Eu confesso que estou jogando
a minha vida fora
E Você está jogando junto
Eu confesso que preciso disso
Nesse momento estranho
Não se esqueça o quanto é bom sonhar
Eu tenho medo de que me esqueça
De por essas palavras no papel
Toda a vida depende desse momento
Deixe-me tocar o ataúde
Deixe-me sonhar sonhos em vão.
Em seus olhos leio coisas estranhas
Mas a noite não me escuta
Agora estou no escuro
E sou a luz no fim do túnel
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
A Utopia e a realidade
O burocrata nasceu da ótica de um estamento social bastante limitado mas ainda hipertrófico na figura da formação de um estado-nação. Ao contrário do intelectual, o burocrata não é treinado especificamente para pensar e sim para agir numa forma interna de maneira empírica dentro das regras pré-estabelecidas.
Os intelectuais são relutantes em definir que seu raciocínio parte de uma ótica primariamente limitada da atmosfera dos "scholars"e o âmbito universitário e se projetam como líderes políticos, compartilhando teorias que levaram à vanguarda revolucionária na sociedade. Esse papel do intelectual ativista surgiu na formulação de uma nova sociedade de culto ao raciocínio na Revolução Francesa, quando os intelectuais liberais passaram a agir de maneira direta nas lideranças revolucionárias.
Tanto o burocrata quanto o intelectual, são pessoas nascidas em âmbitos sociais diferentes. Embora tenham emanado numa lógica preexistente muito clara: Sacramentalizar a educação oficial no âmbito de formação de funcionários do próprio Estado.
A burocracia nasceu de uma noção idealista de gerir o Estado, o Leviatã, a partir de uma ótica corporativa, de que todos as repartições, escritórios, deveriam agir de forma bastante afinada como orgãos do sistema digestório ou circulatório e quando um processo não funcionaria direito, era porque o corpo não funcionaria direito. A medicina em muito condicionou à formação de um Estado segregado a funções bem definidas.
Enquanto a burocracia prima pela ortodoxia das regras organizadas, o intelectual é naturalmente extravagante e excêntrico, prima normalmente para ideias originais e muitas vezes seu idealismo filosófico é repleto de um completo jogo de interesses; muitos dos que dizem intelectuais na verdade são meros oportunistas demagógicos. (vide Sartre e Arthusser)
Não faltam também oportunistas na esfera do Estado, na verdade sobram, sobretudo com relação ao seio burocrata de maneira que o papel delicado de manutenção dos serviços à população através do Estado é prejudicado pelo pedantismo inconsequente e bem como pela inércia das repartições. Assim burocracia foi associada automaticamente aos nossos novos tempos com o vocábulo atraso, embora tenha nascido originalmente com a ideia de dar ordem ao sistema difuso e confuso de uma ótica corporativa.
Em 1905, o revolucionário russo Vladimir Ulianov escrevia: "a opinião antiquada de que a intelligentsia seria... capaz de permanecer fora das classes" tinha que ser desconsiderada. De modo que o papel da intelligentsia era de se mostrar como um estamento ilustrado a conduzir o proletariado ainda inculto para as esferas da Revolução. O aspecto leninista de interpretação do fenômeno intelligentsia-proletariado esconde dentro de si um aspecto platônico de uma ilustração pelo conhecimento levaria a uma libertação dos "ignorantes", o Mito da Caverna de Platão.
E para acrescentar, o leninismo é também bastante carregado da óptica salvacionista de uma luta bastante aguerrida, que levará a um estágio de sangria e sofrimento, levará à pura redenção de uma sociedade sem classes. É claro que foi na Revolução Russa que vemos o intelectual como um revolucionário, que pega em armas e luta por suas próprias ideias. Esse fenômeno se mantém na Guerra Civil Espanhola e só morre no final da Segunda Guerra (alguns diriam que perdura nas ditaduras latino-americanas).
É a primeira parte da integração entre o intelectual e as massas. Essa sua crescente fixação pelo povo não é compartilhada pela burocracia. O burocrata tem ligeiro nojo e aversão pelo que vem a ser popular, obviamente por ter emanado numa lógica mercadológica de ascensão pelo conhecimento e concursos. Um burocrata é um concurseiro do passado, de modo que ele ainda tem fé no sistema de seleção e na ideologia do Estado. Assim, ele é um defensor aguerrido de valores pequeno-burgueses ou de sua classe média.
Na questão do manuseio da realidade, o burocrata para evitar uma formulação de princípios teóricos e partir a partir da experiência pessoal do seu serviço não trabalha com, casos gerais, para ele só existem casos específicos. Para o intelectual, o que mais há são generalidades, e as especificidades são explicáveis a partir de um contexto pré-estabelecido.
Esse empirismo que perdura sobre minha análise é tornado acabo pelo modo como a burocracia como mantenedora do culto à tradições e da ordem pre-existente consegue deformar-se rapidamente no formalismo rígido dos mandarins, se dissociando completamente da realidade.
O intelectual também consegue desaparecer facilmente da realidade, isso é bem nítido quando no meio de suas associações teóricas, ele comete o erro crasso de desistir de viver na realidade, e mais cria incertezas absurdas do ponto de vista prático (vide pós-modernismo).
É evidente que essa dicotomia entre o intelectual e o burocrático perdura por anos a fio, não só depois de um século inteiro de acadêmicos e funcionários públicos coexistindo, mas pelo contrário, a eminente fusão de ambos os aspectos gera a aberração que é o "medalhão" machadiano. O homem poderoso que se finge de inteligente e intelectualizado, mas no fim é um péssimo burocrata e um péssimo intelectual.
A dialética entre o utópico e a realidade nos leva a crer que os burocratas são dignos de desconfiança, de pilhéria e de absurdos, enquanto os intelectuais de respeito e de profunda consideração por estarem presos à atmosfera das bibliotecas e dos cafés, de lerem coisas que são inacessíveis a alguns. Mas a utopia estabelece um padrão ético que a despeito de se proclamar elevado e desvencilhado do que vem a ser a estupidez de um estado mal-organizado, ela em si é um tanto mal elaborada pois não foi construída estritamente na realidade amostral, mas apenas em teorias gerais sobre o homem.
