sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O grito de uma soprano

         O ruído sustenido do oboé brincava de fagote com os quatro trompetes na sala de concertos musicais. Estranhamente vazia a orquestra ecoava com perfeição os acordes dos violinos sob o olhar atento das notas do piano. Era sexta-feira e como toda sexta o ensaio à tarde era a última preparação para a apresentação musical logo mais tarde.

      O violoncelos exprimiu um tom aguda e o coro tremulou doze vozes diferentes, duas sopranos no centro, quatro contraltos abriam a apresentação contra o urgido grave dos três tenores e três barítonos que formavam o coro masculino.  O regente, um polaco de meia idade tremia a batuta com imenso cuidado para não lhe deixar o Parkison guiar, a orquestra tinha que estar preparada antes da apresentação.

      Momentos de tensão, os trombones estavam agudos demais para o gosto do maestro e os violinos estavam sendo tocados fracamente, quase não saíam sons de suas cordas. Talvez fosse incomensurável a vontade do maestro em gritar com todos e sair irritado do palco, mas ele moderou seu nervosismo ao lembrar que aquela era uma orquestra de cegos. Todos os músicos tinham um ou mais problemas visuais que impediam de tomar parte da orquestra  como o desejado.

      Não poderiam ler as partituras senão em braille e isso dificultava o trabalho da orquestra pois tudo que valia era a memorização. O maestro mexia a paleta para uma orquestra que trabalhava às cegas. Os poucos que conseguiam enxergar ditavam o tom para seus vizinhos que memorizaram os acordes a semana inteira.

      Ninguém sabia se a apresentação daria certo... Talvez fosse um fiasco, mas era uma tentativa que retirava todos aqueles deficientes visuais da escuridão das sombras. A música era um novo conforto, o apalpar das teclas do piano, ou das cordas do violino um novo estímulo de vida. O cheiro do verniz e da madeira envelhecida fazia o resto do trabalho.

      A banda tocava silenciosamente em suas mentes  convexas e em extrema harmonia ditava a grande sinfonia de Frederic Chopin. Concerto para piano n.º 1 em mi menor, Eram as comemorações da apresentação oficial de 1830 quando Chopin dedicava seus últimos acordes à despedida à Polônia. Era um concerto de  desprendimento, triste em seu começo, triste em seu fim. Havia algo de emotivo na escolha daquela música, algo que não encaixava na orquestra.

    Silenciosamente o tenor arquitetava um vozeirão sem igual, mas na hora de declamar sua voz falhou e tudo que pode fazer foi tossir. Os violinos censuraram o atrapalhado cantor, mas isso não impediu que a soprano tomasse seu lugar, e com um estampido agudo de cortar os tímpanos, ela ensaiou uma das cantigas mais doces que já tinham saído de suas cordas vocais, não era Chopin que cantava, era outra coisa igualmente bela:

     "Na doce vida que gela
      O coração de menina
      Nada mais singela
      Do que ser querida

      Na doce canção
      Que é brincar de ser
      Sensação
      Toca suave o coração"

       Os violinos acompanharam discretamente o cântico singelo, o piano se ausentou dessa vez, dando espaço às flautas e ao clarinete. Os tenores regojizavam-se com aquela fuga de sinfonia.

      "Nunca se esqueça, minha querida
       Que para amar não basta olhar seus olhos
       Mas lhe fazer sentir querida
       Nessa suave canção"

      O fagote brincava de trompete e num ramalhete de notas o violoncelo sincero roubou a cena com um acorde de tamanha consolação:

       "Nunca me diga
        Que para amar não precisa coração
        Pois na falta de uma boa fadiga
        Tudo que me resta é o suave refrão

        Nunca me diga
        Que não me ama
        Por não sentir meu olhar

        Nunca chore se se apaixonar" 

        Sorriu-se então uma das sopranos, de formas delgadas e suave veneno na doçura de seus lábios. Lascivos olhos cores de cristal sem o cristalino longevido tomaram parte da triste canção.

        "Não é porque não tenho olhos
         Que não sinto medo de chorar
         Cada dia quando paro para te beijar"



          Vividos sonetos de cantos apaixonados, tercetos de passo ligeiro a batucar. O grito de uma soprano foi feito para amar. Então naquela franca demonstração de sentimentos, o sueto dos cânticos sinceros se silenciou ao som dos bravos violinos invocando o triste piano esquecido. Quem ama sabe que o amor não precisa ver, mas quem canta chora porque não quer crer que a canção é monopólio do coração.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Os desafios da República

      Cícero repousa nas mentes dos críticos como aquele que cedia às pretensões da demagogia e da corrupção do Senado, entretanto, Cícero era meramente um salvador da República. As tentativas frustradas de Catilina em perverter a juventude com promessas e mentiras tortuosas traziam insegurança para Roma e assim para o crescente império que nascia.

     Como autoridade consular, Cícero conseguiu conter a conspiração de Catilina que levaria ou ao fim do Senado, ou à uma Ditadura, mas não conseguiu vencer o surto de ascensão e demagogia de  César.E é isso que vivemos desde então, a crescente luta de César contra Cícero. Do poder executivo contra o poder legislativo, contudo isso é no plano hipotético.

     Num país distante e estranho, onde o ano começa em Março e termina praticamente em Novembro, nada é mais canceroso que o poder legislativo, isso porque a Res pública, a coisa pública não é inteiramente dissociada da coisa privada. O sistema democrático brasileiro ainda é incompleto de tal forma que o paternalismo, clientelismo e outras distorções da ordem democrática produzidas pelo populismo dilapidam as estacas de madeira da Democracia como cupins. A armação se apodrece e se finda num estampido de verão.

