Num país distante, abstraído do esquecimento dos tempos, da ignorância do saber e do racional desenvolvimento que no fundo só mostra a irracionalidade do próprio ser humano, onde o positivismo já foi voz, onde o marxismo se digladiou com as"forças produtivas de um antigo regime feudal com resquícios de mercantilismo e modelo asiático na América Latina", qualquer exasperação mais exaltada é vista como uma mostra de profunda rigidez política.
Nesse país distante, o caudilho compra a comida do povo, silencia os inocentes e sorri para as câmeras como "o benevolente pai dos pobres" com sua barba postiça e o seu vozeirão de relâmpago. Saíra da cinzas do deserto mais profundo para trabalhar na cidade e na cidade ganhou o mundo. Não sabia falar, mas sabia ser ouvido. Criou uma legião de seguidores que passou a aterrorizar os velhos patrões industriais.
No outro polo desse país tinha um professor universitário, um intelectual de classe média que emergiu-se na esquerda para descobrir a razão daquele país ser tão desigual e tão francamente marcado pela fragilidade econômica mesmo possuindo uma grande riqueza natural. Nesses estudos esse intelectual observou que "as forças do grande capital externo entram em acordo com a burguesia nacional que lucra com a dependência do mercado regional em relação ao grande capital internacional".
Esses dois um dia se encontraram e se tornaram grandes amigos. O primeiro era um grande sindicalista, o segundo um intelectual. Quando o primeiro foi preso por ter pisado demais nos calos do governo, o segundo correu pelas ruas da cidade em seu carro oficial com salvo-conduto e salvou o sindicalista de ser preso e torturado. Não sei se havia uma grande amizade, mas ambos se respeitavam de maneira bastante cordial.
Os dois foram às ruas panfletar por maior representatividade em tempos, sob o sol e a chuva, buscando votos um para outro. E posteriormente quando era preciso, o intelectual convidava o sindicalista para dormir em seu apartamento, como mostra de profunda amizade. E assim foi, as esposas de ambos se conheciam e conversavam sobre receitas de bolo e sobre as operações de seus respectivos maridos.
Um dia os dois tomaram rumos diferentes, o intelectual largou o marxismo, o sindicalista sequer sabia soletrar "luta de classes" direito; De uma hora para o outra os dois se viram em campos opostos, de amigos passaram a ser inimigos mortais, um não podia ver a cara do outro sem se xingarem, o ódio cresceu entre ambos em nome da Política; As eleições chegavam e o baixinho nervoso gritava e esperneava contra o intelectual um tanto sorridente e leviano. A antiga parceria acabou sem fogueira, bilhete ou violão.
Opostos entre si os dois envelheceram e os seus sonhos e projetos envelheceram junto consigo, o mundo já era outro bem diferente, mas o intelectual sempre será odiado por ter tomado medidas amargas para salvar a economia fraca de um país sem perspectiva e o segundo sempre será amado porque em tempos de bonança jogou todo o dinheiro nas ruas com medidas assistenciais, não se preocupando com o que poderia vir no futuro. Nenhum dos dois era mais honrado que o outro na realidade, ambos tinham projetos diferentes, o intelectual e o sindicalista. O intelectual sempre atento com as demandas do exterior, sempre preocupado em como pagar a conta de gás e da luz, enquanto o sindicalista estava mais preocupado em ver como as coisas funcionam, em gastar o que tinha e não tinha para elevar o padrão de vida da população. O primeiro finalizou com a inflação, o segundo trouxe-a de volta. O primeiro sempre foi mais amargo, o segundo sempre mais sorridente.
Opostos entre si, não percebiam que faziam parte da mesma moeda. O intelectual e o sindicalista, no fim das contas eram eles que conduziam uma legião de seguidores e um cenário de expectativas diferentes cada um de si. E pensar que os dois eram amigos, nesse país distante, até os amigos se enganam. Nesse mesmo país, um amigo traiu o outro para declarar a República e se tornar presidente. Como é perigoso não ter amigos nesse país!
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