O realismo burocrático é estupidamente imbecil e estupidamente real. De tal modo que nem o intelectual nem o burocrata se contrapõe e ainda assim não se completam, pois são filhos bastardos de uma só esfera, a esfera do Estado. E para construção de uma moralidade existente no Estado deve-se lembrar das sábias palavras de Edward Carr, filósofo e historiador britânico: "A moralidade só pode ser relativa e não universal". A realidade é também relativa e a dicotomia entre utopia e realidade só constrói uma expectativa do futuro, de burocratas eficientes e intelectuais cada vez mais realistas e práticos.
terça-feira, 9 de setembro de 2014
O vento da matemática
Por
quase um ano Gregório Furtado abandonava
giz e o apagador, o capote de ilustrado e caminhava na cidade combalida
de mentes e raciocínio. Como um emérita transmoderno, não andava de túnica ou
cabelo longo. Pelo contrário, andava de jaqueta preta e cabeça raspada; Poderia
ser confundido com um motoqueiro ou algo parecido;
Mas ele era mais perigoso do que isso, ele era um
professor de matemática; E tão cartesiano de ideias, andava sempre com um
esquadro nas mãos e uma calculadora em outra. Figurinha carimbada na escola,
ele parecia um fantasma cujas projeções projetavam-se sobre a sombra tênue dos
alunos. Esforço seja dito, diferencial ou mesmo trigonometria assombravam todas
as noites dos jovens imberbes cujas barbas vazias os assemelhavam a crianças
com medo do bicho-papão ou chupa-cabra.
Revolucionário como as parábolas e o cálculo
newtoniano, raramente saia de casa a não ser para se apaixonar novamente pelos
números e pelo cálculo diferencial.
Solitário, brincava de calcular os riscos no chão e escrever números
imaginários em sua cabeça; Multiplicava as árvores pelos pássaros e dividia
tudo pela forma convencida dos arcos de concreto armado da selva de pedra;
Um dia foi denunciado como subversivo por brincar de
estar brincando de ser economista, fazer projeções de especulação na porta de
um banco. Catalítico dizia: “Nenhum banco é realmente bom para todos! Sempre
haverá um número faltando nos dividendos.”
Isso era no meio do fogo de palha das Jornadas de
Julho. Qualquer frase mais ou menos
revolucionária poderia ser encarada como uma afronta para o governo; A guarda
pretoriana dos números primos vestia realmente capacetes draconianos e armados
com cassetetes de matrizes batiam nos defensores einstenianos que questionavam a
teoria newtoniana do Estado. A gravidade levaria tudo abaixo, menos a Babilônia
que tinha jardins suspensos.
Foi preso no meio daquela confusão de números primos
misturados com raízes negativas. O número pi zumbia em seus ouvidos depois da
saraivada pesada de um cassetete em seus ouvidos. E tudo que fez foi sorrir e
recitar a formula de Bashkara.
No meio do interrogatório. Sob golpes violentos do
guarda, na luz fraca sobre o rosto e o sangue gotejando da boca, ele recitava:
“X igual menos b, mais
ou menos raiz de b ao quadrado menos 4 multiplicado por a e c, dividido pelo dobro de a”
O guarda nem o delegado
entenderam, e numa torrente de palavras ilógicas, e portanto não cartesianas, o
golpearam com toda a incongruência matemática que é dizer que dois mais dois é
igual a cinco.
Gregório Furtado era
homem casado, pai e um ser matemático. Professor e cartesiano por convicção,
beijou o cálculo quando criança e se apaixonou pelo modo como os números
seduziam no gráfico.
Foi solto oito dias
depois, ou será o cubo de dois dias inteiros? A juíza da vara judicial mandou
uma ordem direta, de que não mais ministrasse a matemática. Os números eram
subversivos e às vezes criminosos.
Indiciado por
associação criminosa, ele rastejava pela cidade procurando encontrar o número
em cada palavra das pessoas, versos, ou mesmo fonemas vocálicos. E descobriu
que a geometria da vida era uma coisa tão amorfa que não correspondia ao prisma
equilatéro com o qual sonhara toda a vida.
Gregório Furtado era
casado, pai de uma menina de sete anos. Foi torturado e não pode mais fazer
ativismo em classe. Dar aulas também é ser servo da religião dos números, o
positivismo engendrado. Beijou o céu e a lua, pensou ser Pitágoras.
E no fim enlouqueceu de
vez, apenas os bons colegas diziam. “O que se fez foi acabar com a reputação de
uma pessoa que só podia pensar em se apaixonar pelos números. O homem
matemático”.
“Eu sou Pitagoras eu
sei, desenho o triângulo retângulo como você me vê, meu olho é um prisma por
onde olho mundo passar a ser uma ótica do sombrio destino que é o número
irracional”. Dizia.
Deprimido, sem
capacidade de dar afeição aos números como antes fazia, se apaixonou pela
língua portuguesa e hoje vende livros de cordel nas paradas de ônibus por aí a
fora. “Meu mundo acordou, Não misturo as coisas . Esqueça que um dia fui mestre
da ciência e se apaixone pela minha matemática das letras”, disse no ônibus.
Taxado de louco, foi
deixado na parada. Com um semblante sorridente olhava todos com um olhar
profundo que adentrava a alma, de modo que todos os passageiros viam em seu
rosto um choque de realidade.
Desconfortáveis deixaram levar seus rostos lívidos com o passo do compasso e por
fim Gregório Furtado contou as gotas de chuva que caíram sobre o céu.
“Minha tábula de
diferencial” E beijou o vazio no meio do nada.
A chuva caía do céu e
trovoadas corriam pelo céu no solo da capital... E o filho da ciência foi corrigido pelo braço coercitivo da matemática radical.
sábado, 6 de setembro de 2014
Bечера Песня
Um verão de madrugada
Olhei para o jardim das cerejeiras,
Vi uma coruja seca
E as uvas cresciam no vinhedo.
Eu coro e começo a empalidecer,
De repente, queria dizer:
"Vamos cantar.
Ou só nos conhecer hoje! "
O bordado verde no chão, a folha esculpida,
Aqui nos separamos de perto com você.
A macieira verde encaracolada com a noite
Esculpia formas sinuosas na paisagem
Quando sai de casa.
Estava esperando por você
Na floresta densa de sonhos
Mas no caminho a floresta desapareceu.
E encontrei a rua quebrada da cidade
O telefone tocou
E muitas vezes pensei na noite.
Até que percebi
que estava sonhando acordado
Olhei para o jardim das cerejeiras,
Vi uma coruja seca
E as uvas cresciam no vinhedo.
Eu coro e começo a empalidecer,
De repente, queria dizer:
"Vamos cantar.
Ou só nos conhecer hoje! "
O bordado verde no chão, a folha esculpida,
Aqui nos separamos de perto com você.