     A democracia foi interrompida com uma Ditadura. Não obtivemos um Péricles, mas lecionamos e gestamos muitos Demóstenes, populistas  e corrompidos que levam o povo à luta contra os macedônios, influindo sua ira contra esse poderoso vizinho (Estados Unidos) e ganham ao mesmo tempo o ouro dos persas para trair o seu próprio povo. Não são guerreiros e fogem à primeira luta sangrenta como covardes que sempre foram. A batalha pelas ideias só se dará por uma completa Zeitgeist que não virá agora, ou em 15 anos, pois os desagrados do Lula-petismo continuaram agindo para dilacerar ainda mais o sistema democrático em torno da profunda centralização política. Isso não é culpa exclusivamente do lula-petismo, mas da conjugação de uma vertente progressista (com ideias não muito claras de como se transformar o Brasil e encarar os problemas existentes) com as velhas elites políticas que continuam a atuar nos altos escalões do governo com sua cancerosa inércia alicerçada pelas redes clientelares. Assim, o movimento que nasceu das massas se esqueceu do seu berço no ABC Paulista e passou a apenas a circular nos altos cafés de Brasília.

    Os "trabalhistas" eram excelentes na oposição, excelentes fiscalizadores e questionadores, mas como governantes, embora tenham dado grandes mudanças ao país, acabaram perdendo seu vigor revolucionário e questionador que tinham inicialmente e acabaram seguindo uma tendência aguçada ao nacional-populismo e ao centralismo político.

    O Brasil sempre foi um país com uma tendência de centralismo, e essa tendência acaba envelopando o seu sistema disforme e hipertrofe de burocracia que com seus curtos tentáculos acaba não chegando aos rincões do Brasil. A corrupção é absorvida por esse mostro em forma de Leviatã e a única opção que temos é a formação de um sistema parlamentarista desvencilhado das grandes famílias do interior do Brasil.

    O Brasil é um grande Portugal, sempre foi, sempre será e a sua tendência ao autoritarismo não desaparecerá tão cedo enquanto seu sistema democrático for completamente incompleto como é hoje. As transformações de hoje irão desaparecer na preguiça de amanhã e o grande momento que tivemos para mudar foi jogado foi em virtude da nossa incapacidade dos dois modelos políticos que já se esgotaram, o neoliberalismo e o nacional-populismo.

     As Três Romas caíram; (Roma, Constantinopla, Moscou) Brasília é a quarta e não haverá uma quinta. Será? Precisamos desses embates cancerígenos entre César e Cícero? Das conjurações de Catilina? Precisamos passar pelo horror do assassinato dos irmãos Graco? Entramos no Declínio e Queda do "Império" Brasileiro, que antes tentava se inserir internacionalmente, tinha uma força dentro do próprio continente latino-americano e na África e hoje não tem força nem mesmo dentro de sua  própria porteira.


    A imensa fazenda que se formou em torno da Ilha de Vera Cruz e do Monte Pascoal está para virar cinzas nas areias da História. A grande oportunidade de construirmos um admirável mundo novo, mais justo e igualitário tornou-se uma distopia digna de Huxley. Não sei em caminho estamos seguindo, mas acho que é para fora do socialismo ou mesmo para o desenvolvimento econômico. O desemprego cresce e  não sabemos mais em confiar,  só sabemos que não podemos confiar na propaganda eufórica do Governo. Há mais igualdade social nas ruas, mas o dinheiro não compra mais comida como antes.

   A inflação cresce, o desemprego também. O custo de vida sobe, as oportunidades diminuem. Muitos se especializam, mas aos poucos compreendem que isso não lhes conferem grandes vantagens, se deprimem e esquecem dos sonhos de antes. O Brasil é um grande Portugal e entrará em falência quer digam que sim ou não. Falência moral e financeira.

Decameron político

         A prática política torna-se um exercício enfadonho quando se percebe que a política deixa de ser a expressão dos direitos do homem para passar a ser um mero contrato comercial. Essa é a frase inicial desse caderno de comentários iniciais sobre  a política vigorante em vigor; 
  
        Aristóteles acreditava que a política era o resultado da procura dos indivíduos da pólis pelo bem comum, e mais do que isso pela felicidade. Maquiavel, pai da ciência política, acreditava que um bom príncipe era um indivíduo que ao mesmo tempo que era amado por seu povo se fazia temido quando necessário e que a política era a busca pelo poder e pela virtude, onde a fortuna (traduzida pela sorte) não deveria interferir no julgamento de um bom governante. A sorte é algo que acompanha um governante, mas não deve ser o pilar do seu governo, da mesma forma que não se governa somente pela sorte, não se pode governar sem ela.

       Política é um jogo, uma mostra máxima do que seria um tabuleiro, mas não de xadrez; Política não é um jogo linear, é um jogo onde há trapaças, conspirações e subterfúgios que desafiam a linha tênue do que é moral ou imoral, a ética aristotélica não vigora tanto quanto antes, mas é conveniente não se esquecer que a despeito do que seja a política, não é um jogo que vale tudo.

      Alexis de Tocqueville temia o poder que o exercício democrático poderia trazer ao mundo e tinha profundo temor pelo progresso que a democracia na América impunha, ele acreditava que dali em diante tudo tenderia a piorar, mas Tocqueville estava analisando uma realidade onde a democracia era um aspecto enraizado na espinha dorsal desde sua essência, que é a sociedade norte-americana, entretanto, acredito que se ele tivesse visitado uma realidade um pouco mais ao sul do Equador ele  tomaria uma postura ainda mais pessimista que a demonstrada no seu livro a Democracia na América.

     É conveniente destacar que a realidade latino-americana sugere a existência de uma estrutura profundamente gestada no caudilhismo, no poder paralelo e concorrente ao poder central. Isso marcou um período de grande instabilidade política na América Hispânica em meados do século XIX e levou a divisão e intrigas regionais entre os povos hispano-americanos, entretanto, o caso do Brasil é incomum, pois ao invés de existir um embate entre o poder paralelo e concorrente ao poder central na Guanabara, houve uma aliança, onde primeiramente o Imperador, depois os presidentes, reconheciam os direitos das elites locais e davam benesses e em troca não tinha sua autoridade questionada. Esse é a base do pacto federativo até hoje no Brasil, isso não é algo que se observa em sistemas democráticos consolidados.

