O ruído sustenido do oboé brincava de fagote com os quatro trompetes na sala de concertos musicais. Estranhamente vazia a orquestra ecoava com perfeição os acordes dos violinos sob o olhar atento das notas do piano. Era sexta-feira e como toda sexta o ensaio à tarde era a última preparação para a apresentação musical logo mais tarde.
O violoncelos exprimiu um tom aguda e o coro tremulou doze vozes diferentes, duas sopranos no centro, quatro contraltos abriam a apresentação contra o urgido grave dos três tenores e três barítonos que formavam o coro masculino. O regente, um polaco de meia idade tremia a batuta com imenso cuidado para não lhe deixar o Parkison guiar, a orquestra tinha que estar preparada antes da apresentação.
Momentos de tensão, os trombones estavam agudos demais para o gosto do maestro e os violinos estavam sendo tocados fracamente, quase não saíam sons de suas cordas. Talvez fosse incomensurável a vontade do maestro em gritar com todos e sair irritado do palco, mas ele moderou seu nervosismo ao lembrar que aquela era uma orquestra de cegos. Todos os músicos tinham um ou mais problemas visuais que impediam de tomar parte da orquestra como o desejado.
Não poderiam ler as partituras senão em braille e isso dificultava o trabalho da orquestra pois tudo que valia era a memorização. O maestro mexia a paleta para uma orquestra que trabalhava às cegas. Os poucos que conseguiam enxergar ditavam o tom para seus vizinhos que memorizaram os acordes a semana inteira.
Ninguém sabia se a apresentação daria certo... Talvez fosse um fiasco, mas era uma tentativa que retirava todos aqueles deficientes visuais da escuridão das sombras. A música era um novo conforto, o apalpar das teclas do piano, ou das cordas do violino um novo estímulo de vida. O cheiro do verniz e da madeira envelhecida fazia o resto do trabalho.
A banda tocava silenciosamente em suas mentes convexas e em extrema harmonia ditava a grande sinfonia de Frederic Chopin. Concerto para piano n.º 1 em mi menor, Eram as comemorações da apresentação oficial de 1830 quando Chopin dedicava seus últimos acordes à despedida à Polônia. Era um concerto de desprendimento, triste em seu começo, triste em seu fim. Havia algo de emotivo na escolha daquela música, algo que não encaixava na orquestra.
Silenciosamente o tenor arquitetava um vozeirão sem igual, mas na hora de declamar sua voz falhou e tudo que pode fazer foi tossir. Os violinos censuraram o atrapalhado cantor, mas isso não impediu que a soprano tomasse seu lugar, e com um estampido agudo de cortar os tímpanos, ela ensaiou uma das cantigas mais doces que já tinham saído de suas cordas vocais, não era Chopin que cantava, era outra coisa igualmente bela:
"Na doce vida que gela
O coração de menina
Nada mais singela
Do que ser querida
Na doce canção
Que é brincar de ser
Sensação
Toca suave o coração"
Os violinos acompanharam discretamente o cântico singelo, o piano se ausentou dessa vez, dando espaço às flautas e ao clarinete. Os tenores regojizavam-se com aquela fuga de sinfonia.
"Nunca se esqueça, minha querida
Que para amar não basta olhar seus olhos
Mas lhe fazer sentir querida
Nessa suave canção"
O fagote brincava de trompete e num ramalhete de notas o violoncelo sincero roubou a cena com um acorde de tamanha consolação:
"Nunca me diga
Que para amar não precisa coração
Pois na falta de uma boa fadiga
Tudo que me resta é o suave refrão
Nunca me diga
Que não me ama
Por não sentir meu olhar
Nunca chore se se apaixonar"
Sorriu-se então uma das sopranos, de formas delgadas e suave veneno na doçura de seus lábios. Lascivos olhos cores de cristal sem o cristalino longevido tomaram parte da triste canção.
"Não é porque não tenho olhos
Que não sinto medo de chorar
Cada dia quando paro para te beijar"
Vividos sonetos de cantos apaixonados, tercetos de passo ligeiro a batucar. O grito de uma soprano foi feito para amar. Então naquela franca demonstração de sentimentos, o sueto dos cânticos sinceros se silenciou ao som dos bravos violinos invocando o triste piano esquecido. Quem ama sabe que o amor não precisa ver, mas quem canta chora porque não quer crer que a canção é monopólio do coração.
Não poderiam ler as partituras senão em braille e isso dificultava o trabalho da orquestra pois tudo que valia era a memorização. O maestro mexia a paleta para uma orquestra que trabalhava às cegas. Os poucos que conseguiam enxergar ditavam o tom para seus vizinhos que memorizaram os acordes a semana inteira.
Ninguém sabia se a apresentação daria certo... Talvez fosse um fiasco, mas era uma tentativa que retirava todos aqueles deficientes visuais da escuridão das sombras. A música era um novo conforto, o apalpar das teclas do piano, ou das cordas do violino um novo estímulo de vida. O cheiro do verniz e da madeira envelhecida fazia o resto do trabalho.
A banda tocava silenciosamente em suas mentes convexas e em extrema harmonia ditava a grande sinfonia de Frederic Chopin. Concerto para piano n.º 1 em mi menor, Eram as comemorações da apresentação oficial de 1830 quando Chopin dedicava seus últimos acordes à despedida à Polônia. Era um concerto de desprendimento, triste em seu começo, triste em seu fim. Havia algo de emotivo na escolha daquela música, algo que não encaixava na orquestra.
Silenciosamente o tenor arquitetava um vozeirão sem igual, mas na hora de declamar sua voz falhou e tudo que pode fazer foi tossir. Os violinos censuraram o atrapalhado cantor, mas isso não impediu que a soprano tomasse seu lugar, e com um estampido agudo de cortar os tímpanos, ela ensaiou uma das cantigas mais doces que já tinham saído de suas cordas vocais, não era Chopin que cantava, era outra coisa igualmente bela:
"Na doce vida que gela
O coração de menina
Nada mais singela
Do que ser querida
Na doce canção
Que é brincar de ser
Sensação
Toca suave o coração"
Os violinos acompanharam discretamente o cântico singelo, o piano se ausentou dessa vez, dando espaço às flautas e ao clarinete. Os tenores regojizavam-se com aquela fuga de sinfonia.
"Nunca se esqueça, minha querida
Que para amar não basta olhar seus olhos
Mas lhe fazer sentir querida
Nessa suave canção"
O fagote brincava de trompete e num ramalhete de notas o violoncelo sincero roubou a cena com um acorde de tamanha consolação:
"Nunca me diga
Que para amar não precisa coração
Pois na falta de uma boa fadiga
Tudo que me resta é o suave refrão
Nunca me diga
Que não me ama
Por não sentir meu olhar
Nunca chore se se apaixonar"
Sorriu-se então uma das sopranos, de formas delgadas e suave veneno na doçura de seus lábios. Lascivos olhos cores de cristal sem o cristalino longevido tomaram parte da triste canção.
"Não é porque não tenho olhos
Que não sinto medo de chorar
Cada dia quando paro para te beijar"
Vividos sonetos de cantos apaixonados, tercetos de passo ligeiro a batucar. O grito de uma soprano foi feito para amar. Então naquela franca demonstração de sentimentos, o sueto dos cânticos sinceros se silenciou ao som dos bravos violinos invocando o triste piano esquecido. Quem ama sabe que o amor não precisa ver, mas quem canta chora porque não quer crer que a canção é monopólio do coração.
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