A macieira verde encaracolada com a noite
Esculpia formas sinuosas na paisagem
Quando sai de casa.
Estava esperando por você
Na floresta densa de sonhos
Mas no caminho a floresta desapareceu.
E encontrei a rua quebrada da cidade
O telefone tocou
E muitas vezes pensei na noite.
Até que percebi
que estava sonhando acordado
Песня
Não ouço no jardim nem mesmo as folhas
Caírem das árvores secas
Tudo aqui é parado até de manhã.
Se você soubesse como é querida para mim
Nas noites frias de inverno
O rio está em movimento e parado,
O lua prateada ilumina o jardim
A canção pode ser ouvida silenciosamente
Nessas noites calmas de inverno.
Onde você está, querida, que me olha de soslaio?
Sua cabeça está inclinada?
É difícil de expressar e falar
Tudo o que está no meu coração.
E é mais perceptível falar nada...
Então, por favor, seja gentil,
Não esqueça que daquele verão
Nesse inverno gelado!
Caírem das árvores secas
Tudo aqui é parado até de manhã.
Se você soubesse como é querida para mim
Nas noites frias de inverno
O rio está em movimento e parado,
O lua prateada ilumina o jardim
A canção pode ser ouvida silenciosamente
Nessas noites calmas de inverno.
Onde você está, querida, que me olha de soslaio?
Sua cabeça está inclinada?
É difícil de expressar e falar
Tudo o que está no meu coração.
E é mais perceptível falar nada...
Então, por favor, seja gentil,
Não esqueça que daquele verão
Nesse inverno gelado!
domingo, 31 de agosto de 2014
O triste fim da tênue esperança
É um mito pensar que à sombra da morte de Eduardo Campos nosso sistema político será renovado, Eduardo era uma esperança de um futuro melhor que morreu naquele infeliz acidente aéreo. A despeito do que tentou se associar a escândalos de caixa 2, não acredito realmente que Campos fosse dessa esquife, e sim alguns de seus apoiadores e também apoiadores de Marina Silva.
No Brasil carece a política índole e aparentemente Campos traria uma nova refrigeração de ideias no cenário nacional, e o PSB estava na vanguarda do pensamento progressista brasileiro, sobretudo com relação à esquerda, por estar mais inclinado ao aspecto ideológico do socialismo europeu gramsciniano. Campos tinha antigas ligações com o lula-petismo, mas isso se encerrou quando ele começou a aspirar voos mais largos.
A proposta econômica de Campos não está clara para muitos, mas resultava na mudança da política econômica atual de incentivos à setores definidos e passar a um arrocho ministerial, uma terapia para uma economia em estagnação (estamos agora em estagnação técnica). Redução de gastos, redução de taxas, e uma maior abertura da economia brasileira ao exterior sem retirar os avanços sociais do governo Lula. Campos fugiria do pensamento cepalino de Guido Mantega e o Brasil poderia retomar o seu crescimento. Por isso ele era o candidato mais adequado.
Ele era jovem e tinha iniciativa.
Mas o maior engodo da campanha de Eduardo foi a aliança com Marina Silva; Inicialmente parecia ser um trunfo cooptar a ala dissidente do Partido Verde, o Rede, que não conseguiu se inscrever a tempo, mas com o passar do tempo o apoio político que parecia ser vantajoso para o PSB passou a ser um problema. O Rede passou a desejar reformulações do programa eleitoral do PSB e Campos foi um dos militantes do PSB a segurar o que o pessoal da Marina Silva desejava fazer, pois isso iria descaracterizar a proposta partidária do PSB.
No quesito ecológico e sustentabilidade, o primeiro partido a ter essa preocupação não foi o Partido Verde, foi o PSB. Os herdeiros de Miguel Arraes sempre estiveram numa vanguarda política , embora o modelo político brasileiro tenha dado distorções aos quadros partidários do Partido Socialista Brasileiro.
Não que eu acredite que o sistema político seja mudado de cabo a rabo nesse caso, mas é notável o medo existente de que Marina Silva esvazie o progressismo do PSB, com suas posturas bastante conservadoras com relação aos direitos dos homossexuais em por exemplo estabelecerem matrimônio (Campos era católico fervoroso, mas o seu catolicismo era desvencilhado de suas ações políticas. E no Brasil todo político é cristão em tese, até o mais ateu dos políticos como Getúlio Vargas, era cristão de soturna).
E engraçado que Marina é a primeira a romper o círculo católico na presidência (FHC era agnóstico ao que tudo indica, mas todo mundo fingia que ele fosse católico). Ela se for eleita vai ser a primeira presidente (e não presidenta, porque a gramática é sempre mais relevante do que atos diretos da Presidência para mudar a filologia das palavras) evangélica, e isso mostra o ciclo de expansão protestantismo americano no maior recanto católico do Mundo.
Pra mim é claro que a proposta de Campos está sendo levada a outras matizes quando Marina Silva veio conversar com os usineiros de cana-de-açucar essa semana. A proposta dela de aparecer no evento foi de conseguir apoio político de um grupo que foi massacrado pelas escolhas erradas de um governo que negligenciou a indústria do etanol ao retirar toda a competitividade do mercado do álcool, não dar incentivos e ajuda na estiagem no Oeste Paulista e dar incentivos a reduzir o preço da gasolina por conta da política que não estava errada de combate a inflação. Só que o preço artificial da gasolina onerou demais a Petrobrás e defasou a indústria do etanol.
A ideia de Marina Silva foi de conseguir apoio do agronegócio "sustentável" que nós sabemos não é tão sustentável assim. Isso mostra o programa bipolar da sustentabilidade ambiental da Rede, pois desenvolvimento sustentável até hoje se pautou por uma proposta econômica de economizar recursos naturais e ter maiores lucros com isso. É uma proposta de cabo a rabo capitalista. E no mais, movimenta um mercado milionário de "produtos verdes" e OnGs que incrivelmente explora o ativismo político dos verdadeiros militantes verdes do mundo. É um aproveitamento do pensamento ecologista para ganhar grandes fortunas;
O maior perigo é que a Marina Silva com as contradições nos discursos faça um governo que esqueça que temos ao mesmo tempo crescer e manter as conquistas sociais existentes, e mais do que isso, ainda tem que desinchar o Leviatã tupininquim.