      A política brasileira se traduz por redes, redes clientelares de parentesco que são produto da herança portuguesa do século XIII e XV, sobretudo da administração Manuelina em diante, essas redes acabam agindo na criação de relações de amizade na manutenção de um corpo social, isso se traduz no serviço público e na ideia de curral eleitoral.

      O sistema democrático brasileiro nunca foi pleno, as eleições eram um direito de um grupo muito seleto da sociedade e conforme o tempo e as pressões sociais foram se alargando os direitos para outros segmentos sociais, o período da ditadura de Vargas trouxe um quadro esquizofrênico ao país, onde os direitos sociais anteveriam os direitos políticos e individuais, o que em outras realidades veio justamente ao contrário, a sucessão linear seguiu no caminho que a obtenção dos direitos individuais na Carta Magna levaram a uma pressão popular por maiores direitos políticos que uma vez obtidos passaram a levar em conta as questões sociais.

       O Brasil é um caso único pois a sua herança é algo peculiar, o que hoje chamamos de corrupção é algo que acompanhou a gestação do processo de formação nacional e o profundo quadro de segregação social, por motivos econômicos facilitou o nascimento de uma modalidade de apadrinhamento nas regiões mais necessitadas do país, formando uma modalidade chamada coronelismo. Esse mesmo coronelismo foi ressignificado a um nível nacional com Vargas e seus seguidores e tomou a feição de populismo.

     O populismo não é algo que só existe no Brasil, ele também está enraizado na Argentina, Uruguai, Paraguai e outros países latino-americanos; Contudo, quando o país caminhava na linha de desenvolvimento de uma democracia, o aspecto reacionário das elites locais findou qualquer ambiente de diálogo e discussão com o Golpe de 1° de Abril de 1964 que retirou qualquer exercício democrático desvencilhado da manipulação da Junta Militar e das antigas redes de coronelismo  locais. A perseguição política a alguns grupos trouxe em cheque ainda mais o exercício legal e jurídico existente. Por esses motivos, acredito que o Brasil não é uma democracia plena no sentido distinto do termo, o Brasil não é uma Inglaterra ou um Estados Unidos (embora os Estados Unidos sejam o grande espelho do norte), o Brasil é um país de desigualdades que vive sob sonhos, surtos de desenvolvimentos intercalados com períodos de crise extrema; São esses sonhos que acabam iludindo seu povo e trazendo uma profunda mágoa do cidadão com a política. Sendo esse cidadão apenas um cidadão de papel, um cidadão que nunca foi cidadão pleno, pois seu direito não é atendido mesmo tendo um título de eleitor e uma tremenda vontade de mudar a realidade.

       A apropriação das Jornadas de Julho pelos partidos políticos é um profundo insulto à memória daqueles que correram sob o sol dos batalhões policiais de cavalaria, apanharam dos cassetetes, engoliram o gás lacrimogênio e tão inutilmente tentavam se proteger com panos calçados de vinagre. O atual ano é de eleições e o erro espera à espreita, temos inúmeros projetos para esse país e o projeto que provavelmente será vencedor não está mais dando da realidade atual.

         Assim, vivemos num decameron político.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Um homem com um livro

     Quando ainda morava no interior todas as vezes que saía pela  praça da cidadezinha um velho senhor sentado num banco branco meio enferrujado daqueles de praça; Era um banco bem localizado, sobre a sombra das castanheiras e dos grandes carvalhos daqueles bosques tão perdidos da minha infância, havia algumas mangueiras talvez, ou será que eram macieiras? Não sei dizer, mas o que importava que todo dia que ia à padaria comprar pão, ele estava lá; quando ia à escola ele estava lá; Quando ia ao barbeiro, o velhinho estava lá.

       Não era um simples andarilho que adotara do desconfortável banco a sua casa, pelo contrário, o chapéu e a capa escura denotavam que ele tinha vivido muitos anos e não era largado à própria sorte; As crianças brincavam ao redor dele, faziam troça e plantavam diabruras, mas ele não ligava, continuava sozinho sentado naquele banco com suas rugas tão bem cortadas, os bigodes grisalhos de bode e os olhos cansados de catarata.

       Meu pai dizia que era só uma estátua, alguém sem importância que tomara o banco por companheiro. Minha mãe sempre tinha medo de passar perto dali, achava que talvez o velhinho fosse louco; Todo mundo comentara nas primeiras semanas na primeira cidadezinha sobre aquele velhinho, nos bares, na Igreja, nas fofocas de pé de janela. Todo mundo queria saber quem era aquele simpático velhinho, talvez não fosse ninguém, mas era alguém que trazia um novo ânimo na cidade, nas conversas e na paisagem. Nunca em trinta anos aquela cidade fora tão badalada quanto agora;

      O padre de batina e bíblia na mão, cheirando a vinho estragado quis prestar a palavra de Deus à conselho das beatas desocupadas de interior. Não deu muito resultado, na primeira linha do livro Êxodo, quem foi embora foi o padre. O velho deu pouca importância ao Antigo Testamento, seu companheiro de velhice, que agora daria menor importância ao novo.

     Os manés pinguços de botequim sorriam nos bares e dedicavam grandes quantidades de cachaça ao velhinho da praça; Quem sabe ele se juntaria aos outros no calor do interior e tomaria uma gelada?  Não deu certo também

      O delegado num certo dia, incomodado com os boatos e fuxicos da redondezas saiu à procura de respostas, mas voltou com o quepe nas mãos e uma dúvida na cabeça: Quem era aquele velho e porque ninguém conseguia falar com ele.

      O velhinho era enigmático, tinha olhos de um tom escuro bem penetrante e uma barba tão longa que podia-se dar um nó. O aspecto envelhecido de sua pela, os ossos fracos e os olhos perdidos fizeram com que todos tivessem compaixão por ele. Ninguém sabia quem era, mas meu avô duvidava: "Esse homem perdeu alguém que amava na vida".

      Meu avô era um homem sábio, ele tinha razão; Aquele homem perdera a voz no dia que perdeu alguém importante, tudo que tinha era a roupa do corpo e um livro no colo. 


