domingo, 19 de maio de 2019

Mad Men

          Mad Men foi provavelmente a série que mais me surpreendeu nos últimos tempos pelo teor ácido de sua história, o desenvolvimento elegante do seu roteiro e a atuação impecável dos seus atores. Recentemente assisti as sete temporadas na Netflix, e foi com um pouco de nostalgia que terminei o último episódio ano passado.


           Mathew Weiner apresentou o projeto de Mad Men para HBO logo depois de terminar Os Sopranos, a famosa série da máfia que extrapolou as fronteiras e limites delimitados pela triologia de Francis Coppola, Godfather, e a série foi rejeitada. A despeito do sucesso de Sopranos, os executivos não queriam apostar em uma série sobre publicidade, eles realmente acreditavam que a audiência seria muito baixa; Erro deles.

           Mad Men no primeiro episódio já mostra para o que vem, fala publicamente que vai se direcionar ao mundo da publicidade na era de Ouro, os anos 60. Centrada na figura de Don Draper, a série começa com o primeiro dia de Peggy, a nova secretária do diretor criativo da agência de publicidade Sterling Cooper.

           Aí vemos a relação que se constrói de Don e sua secretária, que a despeito dos clichés, não tem nada de romântica, e sim de cumplicidade e complementariedade. Peggy torna-se muito mais do que uma secretária, ela se torna ao decorrer da série uma aprendiz, uma amiga e depois até uma potencial rival de seu chefe, demonstrando que embora a misoginia fosse tema recorrente nos anos 60, a sociedade estava mudando e os paradigmas sociais também.

        Draper vive o sonho americano, tem uma excelente casa no subúrbio americano, troca constante de carro, tem uma família estável, mas insatisfeito consigo mesmo e com o seu presente, tem inquietações individuais graves; Por esse motivo ele toma atitudes questionáveis e essas ações acabam também se refletindo no seu trabalho.


        Aos poucos criamos empatia pelos personagens do eixo principal da série, mesmo os mais questionáveis, e vemos a complexidade de cada um sendo exposta por seus dramas individuais; Mad Men não é uma série de mocinhos e vilões, pelo contrário, todo mundo tem um pouco dos dois. Desde o chefe que assedia a secretária, até a secretária que vence as fronteiras do machismo e se torna um contraponto ao papel que se esperava da mulher na sociedade da época.

          Vemos uma evolução gigantesca de Peggy e de Don Draper no decorrer da série, vemos expostos de maneira (por vezes sutil, outras vezes explícita), temas como o racismo, a homofobia, a misoginia e a existência de realidades tóxicas no meio de trabalho.

          Mad Men além disso nos premia com um cenário muito bem construído que é uma reprodução filedigna dos anos 60, seja nos figurinos, seja nos comportamentos (com os atores fumando cigarros de forma descontrolada e bebendo), seja nos eventos históricos que foram muito bem relacionados com a trama principal da série. Os anos 60 são a espinha dorsal da série, mas a série não depende de um recorte cronológico para se desenvolver, seus temas são atuais até hoje.


            O mais interessante é a forma como coexistem discussões geracionais dentro da própria série, a geração que participou da Segunda Guerra dialoga com a geração baby boomer e a nascente geração dos anos 60 que está interessada na ruptura dos padrões e na contestação dos valores que as gerações anteriores construíram. Nisso temos o movimento hippie surgindo, o movimento feminista, o rock, a Guerra do Vietnã, a corrida espacial. 

            Prato cheio pra qualquer aficionado tanto em história quanto no mundo dos negócios, Mad Men (alusão aos Madison Men, os homens engravatados que perambulam pela Avenida Madison até hoje) é uma crua e fina alegoria de uma época tão distante de nós e ainda assim que está tão presente em nossas vidas;

             De toda forma, é um prêmio visualmente falando que foi bem reconhecido pela academia, ganhando 15 Emmys ao todo (sendo que as 4 primeiras temporadas consecutivamente ganharam cada uma o prêmio de melhor série dramática) e 4 Globos de Ouro. As referências visuais remetem organicamente aos filmes de Hitchcock (a abertura é quase uma homenagem ao filme Vertigo) e ao estilo kirsch americano, com planos visuais abertos intercalados com closes e iluminações carregadas a depender da intensidade da cena a ser destacada.


          O título em português da série é oportuno, Inventando Verdades, num mundo em que o conceito de Verdade é subvertido em nome de narrativas (Pierre Bordieu) e particularizado em favor de grupos específicos, Mad Men nos mostra que a manipulação de palavras, conceitos e imagens é um fenômeno antigo e muito bem pensado; Além disso nos mostra que a ausência de moral nos meios corporativos é tão disseminada que os próprios agentes participantes (tanto do processo criativo quanto financeiro) estão imersos e não percebem de fato que várias questões que eles próprios são submetidos cotidianamente são produtos do meio em que eles estão imersos.

            Para quem teme ficar órfão com o término de Game of Thrones, fica aqui a minha sincera recomendação.



       

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