Marina Silva resulta de um vazio ideológico muito claro, ela não tem ideias muito enraizadas de como desenvolver o Brasil e de como resolver o dilema econômico atual, ao contrário de Eduardo Campos que além de ser um economista, tinha apoiadores de primeira linha, e se traduziu como um bom gestor no Ministério da Ciência e Tecnologia. E para piorar, as ligações que Marina Silva mantém com grandes empresários de Sampa-Rio, de uma elite financeira e cosmética torna um tanto duvidosas as reais intenções do que será feito. A classe trabalhadora será negligenciada nessas reformas?
Marina Silva nasceu do povo, veio do Acre, estado longínquo e sem nenhuma projeção política no cenário nacional. Houveram apenas dois fatos de grande expressão em sua história: O conflito com a Bolívia , que resultou num fiasco do Exército Brasileiro que nem conseguiu chegar às veredas da Amazônia para resolver os conflitos entre seringueiros e soldados bolivianos, e o Itamaraty só pôde resolver com Rio Branco a questão mediante o pagamento de 22 milhões de libras que não chegou a ser nem um bom negócio frente à compra do Alasca. E a luta de Chico Mendes, que um dia desses foi classificado como "elitista", mas era um homem simples que defendia bem os direitos dos seringueiros.
Marina Silva se esqueceu que ela nasceu na sombra de Chico Mendes nas questões ambientais e de demarcação de terras, e a política no Ministério do Meio Ambiente. Os avanços na área ambiental no primeiro governo Lula foram pífios. E sua saída na época do Mensalão por "discordâncias ideológicas" levou à sua mudança pro Partido Verde do Gabeira (que hoje é um partido de expressão infelizmente secundária, mas que tinha muita possibilidade de expansão na época).
O que há de semelhante em Collor e Marina? Nada, a mídia está errada em compará-la ao experimento errado de eleger um aventureiro. Collor era filho de Lindolfo Collor, um homem de temperamento bastante enérgico que trabalhou com Getúlio Vargas e ficou eternizado por ter sacado uma pistola contra um colega de Senado e matado um outro companheiro de tribuna (e não ter sido julgado).
Collor nasceu de uma elite política de Sampa-Rio que acabou emigrando para o longíquo estado do Alagoas, mas que passava boas temporadas em Brasília. Foi eleito por ser carismático, simpático e ter um toque de novo ao falar ser contra "os marajás" e os privilégios dos ricos. Mas ele próprio era um marajá de Rolex e cabelo carregado de Gel, terno Armani, numa época em que a pobreza era latente devido à hiperinflação. Seus planos econômicos foram desastrosos e sua corrupção foi revelado pelo próprio irmão (e volta e meia a ex-mulher conta umas baixarias da vida conjugal com Collor).
Marina Silva é diferente, ela não é da elite, ela veio do cinturão de pobreza de Rio Branco. Até a mocidade ela mal sabia escrever e com muito custo conseguiu ter uma graduação em História, militou junto ao grupo de José Genoíno (hoje preso) e fez parte do Partido dos Trabalhadores. Ela não é carismática, não tem uma simpatia natural, e sua oratória é algo que é astronomicamente difícil, mas ela cativou o coração dos mais pobres e de alguns intelectuais por ser de origem humilde (tal como Lula). Na verdade, Marina Silva e Lula têm trajetórias semelhantes, embora o Lula cative milhões só dizendo um "companheiros e companheiras".
Marina Silva ganhará essas eleições provavelmente mas questiono a capacidade com que isso vai se dar, as opções eleitorais ficaram horríveis com a morte de Campos. E incrivelmente o último discurso eleitoral do Aêcio Neves (embora eu não seja tucano) me deixou balançado, ele falou com uma estranha sinceridade, de que ele não odiava a Marina, mas não sabia se ela faria um bom governo mesmo bem intencionada. Eu também duvido se ele teria essa capacidade, pois nenhum dos três candidatos tem.
E nem falo da Dilma porque sabemos que o modelo que ela construiu nesses quatro anos desestabilizou boa parte das medidas econômicas que vinham sendo construídas há um bom tempo; Pobre do Brasil se algum dos três for eleito.
A política atual acabou sua conexão com o plano da realidade, ela não representa mais o cidadão comum brasileiro, e pior não representa e faz com que o brasileiro tenha ódio da política. A democracia brasileira caminha para um período de completas contradições e para um florescimento de uma oligarquia decidida de forma eleitoral (sem contar o fator partidário, que é uma coisa ridícula em qualquer sentido estrito do termo). A fé na democracia se esvai, e cada vez é mais convincentes as alegações dos partidos da esquerda radical (PCB, PSTU e em menor grau PSOL, que como sabemos, tem muito trotskista no meio) de que o sistema eleitoral está falido.
A fé deles na Revolução passa a ser plausível, mas eles se esquecem que o povo brasileiro é conservador e bastante temeroso com revoluções, a despeito da atual violência institucionalizada de cima a baixo todos os dias. Dos problemas diários com relação ao transporte, de um trabalhador demorar de duas a três horas todos os dias para ir trabalhar, gastar sua energia em jornadas desgastantes, ver seu salário corroído pela inflação e não ter acesso a serviços públicos de qualidade. Nenhum desses governantes hipócritas se dedicou a ter a displicência em realmente ouvir a voz das ruas de quem marchou nas Jornadas de Julho, e as propostas são puramente vazias.
Pelo contrário, criminalizaram o protesto. O ato cívico mais importante de uma democracia e instituíram um Marco Regulatório da Internet para controlar o acesso de pessoas dissidentes que se manifestam pela internet. Estamos caindo num período bem negro da ordem democrática justamente por uma inércia de anos do engajamento político da nossa cidadania, e vamos pagar bem caro por isso. O mito verde, o mito democrático, o mito de ser brasileiro. Vivemos sobre mitos e mitologias republicanas, e agora? Cegos estamos nós em não "desistir do futuro do Brasil", parafraseando meu finado candidato.
Não votarei na Marina, ela tem tudo para acabar com a memória do Eduardo Campos. Não votarei no Aécio porque ele não tem expressividade nenhuma com o povo, representa uma política já carcomida e tem questões bem graves que não podem ser ditas na internet (Marco Regulatório e mais do que isso, meu desejo de não levar um processo). Não votarei na Dilma porque ela teve a oportunidade de fazer uma gestão boa e falhou redondamente, se traduziu apenas como uma típica burocrata sem qualquer noção ou empatia por um povo que ela passou a governar, pelo contrário, ela serviu mais aos interesses de um pão e circo da Fédération Internacionale de Football Association, do que realmente incluir o pobre dentro do futebol (essa Copa foi da elite, e o povo inteiro pagou por ela um dinheiro que não tinha).