       As pessoas se apiedavam dele; Vez em quando o padeiro trazia alguns pãezinhos pela manhã, o dono do bar trazia um prato de churrasquinho de gato à tarde, e quando era nos finais de semana era o pipoqueiro que se tornava bom samaritano; Ele comia por inércia, mas olhava em agradecimento. Ser velho é ser triste.

        Todos sorriam de volta, e de repente o velhinho passou a ser uma figura da cidade. O prefeito pensou em removê-lo para uma pensão, mas a população olhou isso com desagrado: "Se ele queria ficar ali, era pra ele ficar ali". Quando os casais de namorados passeavam à luz fraca da penumbra do Sol das quatro, cumprimentavam o velhinho.

        O pessoal do dominó também tinha um enorme respeito por ele.Até os pombos que sempre foram meio travessos e porcalhões  não brincavam em sujar propositalmente o velhinho da capa escura. Tinha um tom amargo em sua vida que não lhe fazia enxergar os dias e as noites.

       Não sei como ele fazia para ir ao banheiro ou beber água, acho que ninguém sabia. Duvido que fosse a um hidrante. Tudo que eu sabia é que quando ia para a escola eu me deparava todos os dias com aquele velho e o seu livro. Que livro seria?

       Um dia minha professora resolveu conversar com esse senhor. Ela era uma jovem simpática, era das campinas de São Bórgia, tinha olhos glaucos de alemã e cabelos negros de italiana, bonita e irresistível a qualquer criatura com um pouco de coração, trazia ela uma pastinha e uma régua de madeira que sempre levava consigo.

        — Bom dia, senhor.

        Tinha uma voz doce a minha professora, a tia Jaqueline, ela era um poço de amor no mundo sujo de cidade de interior. Não se metia em confusões, estava longe das fofocas, fugia dos pretendentes que faziam fila em sua casa e apenas sabia ser amiga dos seus alunos. Dizem que ela sofria de alguma coisa, um amor perdido ou uma desilusão, mas não imagino quem em sã consciência faria isso com uma pessoa tão boa.

      — Vejo que o senhor não é muito de falar, tudo bem. Me chamo Jaqueline, sou professora nessa escolinha perto da prefeitura, vim saber como o senhor estava.

      O velhinho olhou para ela um tanto incrédulo, não emitiu nenhum som, mas era um avanço ver que ele mudara o foco dos seus olhos perdidos; O velhinho tinha cabelos brancos, grisalhos pelas areias do tempo, uma cabeça esculpida em pedra e revestida de carne para formar feições tão rudes, a pele morena de tantos sóis e um bigode e cavanhaque brancos, tinha um nariz de batata também, mas o resto não convém mencionar.

      — Sei que sua vida é um assunto seu, respeito isso, mas se precisar de ajuda estou aqui  para ajudar. Todos aqui nessa cidade querem saber de você, estão curiosos eu sei. O senhor tem uma família?

     Os olhos vermelhos da catarata encheram-se de lágrimas, mas o velhinho era forte demais para chorar. Engoliu o choro junto à glote; Minha professora entendeu que aquele era um ponto sensível e pediu desculpas. Pensou em ir embora, em vez disso ficou.

    — Eu imagino a dor que você esteja sentido. Deve estar sendo duro. Quando perdi meu pai foi assim, eu era muito jovem sabe? Meu pai era um homem assim como você, forte e de poucas palavras, mas eu sabia que ele gostava de mim.Era um advogado, um dos melhores lá em São Borja, o pessoal brincava para gente tomar cuidado senão São Borja acabaria trazendo "outro Getúlio Vargas". Felizmente meu pai nunca foi para a política; Minha mãe morrera quando eu nasci, e todo amor dele foi para mim... até que um dia ele morreu, ataque do coração fulminante. Nunca me senti tão triste na vida  — Tentou conter a lágrima junto às maçãs do rosto, mas a lágrima escorreu. O homem puxou um lenço do sobretudo, minha professora aceitou e quando devolveu, percebeu que o velhinho também ficara abalado;  — Foi a primeira vez que percebi que tinha ficado sozinha, eu estava na faculdade, aí tive que decidir entre trabalhar ou viver me lamentando, eu estava na porta de casa, matutando por duas horas, quando percebi que tinha que me levantar. Prestei o concurso para a fundação de cá e quando fui aprovada, eu vim; Isso tem cinco anos. 

       O velho olhava com uma estranha ternura para a menina, digo menina, pois ele parecia prestar atenção nela como se fosse uma garotinha sardenta do interior. A tia Jaqueline pensou que o velhinho estivesse a confundindo com alguém, mas continuou:

       — Eu consegui com muito esforço minha casa. Amo meu trabalho e adoro lidar com crianças, os adultos sempre têm algo de maligno dentro deles, por isso não me envolvo com gente grande, mas as crianças são puras; o choro de uma criança é um choro sincero, pode ter certeza.

       Minha professora notou que o velhinho tinha um livro em cima de seu colo. Um livro de cara de couro marrom, de folhas já amareladas pelo tempo e curiosa para saber o porquê daquele velhinho ser tão agarrado ao livro, perguntou:

        — Posso ver o seu livro? — Disse em tom delicado, o velhinho, com lágrimas nos olhos, meneou positivamente com a cabeça e tia Jaqueline pegou calmamente o livro em suas mãos.

        Era um livro antigo de 1962, dizia que era um livro do Sebo da Glória com um carimbo de março de 1963 na contracapa. Tia Jaqueline pegou o livro com bastante cuidado, segurando a base com a mão direita e folheando as páginas com a a ponta dos dedos. Era uma relíquia.

      As primeiras páginas estavam mais gastas que jornal velho, mas quando folheou a terceira página ela encontrou o título em letras de forma bem pronunciadas: "O VELHO E O MAR, por Ernest Hemingway. Editora Brasil, 1962". Foi então que tudo começou a fazer sentido, ela tinha lido esse livro quando era mais jovem, seu pai o tinha em sua biblioteca e lembrou o que ele dizia: "Um velho pode ser destruído, mas nunca derrotado".

       A emoção foi forte, suas mãos começaram a tremer e lágrimas rompiam de seu rosto, tia Jaqueline começara a ficar um pouco mais vermelha de sangue. Tentou se acalmar e leu um recado antes do Preambulo da edição brasileira:



       "Querido papai, eu queria lhe dizer nesse dia que tudo ficará bem. Sei que será difícil de agora em diante, o senhor perdeu a mamãe e agora está me perdendo. Não sei por quanto tempo durará a minha quimio e se dará grandes resultados. Ricardo está preocupado, ele tem medo de não suportar tudo. Ele é uma boa pessoa, ele é o ótimo marido e vem sendo um ótimo pai para nossos  filhos, espero que seja um ótimo genro para o senhor.
         Tenho medo de deixá-lo, papai, tenho muito mesmo, mas isso está além de mim. Por favor, me perdoe.
                                                                                                                       De sua filha,                                                                                                                                   Catarina"
                     

                                                                                                         
         O velho começou a chorar descontroladamente, começou a tremer de tanto nervosismos e abriu a boca com tanta força que Jaqueline achou que ele fosse gritar... Mas não gritou, os pulmões não tinham tanto ar quanto achava, mas ele emitiu o primeiro som desde que chegara era um gemido de dor atravessado pela falta de ar. Todos na praça acorreram para ver o que se passava.
        

           "Tia" Jaqueline compreendeu tudo e começou a tentar acalmá-lo, segurou-lhe as mãos e fitou-lhe bem fundo nos olhos, por um momento o senhor parou:

           — Eu sinto muito. Sinto muito mesmo, não posso entender isso. Você teve uma perda tão grande quanto a minha, eu entendi tudo, você a amava e não conseguiu suportar a perda. É por isso que leva esse livro, não é? Para se lembrar dela, para se lembrar de Catarina.

           O velho não emitiu mais nenhum som, mesmo com o semi-círculo de pessoas em sua volta esperando qualquer movimento para ajudá-lo, nada foi feito, e ele continuou parado, e ficou parado por horas, até que abriu o livro uma hora e começou a ler silenciosamente.

          As pessoas não compreenderam isso e começaram a ir embora, numa certa altura minha professora também foi. Mas ninguém esquecia que aquela figura, aquela estátua humana que os pombos tinha a deferência  de respeitar, que os padeiros tinham o prazer de ajudar. Que aquela figura um dia chorara de dor diante de todos na mais profunda catarse na pequena ágora ateniense daquela praça.

          E lia, noite e dia. Lia sob o sol, e sob a chuva. Sob o calor das tardes e a luz dos lampiões da praça cheio de mosquitos à noite.

         “Ele era um velho que pescava sozinho em seu barco, na Gulf Stream. Havia oitenta e quatro dias que não apanhava nenhum peixe. Nos primeiros quarenta, levara em sua companhia um garoto para auxiliá-lo. Depois disso, os pais do garoto, convencidos de que o velho se tornara salao, isto é, um azarento da pior espécie, puseram o filho para trabalhar noutro barco, que trouxera três bons peixes em apenas uma semana.” 

      Ele estava naquela praça por noventa e dois dias agora, aquele velho e seu livro. E todos acompanhavam com os olhos  o modo como ele se esforçava para ler as letrinhas miúdas do livrinho mesmo com a catarata meio avançada. Até que um dia a leitura terminou...

           Um dia estava voltando da escola, era uma quinta feira, quando percebi que o banco estava agora vazio. As pessoas se distribuíam em roda, as fofoqueiras, as beatas, as freiras, os guardas, os bêbados de praça, os tabeliães da prefeitura, as mães, os filhos, os pedreiros, carpinteiros, padeiros, quitandeiros. Todo mundo.             


        

            Mas o velhinho não estava mais ali...




            Não estava, tudo que estava ali era o vazio, o velho tinha morrido, tudo que ficara foi seu livro.

            Não sei como ele morreu, mas ele fora a maior atração da cidade naqueles dias de verão. Lembro até hoje a missa e o velório que fizeram em sua homenagem, meu avô estava de terno. Uma raridade naqueles tempos em que eu só o via em mangas de camisa, certa hora ele me chamou depois de por graxa nos cabelos e falou:

            — A tristeza é o maior dos males, corrompe o corpo e lacera a alma. Essa é a lógica da vida.

          Pôs sua gravata vermelha e levou-me para procissão em carreata. Todos choravam, digo todos. Dos bêbados do bar, às maricotas das beatas, os guardas armados, mas sobre a tia Jaqueline. Ela entendeu a razão de tudo, aquele era um velho e o mar. O mar era de tristezas que nunca iriam acabar.

            Hoje lembro dos dias que o livro continuava intacto naquele banco de praça, até sua lombada fosse desgastada pelo tempo e pelos cupins, que sua  capa se separasse do miolo e que um dia virasse pó depois de tantas chuvas e tantos sóis. Nesse dia colocaram um livro de bronze no banco, o Velho e o Mar. O Velho e o Livro.

           Não sei quem era o velho, ninguém sabe. Nem convém saber, ele nasceu sem voz, mas nasceu para ser querido e lido de todas as formas possíveis.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Um quadro

    Era uma tela sobre um cavalete de carvalho, ou talvez fosse jacarandá. Era um quadro sobre o suporte de madeira trípede pintado à óleo por algum artista. As cores vibrantes, em tonalidade dissonantes, o ocre, o Azul da Prússia, o Vermelho Van Dyk, a sombra verde-oliva, o branco e o amarelo misturado, poderia ser um Cezánne, ou uma tela qualquer de Van Gogh, mas era de um pintor desconhecido.

     Contrastando com as outras telas que remetiam a paisagens abstratas e a mundos desconhecidos, tinha algo de hispânico naquela tela. Algo de ibérico, como se fosse um capricho de Picasso depois de uma noite de bebedeiras, não era uma obra italiana, nunca chegaria perto do Renascimento de Boccacio ou das grandes telas dos artistas florentinos. Não seria uma peça do Hermitage, mas poderia ser uma tela de algum museu latino-americano.

