A barba negra e espessa estava suja de neve. Seus olhos azuis não tinham qualquer tipo de expressão, estavam oblíquos, opacos, como se fossem feitos de porcelana. Sua jaqueta estava suja, com o odor característico do suor impregnado de vários dias sem lavar, mas ao mesmo tempo úmida por causa da neve que nunca secava. Seu semblante severo fitava o relento, ao fundo sentia o cheiro amargo de alho e beterrabas sendo cozidas no caldeirão de ferro.
Pegou sem entusiasmo uma garrafa de vodka e se escondeu do frio no buraco da trincheira. O rapaz carregava apenas uma pequena mochila de feltro e um velho fuzil enferrujado nas costas, ventava e aos poucos nevava de novo, sem cerimônia, encheu seu cachimbo de tabaco e caminhou sem entusiasmo pela vala da trincheira. Outrora ele ria com seus amigos, flertava com as mulheres e caçava confusão por esporte, mas naquele dia, ele era capaz de arranjar briga com qualquer um por mais um gole de vodka. Atirou a garrafa longe.
Ao chegar perto do refeitório improvisado junto à tenda de campanha, encontrou um piano incrivelmente intacto e metade de um balcão estilhaçado que servia de banco para a plateia de soldados que se sentavam esparramados pelo chão. Apesar disso, estava com um aspecto vazio, ele preferia desse jeito:
"Mais bebida pra mim", pensou consigo.
Ele que levava a vida por um fio não estava preocupado que só tivesse duas balas no cartucho, ele estava preocupado se alguém tivesse encontrado a garrafa com metade de licor de assis atrás do piano de parede. Ele estava feliz ao ter encontrado a bebida sem muita dificuldade.
Aos poucos, os soldados se serviam de borsch (aquela sopa rala de beterraba, rabanetes e um pouco de carne). Era o segundo ano de guerra, Mikhail estava cansado de andar sobre o campo minado e ouvir a distância os alemães ressabiarem as suas armas contra os desavisados.
O ano era 1916, o mundo estava prestes a se tornar completamente diferente;
domingo, 19 de maio de 2019
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