Então quem votar? Pois é não tem ninguém;
domingo, 24 de agosto de 2014
A gérmen do trigo (considerações a partir de uma revolução técnico-científica)
A
construção de uma sociologia política associada à economia só é possível devido
ao fenômeno do século XVIII e todo o período que escorre sobre a tinta da pena
na primeira metade do século XIX.
A
tentativa de construir uma sociedade nova a partir de padrões técnico-científicos
apresenta uma virada quando o método científico a partir de desdobramentos do
empirismo inglês torna a observação da natureza objeto claro da análise humana.
A sociedade europeia olha com estranhamento para um mundo em
evidente transformação, seja as mudanças dos hábitos de corte, seja mas linhas
de circulação de riquezas ou mesmo os velhos dogmas teológicos/ científicos. A
filosofia se desvencilha da religião com a interpretação de Spinoza, embora o
racionalismo cartesiano tenha inicialmente tido maior impacto ao levar o homem
a cogitar que sua humanidade só pode existir em sua racionalidade e senso
crítico.
O esfacelamento do cógnito religioso do homem científico é
relacionado ao sintagma da destruição das
guerras religiosas que abateram o Sacro Império Romano nas lutas da
Guerra dos Trinta Anos. E nesse
paradigma a filosofia política de uma arte diplomática se formula a partir das elucubrações
de um príncipe maquiavélico (no sentido positivo do termo) que conduziram
esquemas arrojados de lidar com a política sem muitos escrúpulos e honra,
principalmente na arte da teoria política.
As teorias são a grande arma contra o tempo passado, a teoria
newtoniana, os estudos de Nikolas Copernicus e Johannes Kepler sobre as órbitas
elípticas dos planetas levaram ao questionamento se a natureza não poderia ser
estudada como fenômeno de criação divina. Como contemplação da obra celestial e
por fim, o estudo do próprio Deus. “Conhece-te a si mesmo”, diria um filósofo
barbudo do século XIX chamado Friedrich Nietzsche.
O questionamento da forma como enxergamos o mundo levou ao
desenvolvimento de estudos a partir de cadáveres e animais para observar o
funcionamento dos órgãos e assim observar a “máquina mais perfeita da criação
divina”, o Homem. E em sentido estreitos, os estudos de medicina quebraram
tabus paradigmáticos de uma sociedade baseada numa moral cristã. A
cientificização da alquimia levou a uma quebra der supertições e levou ao
nascimento da Química tão importante nos dias atuais; A criação divina
tornou-se cada vez mais racional;
A criação de mecanismos e aparelhos de medição tornaram o estudo da
realidade da realidade concreta da natureza possível, conduzindo que a ideia de
perfeição não estava na Humanidade, mas sim no estudo da natureza. A Ciência.
Deus veio da máquina; “Deus ex machina”.
Não a toa que a religião e a teologia deixaram de ser o foco dessa
sociedade em tentar alcançar Deus a partir dos seus estudos da filosofia da
natureza em contraponto à filosofia religiosa; A física correspondia maiores
chances de compreender o sentido do
funcionamento do Universo e de Deus, do que a própria filosofia como vinha
sendo feita antes. Tanto que física quântica é o máximo que a humanidade
conseguiu chegar no campo da filosofia.
A ciência nasceu da fé cristã, mas terminou na fé da matemática. O
questionamento cartesiano e de Spinoza levou ao florescimento de uma sociedade
técnico-científica. A medicina e a física romperam com o aspecto diletante dos
cursos universitários e o conhecimento passou a ser imediatamente para uso
prático. O racionalismo de Descartes resultou na revolução com que a sociedade
europeia ao criar a Lógica racional e cientifica
A organização de uma metodologia e mais do que isso, uma lei geral
e segura como a Lei da Gravidade conduziu numa fé geral nas leis gerais dos
estudos acadêmicos. Nisso estão as leis da Química, nas teorias sobre a Arte da
Guerra de Clausewitz, na diplomacia, no Direito, nos estudos sobre a Medicina e
do homem e mais do que isso na Antropologia. As tribos do Pacífico passaram a
ser estudadas de uma forma etnocêntrica e supostamente científica por
professores das mais diferentes universidades europeias
.
As consequências dessa revolução estão na arte da Economia, o
sistema monopolista é primeiramente questionado na Riqueza das Nações, de Adam
Smith, que concluíra que a causa da pobreza das nações europeias é a má gestão
dos seus recursos e na sua capacidade de explorar os recursos de maneira
reduzida, além da intervenção maciça do Estado régio. O nascimento de um
liberalismo inglês ainda pautado pela ideia de uma gestão sem intervenção
direta da monarquia, mas de milhares de “Josés do Egito” levou a um
florescimento do ideário de que o Leviatã é grande demais para saber controlar
o dia-a-dia das atividades cosmopolitas e a ciência complicada da arte do
dinheiro; A lei da oferta e da procura ou a mão divina conduziriam a autorregulação
do mercado em prol do bem comum, e mais do que isso para o bem individual.
A livre iniciativa dos mercadores levou a um completo paradigma
para alterações chave doo sistema financeiro, com a tabelação de regras fiscais
e o fim da intervenção régia em determinadas atividades econômicas. Quando o
governo não se apercebe dessas mudanças, há revoluções. Tanto na América quanto
na França.
A Revolução Francesa é talvez marcante, tanto quanto a Americana,
por quebrar a velha ordem. A segunda quebrou com o Pacto Colonial enquanto a
primeira quebrou a aliança dos Três Estados numa sociedade estamental que se
viu questionada pela sua incapacidade em suprir o rombo das contas públicas e a
carestia que se abatia sobre o trigo francês; É o início da submissão da
política à economia e não o contrário, a política nunca mais terá forças para
controlar a economia de maneira convincente (tirando nos regimes de economia
planificada).
O nascimento da representatividade do Terceiro Estado surgiu com os
ingleses da América, mas se tornou marcado pelo modelo representativo francês,
e nos dez anos de Revolução Francesa se ensaiou vários modelos representativos, seja a Assembleia Geral,
seja a democracia direta, seja a tirania de um Partido hegemônico. A Revolução
Francesa nasceu a partir do experimentalismo empírico de uma sociedade
científica na tentativa de gerir uma sociedade na melhor forma possível, mas se
deformou pelo descontrole com que os eventos revolucionários acabaram sendo
conduzidos com o passar dos meses.
