"Todas as vezes que penso na grandeza desses dias, penso em Maiakovsky:
'Camaradas, somos um rochedo de granito,
Os bandidos da Entente arremessam-se contra ele
Mas nada abaterá a Rússia Soviética
À esquerda, à esquerda, à esquerda!" (Nikolai Petrov)
Dia 25 de julho de 1918
Desde a tomada triunfal de Petrogrado e Moscou no final do ano passado as coisas ficaram cada dia mais complicada, a Revolução teve que encarar logo cedo a sanha do imperialismo e os nossos inimigos espoliaram de nosso jovem país a Ucrânia, a Bielorrússia e os países bálticos. Na Ucrânia, o populismo ameaça o sucesso da revolução no campo e aos poucos os bandidos de Krasnov e Kolchak se dirigem à nossa capital, Moscou.
Bukharin sugeriu a evacuação de Petrogrado que corria risco de ser tomada por Yudenich e Wrangel, os alemães que tomaram Pskov e Minsk das mãos de Trotsky agora brigam contra os cossacos ucranianos; Krasnov avança sobre o Don e infelizmente estamos no seu encalço, vivemos em função dos trilhos: Comemos sobre os trilhos, dormimos sobre os trilhos, bebemos sobre os trilhos, atiramos sobre os trilhos e morremos sobre os trilhos, a locomotiva é a nossa única proteção em território hostil, os camponeses não confiam em nós e quando falo que sou comissário, alguns correm com os seus ancinhos em minha direção.
Percorremos toda a região do Volga, corremos por Kazan, Simbirsk, Oremburgo e agora caímos na Sibéria, no meio desse impasse; Temos que impedir que os tchecos de Kolchak se juntem aos cossacos de Krasnov, a tarefa é difícil e tememos insurreições dos kulaks de Iaroslav. Encontrei- me ontem com três rapazes vindos de Petrogrado, faz tanto tempo que não tenho notícias do oeste que senti-me renovado ao encontrar esses rapazes no vagão do trem em direção à Sibéria. Um deles era mais ativo, um letão chamado Markus, com olhos meio porcinos e rechonchudo, o outro era um judeu pequeno e misterioso, chamado Goldstein e o terceiro era um jovem rapaz chamado Malinovsky, os três recém alistados e estavam em primeira missão contra Kolchak.
Malinovsky me confessou que o verdadeiro motivo para ter se alistado foi a fome em Petrogrado, a situação anda tão alarmante que as rações de pão foram reduzidas para 200 gramas por dia; Boris Smirnov e eu nos reunimos no vagão principal para planejar a estratégia do cerco às forças de Krasnov, esses dias andam tão corridos, que fumo um cigarro atrás do outro. Um telegrama de Moscou chegou logo a tarde com más notícias, Trotsky mandava um memorando falando que nossas forças são equivalentes à metade das forças de Krasnov e nossos reforços não chegarão a tempo para enfrentar Kolchak. A Revolução corre perigo e como comissário tenho um papel importante a desempenhar, mesmo que isso resulte no fim da minha própria vida.
Vladimir Ilyich me confiou essa missão e tenho a obrigação de retribuir o voto de confiança, assim como enfrentamos a cavalaria de Krasnov no passado, agora correremos com o último homem que tivermos disponível contra os sabres encurvados dos cossacos. A guerra é uma barbaridade para quem tem consciência que todos nós somos irmãos de sangue, mas se for o preço para a nossa própria liberdade, é um valor muito pequeno a se pagar; Juntos nós seguimos cada mais em direção à revolução mundial.
Nikolai Petrov, comissário do 2° Corpo do Exército Vermelho".
Petrov saiu de sua cabine na parte da frente do trem e seguiu em direção ao samovar, próximo aos assentos dos soldados, era da sua natureza ignorar a hierarquia, desde o tempo em que fora marinheiro do Encouraçado Potemkin, e hoje não seria diferente: serviu duas xícaras de chá de amoras e entregou para o grupo de Petrogrado. Markus e Malinovsky agradeceram, Petrov voltou ao samovar e serviu um pouco de chá para si e para Goldstein.
"Camaradas, devemos estar chegando a Belyi derevno ao amanhecer, recomendo que vocês aproveitem ao máximo a noite de hoje para descansar.", disse Petrov.
"Finalmente! Eu não aguento mais sacolejar nesse trem, mais um pouco e eu começo a vomitar de novo", disse Goldstein.
"Você terá muitos motivos para vomitar amanhã, camarada Goldstein, quando você ver um dos seus companheiros ter as tripas arrancadas pela baioneta, a primeira reação vai ser querer vomitar. Se engana se você acha que o seu impulso vai ser pegar no rifle e atirar, a guerra é bem mais inconsciente do que isso".
" A quanto tempo está na linha de frente, Nikolai Ivanovich?", perguntou Malinovsky.
"Desde Moscou, Bukharin e eu lideramos a tomada do Kremlin dos cadetes. Quase perdemos, muitos homens bons, muitos bons soldados morreram durante aquela semana. Depois eu fui enviado para a Ucrânia e depois para o Don, Trotsky gosta de usar o Segundo Exército para tapar os buracos que ele cria", respondeu Petrov.
"Você conhece o camarada Trotsky? Como ele é?", disse o jovem Markus com evidente curiosidade.
"Se de longe ele parece inacreditável, de perto ele é realmente inacreditável, no mal sentido. Trotsky é um poço de arrogância, camarada, quando o conhecerem verão que eu falo a verdade."
O semblante severo de Petrov escolhia em seus olhos o enigma de sua própria tristeza, a guerra estava tomando o seu preço, Svetlana, sua esposa, tinha mandado uma carta falando que Olga pegou uma coqueluche e o médico não podia dar maiores esperanças, o jovem comissário comunista não acreditava em milagres e tomado por um pessimismo genuíno se preparava para o pior, sentia-se perdido, mas apegado ao seu próprio relógio, ele meditava rapidamente sobre o tempo. Será que ainda haveria tempo dele chegar a Moscou depois de derrotar Krasnov? Ou será que ele está destinado a ser refém do seu próprio relógio, ele não sabia.
O comissário se levantou e seguiu para a sua cabine, os três amigos se entreolharam e disseram:
"Realmente o comissário é uma pessoa estranha, Abraham Efremovich.", observou Markus.
"Espero que ele saiba o que está fazendo, os Brancos não estão para brincadeira"
"Muito menos nós"...
Parte 3 será publicada na quinta feira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário