domingo, 19 de maio de 2019

Amor

     Amor é um substantivo restritivo que às vezes tem função de advérbio, outras de adjetivo, mas estranhamente é visto como verbo. Verbo indica ação, amar é justamente ficar parado, repleto de dúvidas, com cenho fechado refletindo sobre a virtude de ser amado.

     Amar não é um verbo intransitivo, na verdade depende de um objeto direto, quem ama, ama algo ou alguém. Os bancos amam o dinheiro, os políticos amam o poder, os sábios amam o conhecimento, os indecisos amam a incerteza. A incerteza é uma das coisas que por vezes me corrói, outras vezes me mantêm ativo, hoje esse verbo intransigente chamado amar organicamente toma reflexão e pede subordinação à minha própria consciência.

     Fecho conscientemente meus olhos para os erros e encontros consonantais que tive por esses anos de juventude, repleto do hiato de vários anos, me permito sem explicações acadêmicas amar algo diferente, amar a mim mesmo.

     O amor sempre foi uma oração restritiva para mim, eu amava uma única pessoa de forma intensa, mas aos poucos percebi que tudo isso era besteira. Eu não posso depositar um sentimento tão sólido em uma única pessoa, ciente dessa falha, tentei aos poucos repará-la: Amei à minha irmã como se fosse a minha filha, amei aos meus amigos como se fossem meus irmãos, amei os livros como se fossem meus amigos, amei meus pais como se fossem meus livros e amei meus dias como se fossem meus francos professores.

     Mas amar uma só pessoa, nunca mais consegui fazer. Até porque meu coração teve momentos de grande sofrimento intercalados com momentos de degelo, e resisti à ideia de me permitir amar de forma romântica de novo. Foi quando desenvolvi o amor platônico pelo meu próprio passado, pelas minhas próprias recordações, sem embaraço, tomei gosto de explorar as memórias da minha juventude. Essa mesma juventude que enquanto jovem era insatisfeito e quando velho me sinto lisonjeiro de ter vivido.

      Ter visto minha irmã nascer, ter vivido nove anos com ela antes dela falecer. Tudo isso me trouxe recordações intensas, da mesma forma que eu vi minha primeira namorada crescer comigo e sofri com a perda, da mesma forma que chorei quando a minha segunda namorada partiu desse mundo por suas próprias mãos, eu passei a amar meu próprio passado como pedaço de mim mesmo. Foi algo necessário de ser vivido.

      Hoje ciente disso, tem dias que sou tomado pelo medo, medo não por mim ou pelas pessoas ao meu redor, mas medo do futuro. Futuro por sua inteira simplicidade. O que me reserva o futuro? Um monte de filhos e uma esposa? A solidão e fortuna? Ou a morte? Essa incerteza me incomoda, mas me sinto em paz porque tudo isso está nas mãos da pessoa mais preparada para lidar com essas incertezas, eu mesmo.

      Ao mesmo tempo que amo o passado, rompo com ele, sigo em frente. Fecho meus olhos um momento e acordo desse sonho (que muitas vezes vira um pesadelo) e me torno diferente do que imagino que fui um dia. Hoje amo com leveza o pouco que tenho e à distância descubro que posso amar algo novo sem me desesperar a encontrar algo que seja meu;

      Dizem que é assim que a gente encontra um novo amor, eu não sei, com medo de errar de novo, tenho receio de dizer o que sinto para uma pessoa que amo à distância, uma verdadeira coqueluche que surgiu agora que espero que passe tão rápido quanto ela apareceu. Amar é sempre mudar a alma de casa e por isso mesmo talvez amar seja um verbo irregular e irracional;

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...