O controle de uma nova época levou ao nascimento de uma ideologia cientificista
de culto ao Estado como garantidor das liberdades individuais que destruiu a “bagunça
do Antigo Regime”. A Assembleia Nacional impôs novas normatizações e um
conjunto jurídico que se alterava conforme as atividades políticas do período.
A Antropologia do Homem desenvolvida em épocas anteriores
sacramentalizou um evolucionismo histórico que propiciou uma amoralidade do
homem europeu no trato com seus semelhantes, levando à cientificização do
extermínio a possíveis opositores ao Progresso. Seja no fio da guilhotina do
Terror jacobino, seja no neocolonialismo, seja os campos de extermínio
nazistas; O nascimento da banalidade do Mal.
O conservadorismo ressurgiu após a Revolução da França, mas a roda
da História já tinha girado. O nascimento do mundo ideológico está na dialética
entre a querela entre os girondinos e jacobinos. Mas o que observamos é que o
materialismo francês nascido no circulo intelectual de cortes do dito “iluminismo”
levou a um enraizamento do pensamento racional, concreto e científico sobre
todas as atividades humanas existentes de 1789 até agora.
E o materialismo francês não só foi base de desenvolvimento no
pensamento de Karl Marx na sua interpretação filosófica a partir da filosofia
de Hegel, como também fez germinar o desenvolvimento do Positivismo de Auguste
Comte, do liberalismo renovado do século XIX, como a gérmen da tecnocracia
atual de nossos tempos, o mundo é diferente do de 1789 porque os indivíduos (agora
posso usar esse termo) não temem mais a tirania, agora é o medo à liberdade;
Pois nesse mundo, milhares de pessoas não sabem o que querem da vida senão pela
fé irracional de um progresso material desumanizado da filosofia empírico do
estudo do próprio homem.
sábado, 23 de agosto de 2014
E a água?
Como pensariam nossos avós nos anos 70 se soubessem que viria a faltar a água no país com as maiores reservas d'agua no mundo? Eles falariam que só foi uma seca no Nordeste, como sempre teve. Afinal o agreste é quente e isso é normal. Mas qual reação seria a deles ao saber que foi justamente no Planalto Paulista de Borba Gato e Anhanguera?
Ridículo? Ridículo era pensar isso naquela época; Ninguém se importava com ecologia. Se gastava água de maneira irresponsável, porque a água era "ad eternum". Hoje não é. E pior pela primeira vez se pensava em racionar petróleo, até aquele momento todo mundo fazia questão de poluir.
A crise do petróleo tem impacto semelhante ao que a crise da água tem em São Paulo. Ter dinheiro mas não poder consumir, pois é para fins estratégicos. Só que naquele caso faltou petróleo por uma guerra e se podia encher o tanque com outra coisa, agora a água faltou pela seca.
O governo do PSDB não tem culpa por não chover, tem culpa por não pensar na eventualidade de faltar água. E pior esquecer de racionar a água quando era crítica a situação. Isso foi visivelmente olhando para as eleições. Agora não adianta, a água vai faltar mesmo (já tá faltando). E o mais engraçado disso é que era mais fácil de acreditar que faltaria água em Brasília do que em São Paulo. São Paulo chove o ano inteiro.
Mas o tempo criou troças aos desavisados;
E São Paulo aprendeu da maneira mais amarga o que vem a ser uma lição de ecologia. O Tietê poderia ser usado pra beber água se não fosse poluído. Assim como poderia se usar menos água por exemplo para lavar a casa, ou nem se deveria usar piscinas. Lavar a casa com mangueira nem pensar. Coisas simples que hoje são aprendidas a dedos.
Faltar água. Aquecimento Global? O aquecimento não é global, pelo menos acredito nisso. Há regiões no mundo que houve um resfriamento da média de temperatura, outras um aumento, mas é uma consequência de desarranjos climáticos? Com certeza. O mundo mudou sua antiga forma climática e se modificou de tal forma que não é possível mais pensar como antes.
São Paulo falta água. Os gritos do Ipiranga são por lampejos de água. Desafio político, logístico e humano. E agora São Paulo? Nem Manuel da Nobrega e o seu pátio do Colégio passaram por isso, e eles lutaram contra os índios no início. O recreio dos Bandeirantes estará seco ou as aguardente de Anhanguera pegará fogo novamente sem que os nativos tenham água para apagar? Paulicéia de muitas faces, e você Masc? Viverá sem sua garoa fina?
Claro que não. Ano que vem voltará a chover, mas a que preço? E pior, e se faltar água de novo? Todo mundo sabia que podia acontecer, mas ninguém levou a sério. E se levou, achava que era para daqui quarenta anos. O futuro chegou e o país do futuro tem que lidar com ele. Como será viver faltando água? Não sei, mas será uma merda.
Ridículo? Ridículo era pensar isso naquela época; Ninguém se importava com ecologia. Se gastava água de maneira irresponsável, porque a água era "ad eternum". Hoje não é. E pior pela primeira vez se pensava em racionar petróleo, até aquele momento todo mundo fazia questão de poluir.
A crise do petróleo tem impacto semelhante ao que a crise da água tem em São Paulo. Ter dinheiro mas não poder consumir, pois é para fins estratégicos. Só que naquele caso faltou petróleo por uma guerra e se podia encher o tanque com outra coisa, agora a água faltou pela seca.
O governo do PSDB não tem culpa por não chover, tem culpa por não pensar na eventualidade de faltar água. E pior esquecer de racionar a água quando era crítica a situação. Isso foi visivelmente olhando para as eleições. Agora não adianta, a água vai faltar mesmo (já tá faltando). E o mais engraçado disso é que era mais fácil de acreditar que faltaria água em Brasília do que em São Paulo. São Paulo chove o ano inteiro.
Mas o tempo criou troças aos desavisados;
E São Paulo aprendeu da maneira mais amarga o que vem a ser uma lição de ecologia. O Tietê poderia ser usado pra beber água se não fosse poluído. Assim como poderia se usar menos água por exemplo para lavar a casa, ou nem se deveria usar piscinas. Lavar a casa com mangueira nem pensar. Coisas simples que hoje são aprendidas a dedos.
Faltar água. Aquecimento Global? O aquecimento não é global, pelo menos acredito nisso. Há regiões no mundo que houve um resfriamento da média de temperatura, outras um aumento, mas é uma consequência de desarranjos climáticos? Com certeza. O mundo mudou sua antiga forma climática e se modificou de tal forma que não é possível mais pensar como antes.