     Um muralismo em pequena escala, ou um minimalismo em larga escala, a tela tinha 50x30 e foi desenhada sob a balada de um jazz romântico, ou um acorde instrumental de Noel Rosa, sob as batucadas de um saxofone, e quem dera sob alguns tragos de conhaque, mas aquela tela era virgem de qualquer inspiração etílica, ela veio na cabeça.

     Uma moça, uma jovem moça bonita aparentemente, de grossos lábios vermelhos, longos cabelos negros e pele amarelada de  tantos  sóis. Com uma camisa azul colada sob os seios pequenos de seu tronco e uma saia vermelha com um pouco de mostarda. Uma obra experimental, diferente das outras, feia pelo traço disforme,sem proporções de áureas e bonita pelo arranjo de cores e tonalidades; Nada valeria aquela peça, nenhum museu aceitaria recebê-la, de fato, nem queria o seu autor isso; Era uma tela de despedida, uma tela para ser rasgada ao meio. Uma tela que não merecia ser chamado de quadro, apenas de um vômito criativo.

     O pincel  foi a falange da mente, a tinta foi o sangue da ideia, e a tela foi o corpo a ser esculpido. Era uma tela que poderia ser de Cézanne ou de um Capricco Español de  Picasso, mas era uma tela de um autor desconhecido, esquecida num cavalete de carvalho ou jacarandá, no fundo de uma biblioteca abafada onde a luz branca no teto não favoreceria a pintura de nenhuma maneira.

Uma maçã vermelha



       Casada com um pequeno médico de província que passava os dias inteiros fora de casa, Gabriela passeava de bicicleta pelas ruas estreitas de pequenos ladrilhos azuis na cidadezinha de Vista Alta. Na praça central da cidade, os velhos jogavam dominó, os meninos brincavam de subir nas mangueiras e as meninas corriam de brincar amarelinha no parque.

       Gabriela tinha que comprar na feira, mas comprar o que na feira? Ela tinha um pequeno papelzinho embrulhado no cesto da bicicleta de Roterdã, a jardineira de interior, o macacão jeans, os cabelos rubros ao vento esvoaçante sorriam para os amigos da família com o vibrante colorido daquela tarde abafada de sábado. Os jogos do campeonato de futebol paulista era narrado de maneira parvalhona pelo locutor no rádio de pilha da quitanda.

       Gabriela não queria saber quanto os armadores tinha o time do Corinthians e como estava difícil a retranca do São Paulo, ela estava preocupada com sua idade, 35 anos e nenhum filho. As rugas já começavam a se desenhar em seu rostinho delicado de mocinha e ela tinha medo que as rugas fossem um sinal de estar velha demais para ter filhos.

      Acariciou a barriga aquela ruivinha, nem se importando se seus cabelos pintados discordavam com a sua idade. Ela era jovem, ela mesma dizia. Abriu a sacola de pano e pegou três tomates bem maduros, um cacho de bananas e pediu maçãs bem maduras ao quitandeiro.

      O quitandeiro era um chinês muito engraçado, não sabia ser simpático quanto o seu vizinho nipônico e resmungava toda hora que um dia voltaria para Shangai, mas Shangai não estava perto e ele tinha medo de voltar para casa. Toda vez que via os cabelos de Gabriela tinha a recordação de que a China ainda era comunista, não entendia porquê essa associação, mas tratava de atendê-la o mais rápido possível.

       Gabriela pediu cinco maçãs bem maduras, daquelas da Argentina. Sim aquelas maçãs tão vermelhas quanto os seus cabelos plantadas no clima ameno de Córdoba, que vem em carro frigorifico pela fronteira do Rio Grande do Sul e quando chegam a São Paulo pela Régis Bittencourt, tem um sabor portenho misturado à poluição da capital. E quão cara elas são, cinco e cinquenta o quilo! Até Gabriela que costumava ser tão calma se assustou com o preço, estava exorbitante. Passou o desespero e pagou ao quitandeiro a conta, mais de vinte reais.

        Tomou de novo sua bicicleta, uma bela bicicleta da Caloi vermelha com o cesto de palha na frente, com pneus finos e dez marchas. Era uma bicicleta comum, mas ainda sim muito bem tratada. Esperou o semáforo fechar, o sábado estava calmo e pacato, os homens assistiam nos bares o jogo com bastante frustração, bebendo goles e mais goles de cerveja. Era um dia quente de janeiro.

       Gabriela roubou uma maçã do cesto, que mordiscou enquanto andava de bicicleta. A ruivinha era tão meiga comendo aquela maçã, origem do libidinoso pecado que era quase impossível não reparar o modo como aquela criatura descia silenciosamente os ladrilhos da rua principal.
 
       Ah Gabriela, nem pode ver a picape D-20 vermelha que descia em alta velocidade do bar em sua direção. Nem pode ver o rosto do dono revira-se de tanto álcool no sangue, sem o controle da marcha e do pedal. Quando mais ou menos, Gabriela, que tinha pensado que o carro havia desviado, percebeu que tinha sido atingida em cheio.

       A ruivinha não cogitou ver o modo como o rubro licor que saía de seu semblante contornava o asfalto ladrilhado, nem imaginava por um momento estar sendo traída no outro lado do Estado por seu marido ou que a maçã vermelhinha de Córdoba caiu na boca-de-lobo. Gabriela caiu da sua bicicleta Caloi num sábado, dia de jogo do Corinthians quando ia voltando do mercado depois de comer maçãs. Que doces maçãs são as maçãs vermelhas de Córdoba!



Uma pequena história de Carnaval

       Num país distante, abstraído do esquecimento dos tempos, da ignorância do saber e do racional desenvolvimento que no fundo só mostra a irracionalidade do próprio ser humano, onde o positivismo já foi voz, onde o marxismo se digladiou com as"forças produtivas de um antigo regime feudal com resquícios de mercantilismo e modelo asiático na América Latina", qualquer exasperação mais exaltada é vista como uma mostra de profunda rigidez política.

