versos e optar ficar parado observando as coisas passarem. Meu ofício é bastante inútil parando para pensar. Deveria ter entrado para o mundo das contas ou dos discursos. Que grande futuro teria! Mas como eu disse, eu me sinto meio inútil hoje.

     A inutilidade criativa me faz pensar numa grande lavoura de ideias, em que o meu ócio é apenas produto de uma paciente espera para se germinar ideias. Bem, assim o espero. Nessa grande lavoura de ideias e vidas, não há boas palavras que exprimam tudo o que eu sinto nesse momento.

     Artistas como eu são dados ao fracasso, seja pelo nosso empenho, seja talvez porque sejamos movidos à bateria. Sinto-me meio fraco hoje, a pilha deve ter enfraquecido. A bateria hoje se foi com boa parte da minha inspiração, alguns tipos passam em minha frente e tomam minha atenção.

      Passa por mim um risonho operário de camisa azul, carregando consigo um pequeno carrinho de rodinhas, levando alguns papelotes quaisquer que hoje não consigo me lembrar do que eram. Depois, passa um segurança vestido de pinguim que ri sozinho das crianças na flor da vida que perguntavam aos pais tudo aquilo que viam ao redor.

     Passo então a olhar a moça de botas, que agora percebo, está a olhar para mim. Talvez seja minha jaqueta de couro ou ela poderia estar admirada por alguém escrever num pequeno bloco de notas em epóca de ipods e tablets. Não a culpo, afinal de contas era bem bonita. Talvez tivesse me oferecido para pagar-lhe um café ou algo parecido, do jeito que parecia ser inteligente, a conversa seria bem proveitosa. Melhor não, não estou com muito humor para isso hoje.

     Uma bela assistente do museu passa por mim, tem ela belos óculos meio retangulares que ressaltam os seus olhos e um longo cabelo escuro cheirando a jasmim. Olhei-a discretamente com o canto do olho, mostrando tamanho respeito para não encabulá-la com a minha falta do que fazer.

     Tais cenas de tamanha trivialidade que colorem de maneira monolítica os meus versos de hoje, que sem querer percebo que além dos rasgados na sintaxe do meu texto, há também um pequeno rasgado na minha jaqueta de couro. Olho para o relógio, são exatamente 17:14. O tempo passa devagar.

     Uma bela moça estava parada junto ao guiché de informações, ela usa um vistoso vestido escuro com bolinhas que lhe caíam muito bem. Tem ela um olhar triste no rosto e eu fico tentando imaginar o porquê, talvez um namorado? Um problema no trabalho, na família, não sei dizer. Tinha ela um folheto nas mãos que não segurava com muito ânimo aparente, na verdade, ela parecia um pouco ansiosa.

     Percebo que ela continua parada perto do guiché com a mesma cara triste, me pergunto se ela era tão solitária quanto eu para se manter tão decididamente sozinha, em pé, considerando a infinidade de bancos que havia por ali. Penso em ir conversar com ela, mas é conveniente pensar apenas na impessoalidade dos meus escritos.

     Olho novamente para a tarde que se prolonga e as nuvens escuras que tomam o céu. Tomara que chova, essa jaqueta está cobrando o seu preço, mas não quero retirá-la. Observo o modo como o céu acinzentado toma formas mais alaranjadas nessa obra pictórica graciosa a que chamamos de céu. De repente bate-me uma saudade, e desejo tomar por versos àquela a quem eu amava. Fico triste com isso e percebo que sou bastante fraco ainda para escrever sobre isso no meu pequeno caderninho, já que eu não largo do meu passado.
       Então eu sinto fome, desejo ir embora, percebo ao olhar no relógio que nem meia hora se passou. Conclusão: Eu ainda tenho que esperar o ônibus para sair desse lugar.

        A caneta se afina — A tinta se finda. Meus pensamento condensam e solenemente peço desculpas aqueles que leram minhas palavras, tendo em vista que tais anotações estão mais para um diário. Perdoe-me, caro leitor, eu ando um pouco emotivo nesses últimos dias. Por isso não me tome por um aedo nem um egocêntrico azul qualquer.

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