São Paulo falta água. Os gritos do Ipiranga são por lampejos de água. Desafio político, logístico e humano. E agora São Paulo? Nem Manuel da Nobrega e o seu pátio do Colégio passaram por isso, e eles lutaram contra os índios no início. O recreio dos Bandeirantes estará seco ou as aguardente de Anhanguera pegará fogo novamente sem que os nativos tenham água para apagar? Paulicéia de muitas faces, e você Masc? Viverá sem sua garoa fina?
Claro que não. Ano que vem voltará a chover, mas a que preço? E pior, e se faltar água de novo? Todo mundo sabia que podia acontecer, mas ninguém levou a sério. E se levou, achava que era para daqui quarenta anos. O futuro chegou e o país do futuro tem que lidar com ele. Como será viver faltando água? Não sei, mas será uma merda.
A tragédia da pólis
Sofócles poderia escrever muito bem uma tragédia bastante conturbada de um povo com a sua própria democracia. De como os valores morais se corrompem de maneira tão incestuosa com a corrupção numa relação tão cega quanto o próprio complexo de Jocasta.
Sim, é claro que muito do discurso pode ser levado como complexo de vira-lata. Mas vira-lata somos nós mesmos que não conseguimos sequer sermos matutos para saber o que está em jogo. O que está em jogo é muito mais que mera política, é o nosso próprio futuro.
O Brasil está passando por um período de inflexão de sua ordem político-institucional. E mais do que isso há uma crescente dúvida do eleitor com relação aos partidos políticos. Também, deveras, nós somos a Itália da América em muitas ocasiões no que se trata de política (ou a Itália é o Brasil europeu?)
Nossa política é organizada de forma meramente institucional de fato a partir de acordos generalizados com vários setores da sociedade civil, nisso ficou clara a promulgação da Constituição de 1988. O problema é que a crescente articulação de blocos em torno do apoderamento da máquina estatal para promover uma dominação da sociedade é algo que acompanhou os períodos democráticos brasileiros nesses anos conturbados de República.
Os coroneis estão interessados em se manter coronéis, assim como os tolos estão interessados em serem tolos. O sistema político atual é uma franca caricatura do que deveria ser uma democracia, não só porque há a profunda cara de pau de alguns políticos em se apresentar como salvadores da pátria, mesmo sendo reconhecidamente ineptos ou corruptos, como também a falta de sagacidade de eleitores em avaliar o cenário próximo.
Iremos entrar em estagnação logo, digo logo mesmo, em questão de menos de um ano. A economia vem apresentando ritmo lento já tem dois anos, por opções erradas do governo e apostas equivocadas com relação à segurança e estabilidade de nossa economia. É fato que a inflação somada a estagnação pode levar uma estagflação que é o pior dos mundos. Mas nenhum governo agora vai estar em condições de resolver sem gerar arrocho na população, ninguém admite isso, mas é verdade.
As grandes obras públicas prometidas geraram isso, seja o canal do Panamá que há pelo menos dez anos ninguém fala mais nada, ou a ferrovia Norte-Sul que nunca foi concluída, tampouco os estádios construídos do nada para uma World Cup Fifa Soccer. A economia brasileira assistiu seu melhor momento de expansão de 2002 a 2008, os seis anos de ouro do século XXI, isso qualquer economista tem que reconhecer, foi sapiência econômica do governo na época com movimento positivo do mercado para nós. Mas o declínio não demorou a acontecer a partir que o modelo se mostrou fraco a certas preocupações nacionais e internacionais.
A Bolha estourou nos EUA e levou meia Europa pro chão. O Brasil resistiu por ser um gerador de commodites que não são dispensáveis pela regra da inelasticidade que todos os recém ingressados a economia aprendem. Mas não sustentamos a benguela por tanto tempo, em 2012 a fraqueza se traduziu pela desindustralização do Brasil e por pressões sólidas do lobby industrial de São Paulo por maiores incentivos, seja a manutenção do IPI ou redução dos impostos. A questão que o custo-brasil é algo que se formos ver ao pé da letra é uma balela, as montadoras estão certas em dizer que produzir é caro aqui, mas não quer dizer que não tenham lucros altos. Por que elas têm.
As políticas sociais não são um advento tão recente, elas nasceram no seio do reformismo pesedebista no governo FHC. Sim, no início era algo muito restrito e particular, o que houve foi um alargamento dessas medidas. Não sou favorável a longo prazo ao assistencialismo social existente, mas em curto prazo ele fez injetar a roda econômica que andava frouxa. O problema que dez anos não é curto prazo em termos econômicos e os gastos do governo aumentam a uma proporção geométrica.
O Estado Brasileiro é um alcoólatra dentro de uma destilaria. E não se pode retirar o papel dele de interventor das regras sociais do trabalho, ou mesmo regulamentador das riquezas, mas os gastos excessivos e o mal uso das verbas acabam sendo as maiores causas de nosso momento delicado na Economia.
Deviamos pensar em abrir o mercado, sim, para enfrentar a inflação. Não podemos cair também no mito aristocrático de uma indústria nacional, sim, em parte ela existe, mas não toda ela. E o histórico inflacionário do Brasil nos diz muito: Nós não conseguiremos fugir da inflação se ela perdurar por mais algum tempo. Nossa economia é naturalmente inflacionária;
O que é trágico é que não se percebe o seguinte problema. Nenhum dos partidos políticos que almeja chegar ao poder deseja construir algo novo. Nenhum. A esperança morreu com o Campos. O homem que realmente poderia fazer um país decolar morreu de formas duvidosas no voo de seu avião;
A repetição é notável. Dilma quer manter o legado do PT, mesmo que seja inevitável sua queda de popularidade (afinal a economia anda em lençóis mal-vestidos e ela nunca foi realmente carismática). O PSDB é um bloco carcomido, o Aécio pode querer se parecer um espírito novo, mas todo mundo sabe que não é. E o PSB acabou no discurso vazio de Marina Silva, porque realmente é difícil ter esperanças de mudanças da sua plataforma política de 2010 para cá.
Na verdade, tirando o Aécio, todos os candidatos de 2010 para cá se mantém. Ah, sim, tivemos uma perda grande nesse processo também. Plínio de Arruda Sampaio, que era incisivo em seus comentários carregados de sarcasmo e ironia. Os debates vão ser mais do mesmo.
O Campos será apropriado por alguns, seja pelos pessedebistas, que o chamarão de "amigo" (sendo que ele não era), e os petistas que o usarão como manobra política também. Essa é uma guerra de tronos onde dificilmente terão vencedores imediatos.