       Nesse país distante, o caudilho compra a comida do povo, silencia os inocentes e sorri para as câmeras como "o benevolente pai dos pobres" com sua barba postiça e o seu vozeirão de relâmpago. Saíra da cinzas do deserto mais profundo para trabalhar na cidade e na cidade ganhou o mundo. Não sabia falar, mas sabia ser ouvido. Criou uma legião de seguidores que passou a aterrorizar os velhos patrões industriais.

       No outro polo desse país tinha um professor universitário, um intelectual de classe média que emergiu-se na esquerda para descobrir a razão daquele país ser tão desigual e tão francamente marcado pela fragilidade econômica mesmo possuindo uma grande riqueza natural. Nesses estudos esse intelectual observou que "as forças do grande capital externo entram em acordo com a burguesia nacional que lucra com a dependência do mercado regional em relação ao grande capital internacional".

     Esses dois um dia se encontraram e se tornaram grandes amigos. O primeiro era um grande sindicalista, o segundo um intelectual. Quando o primeiro foi preso por ter pisado demais nos calos do governo, o segundo correu pelas ruas da cidade em seu carro oficial com salvo-conduto e salvou o sindicalista de ser preso e torturado. Não sei se havia uma grande amizade, mas ambos se respeitavam de maneira bastante cordial.

       Os dois foram às ruas panfletar por maior  representatividade em tempos, sob o sol e a chuva, buscando votos um para outro. E posteriormente quando era preciso, o intelectual convidava o sindicalista para dormir em seu apartamento, como mostra de profunda amizade. E assim foi, as esposas de ambos se conheciam e conversavam sobre receitas de bolo e sobre as operações de seus respectivos maridos.

      Um dia os dois tomaram rumos diferentes, o intelectual largou o marxismo, o sindicalista sequer sabia soletrar "luta de classes" direito; De uma hora para o outra os dois se viram em campos opostos, de amigos passaram a ser inimigos mortais, um não podia ver a cara do outro sem se xingarem, o ódio cresceu entre ambos em nome da Política; As eleições chegavam e o baixinho nervoso  gritava e esperneava contra o intelectual um tanto sorridente e leviano. A antiga parceria acabou sem fogueira, bilhete ou violão.

      Opostos entre si os dois envelheceram e os seus sonhos e projetos envelheceram junto consigo, o mundo já era outro bem diferente, mas o intelectual sempre será odiado por ter tomado medidas amargas para salvar a economia fraca de um país  sem perspectiva e o segundo sempre será amado porque em tempos de bonança jogou todo o dinheiro nas ruas com medidas assistenciais, não se preocupando com o que poderia vir no futuro. Nenhum dos dois era mais honrado que o outro na realidade, ambos tinham projetos diferentes, o intelectual e o sindicalista. O intelectual sempre atento com as demandas do exterior, sempre preocupado em como pagar a conta de gás e da luz, enquanto o sindicalista estava mais preocupado em ver como as coisas funcionam, em gastar o que tinha e não tinha para elevar o padrão de vida da população. O primeiro finalizou com a inflação, o segundo trouxe-a de volta. O primeiro sempre foi mais amargo,  o segundo sempre mais sorridente.

      Opostos entre si, não percebiam que faziam parte da mesma moeda. O intelectual e o sindicalista, no fim das contas eram eles que conduziam uma legião de seguidores e um cenário de expectativas diferentes cada um de si. E pensar que os dois eram amigos, nesse país distante, até os amigos se enganam. Nesse mesmo país, um amigo traiu o outro para declarar a República e se tornar presidente. Como é perigoso não ter amigos nesse país!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Física filosófica

      Uma lei da física estabelece que frequência é dada através do inverso do tempo necessário para que o movimento de um corpo volte a se repetir num período de tempo estipulado arbitrariamente: f= 1/T, sendo T correspondente a Período.

     Observando essa lei da física, qual a frequência do seu sorriso? Qual a frequência dos seus choros? Isso ao longo de toda a sua vida. Quando paramos para pensar em termos numéricos quantas vezes choramos e sorrimos vemos quão dialética que pode ser nossa vida, o enfrentamento da tese com antítese, do sorriso com o choro; Cada um oposto ao outro, um ing, outro yang.


     Mas é inegável que a vida é mais do que sucessões repetidas e intercaladas de dois processos cognitivos opostos e igualmente intensos, a felicidade e a tristeza; Mas a que ponto se chega nessa relação matemática? De fato isso é uma questão tautológica, a frequência que rege é uma vida é de aproximadamente 1,35 hertz, isso é algo que a biologia nos diz se você costuma ter o batimento cardíaco de 81bpm. 

    Quando se está triste ou com depressão a frequência cardíaca costuma diminuir, nesse caso a frequência que rege sua vida bate de maneira mais fraca, o tempo passa mais devagar e as suas forças também, quando se está contente a vida passa mais rápido, o coração passa a bater mais forte, mas num patamar aceitável, contudo se sua vida é intensa ao ponto de ser estressante a frequência que rege sua vida é maior e é uma lei da física que diz que quanto maior a frequência, menor o comprimento de onda, nesse caso a sua vida será menor.


    É estranho analisar a sua vida com base a física. Mas o que somos senão uma combinação meio bizarra de carbono com predomínio de água, sustentados por vergalhões de cálcio mineral? É curioso observar que essa combinação é o que dá vida às nossas bobinas de extração de oxigênio que reverte em dióxido de carbono. Mais curioso ainda é que essa estranha combinação de elementos é o que nos dá vida. 

     Assim tal como o sorriso se mistura com o choro, a física se mistura com a química e a biologia e rege nosso corpo, enquanto a história, filosofia e a sociologia regem nossa alma. A vida é uma estranha combinação de elementos que se misturam de diferentes formas diferentes, nos mantendo vivos.

A economia e a vida



         Em 1926 o economista soviético Nikolai D. Krondratiev elaborou um estudo baseado na análise matemática a cerca do desenvolvimento do capitalismo, e conseguiu elaborar estatisticamente a seguinte suposição: O capitalismo age de maneira cíclica através de  movimentos ciclicos de desenvolvimento. A ideia é que o capitalismo funcionaria como uma onda de rádio a qual seria gestada  através do "movimento harmônico simples", onde a base  dos "ciclos longos é o desgaste, a reposição e o incremento do fundo de bens de capital básicos, cuja produção exige investimentos enormes. (…) A reposição e o incremento desse fundo não é um processo contínuo. Realiza-se por saltos". Os saltos seriam tecnológicos.


      Assim ao contrário do que Marx dizia ao afirmar que as crescentes dicotomias entre a burguesia e o proletariado levariam ao acirramento do quadro político que desembocaria na Revolução e na ditadura do proletariado, Krondratiev acabou especulando que o capitalismo possui um caráter de "imortalidade virtual" e que a cada crise financeira, ele se reinventada através dos enormes investimentos na produção e no incremento de capital básicos e quando se realiza isso, a produção e o desenvolvimento do capital realiza um salto exponencial, assim em tese o capitalismo seria um sistema infinito em si mesmo.

      A capacidade inventiva do capitalismo é bastante conhecida e por isso querendo ou não o capitalismo é o sistema mais eficiente na obtenção de riquezas, não em sua distribuição; Mas minha análise não será de cunho econômico;

      Krondratiev dizia que o capitalismo sobrevive através de ciclos de prosperidade econômica intercalados com crise financeiras e depressões ao longo de uma linha de tempo de 50 anos.


        Quanto mais acelerado esse ciclo, mais rapidamente se obtém a Prosperidade, seguida pela recessão e depressão para depois haver a retomada e novamente o apogeu do ciclo econômico. Só que o problema é que a definição de Krondratiev extrapola os limites dos gráficos e passa para a vida real, do cidadão cotidiano. 

        A vida de uma pessoa é baseada também numa onda eletromagnética, o que alguns chamam de Espírito, outros de Ideia, outros simplesmente de Alma. Essa trajetória é baseada a partir de ciclos de prosperidade, desde os primeiros anos até a velhice intercalados com períodos de  recessão e estagnação.


        Quando nascemos o a prosperidade se inicia a partir da depressão que é sair da barriga de nossas mães que é uma atmosfera amistosa, livre de perigos e de ambiente controlado, mas a medida que passam-se os anos iniciamos o momento de desenvolvimento, investimento, quando começamos a aprender a falar, andar e brincar, quando nos abrimos ao mundo. Por volta dos três ou quatro anos inicia-se o período de recessão quando não aprendemos com a mesma velocidade que antes e nossos pais se desvencilham da criança para voltarem ao trabalho, posteriormente assiste-se uma depressão em virtude do isolamento e da separação dos pais no processo direto de desenvolvimento da criança, nessa altura a criança passa a ter que se cuidar, aprende a comer sozinha, a se limpar, a interagir com outras pessoas, etc, mas ainda com dependência dos pais, essa é a depressão que chamo depressão cognitiva, isso se dá com 4 ou cinco anos, novamente o ciclo é retomado quando a criança começa a ir à escola e a interagir com outras crianças, formar um novo período de prosperidade que combina o apogeu das interações sociais com o apogeu do aprendizado num dado momento. Isso se dá nas fases iniciais da educação básica.

      Com o passar do tempo a recessão e a depressão são atingidas de maneira imperceptiva, quando percebemos que atingimos o ápice do desenvolvimento em estágios no sistema escolar básico e começamos a perder o vínculo com alguns dos nossos amigos de infância, nisso chegamos a nossa adolescência. Um novo ciclo se inicia;

      O desenvolvimento que se observa através de um caráter mais pessoal, o adolescente começa a fechar em si mesmo num casulo, se separando de seus pais, mas com uma dependência financeira existente, como forma de criar a sua personalidade. Começa a se relacionar com seus amigos, a ter suas primeiras namoradas, a formar uma consciência ideológica, política ou religiosa e a se identificar com um grupo de pessoas. Esse é o apogeu, ao indivíduo é conduzido à ideia que o apogeu pleno só pode ser conduzido com o final do Ensino Médio, quando entrará para a faculdade ou terá um emprego.


    Aí se engana e inicia-se o período de recessão novamente, no caso do ensino superior, pode haver o caso do adolescente, agora um jovem adulto perder o vínculo imediato com os amigos da escola e ter que se adequar uma nova realidade, como o estudo, formar novos vínculos de amizade, etc. Comete algumas besteiras, como beber demais em festas, externar os seus problemas pessoais em vícios e a sair com várias pessoas ao mesmo tempo. Posteriormente vem a crise de consciência que chega a ser comparada a depressão, isso ocorre muitas vezes no quarto ou quinto semestre quando o jovem adulto se questiona se está fazendo tudo direito e se deve tomar um novo rumo ou não, nisso inicia-se um novo período de apogeu que terminará com a formatura.

    Novamente virá a recessão quando ele perceber que está desempregado, assim com o passar dos meses ele caminhará para um período de dificuldades até conseguir utilizar seus conhecimentos no mercado de trabalho, nesse caso inicia-se o período de desenvolvimento e posteriormente a estabilização financeira leva ao momento de apogeu... Até que percebe que está só na vida, e corre atrás da busca de uma família. E segue o fluxo até o fim da vida

     Então somente esse fluxo contíguo pode explicar a capacidade de estarmos vivos, esse ciclo de Krondratiev é algo que se traduz na vida, com ciclos de profundo crescimento pessoal, com o apogeu máximo, intercalados com período de declínio e de pura decadência, com novos períodos de recuperação. As pessoas costumam esconder a natureza desses ciclos através da religião ou de convicções, mas essa é uma lei inerente do desenvolvimento humano. Mas cada vez mais que avançamos no ciclo, damos saltos por adquirirmos experiência. Experiência que posteriormente se traduz numa pronta resposta às situações da vida, em tese era para nós sermos eternos, mas eis que lembramos que nossos corpos não seguem essa lei da economia.

      A nossa capacidade nata de recuperação é que move a natureza desses ciclos e que faz eu e você, caro leitor, estarmos aqui hoje tendo essa conversa;

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...