Primeira coisa dispare é a construção do imaginário do "time do bem", como se o adversário fosse o "mal a ser vencido". Como se outros projetos não fossem relevantes, principalmente agora. Tá certo, eu não votaria no PSDB, não só pela motivação ideológica, mas porque não há tanta representatividade assim depois de tanto tempo nas cinzas, o PSDB não é uma fênix e tampouco santo-milagreiro.
Mas não podemos esquecer que o "time do bem" não anda tão bem assim. Ele é questionado por seus paradoxos ideológicos (por construir uma ideia de defesa dos pobres, mas auxiliar o acumulo estratosférico das grandes fortunas. Seja os bancos de São Paulo, seja as montadoras, sejam os empreendimentos agroexportadores como a Friboi, ou as grandes empreiteiras como Oderbrecht. Sem falar no fiasco do Eike. Tudo isso com auxílio do BNDES que empresta dinheiro abaixo da inflação com verba do tesouro nacional). O governo trabalhista é acusado de ser corrupto, que se revelou verdade em alguma escala no esquema do mensalão, mas eis que se descobre que não só houve um Mensalão, mas três e todos conjugados entre si.
A tragédia disso tudo é que ninguém está realmente sendo representado de verdade nesse misto de caudilhismo com neopopulismo, esse esquema oligárquico que deforma as bases de uma democracia. O eleitor está preocupado com o imediatismo autoritário dos números, seja os números dos empregos, o valor da inflação, o valor do salário mínimo. O preço da gasolina. O número de bolsas pro Exterior, o número de financiados pelo FIES, PROUNI, e cotas. O número é mais importante que a qualidade do serviço.
O número dos gastos não importa. Uma nota de cem perdida é uma tragédia, cem milhões é estatística (ou melhor, licitação). É como o dinheiro não importasse, mas o pessoal sim. O governo tem que me dar isso e aquilo, não importa o coletivo. E sim, é corrupto, mas se me dá uma bolsa, eu aceito, se dá uma casa, eu voto. Por que reclamar? É errado tirar a lógica disso, é a lógica do particularismo. Eu se passasse fome e não tivesse emprego votaria no cara que me oferecesse isso, por mais que fosse um advogado do Diabo.
O problema que numa escala macro isso se gera um nicho eleitoral. O maior inimigo do nosso sistema democrático é nossa latente desigualdade social. E a desigualdade social é a base de apoio de todos os partidos políticos atuais, pois dela se beneficiam os votos. O clientelismo e a nova política dos governadores leva aos escalões de Brasília procurar apoio nas favelas e nos rincões do Brasil de corruptos, caudilhos, traficantes, milicianos e contrabandistas. Os políticos locais correm pra Brasília solicitando verbas ao governo eleitoral em troca de apoio político, que por sua vez correm desvios de verba para financiar os partidos... e assim cria-se uma roda da fortuna da corrupção.
Caixa-dois é regra nesse jogo de cabeças.
A tragédia da pólis é que o povo não é ouvido, é massacrado. Massacrado pela política irresponsável de políticos que esqueceram que um dia foram gente comum, que andava de ônibus ou cuidava dos filhos. Que eles não eram diferentes de nós, nem nós eramos diferentes deles. E um fosso criou-se nesse caminho.
E o pior que não posso dizer que só eles são corruptos, nós também somos. Ao nos vender por promessas fracassadas , ou por simples questões pessoais; Ao perdoar corruptos pela lenda do "rouba mas faz". Ou mesmo desconhecer a eventualidade com que a política pode moldar nosso dia-a-dia.
Segurança pública, saúde, educação? Isso importa e importa muito, mas não só isso. Importa conhecer os candidatos, escolher ser representado e ter direito de protesto. O que ultimamente vem sendo meio suprimido (na Copa das Confederações isso foi claro). Lei de segurança Nacional, cavalaria metendo o cacete em manifestante, campanha midiática contra black blocks e pseudo-black-blocks. Brasil Grande, maior espetáculo da Terra. Nunca antes na história desse país...
Dá para escrever um caderninho de aforismos que marcaram 2014, e o pior é o vocábulo da desilusão. Porque nem eu, nem você caro eleitor, acreditamos no fundo do coração que apenas essa eleição vá salvar o Brasil. Por quê? Porque o sistema atual está tão deformado que há um fosso entre o cidadão e a política. E esse fosso é difícil de ser rompido. O fosso nasceu do nosso descaso e da profunda falta de respeito com que os políticos encaram seus eleitores.
Dizer que só eles são culpados é fácil, mas o que observo na sociedade coxinha é também uma hipocrisia corrupta. Seja o suborno ao guarda para fugir do bafômetro, seja o uso de vaga de deficiente, a sonegação de impostos, esconder o Ipod da Alfandega. A vexatória tentativa de ganhar dinheiro no troco, ou mesmo furar a fila de banco. Se nós somos corruptos, o que esperaremos dos nossos políticos? Eles são uma reprodução da sociedade brasileira.
Eles criaram um fosso entre eles e nós, porque nós temos um fosso entre nós mesmos. Entre pobres e ricos, brancos e negros. Cristãos e não-cristãos. Nossa sociedade é pautada por rótulos lugares-sociais e elitismo. Não só por parte da sociedade rica, branca, ultramontana do high society, mas também dos movimentos sociais que não fogem de lugares comuns e só enxergam branco e preto quando tudo são tons de cinza.
A maior tragédia da pólis brasileira é que o povo mesmo estando nas causas de sua não-representatividade (por não estar afiliado à política de gabinete) é que ele reproduz suas mazelas sociais, sua segregação e sua corrupção no modo como vota. E as vezes sua fraqueza de condição social é usada como soerguedor de políticos sujos que estraçalham as bases da República.
A tragédia brasileira é sua desigualdade social que deforma sua democracia num sistema oligárquico e mais do que isso isola a sociedade da política. Apenas a construção de um modelo representativo direto e uma construção de sociedade sem classes pode por fim a esses problemas, pena que nem eu esteja preparado para ver isso acontecer, nem meus futuros netos no longínquo ano de 2064.
Não há democracia sem sociedade. Não há democracia sem um pouco de socialismo.
A fumaça de um cachimbo
São várias coisas que mostram cada dia mais o quanto é complicado
ser um escritor. A primeira delas é não ser lembrado, não ter apelo algum pelo público
e sequer ser reconhecido. A maioria dos escritores passa por isso porque a
escrita e a pena são profissões ingratas. Mas talvez pior do que isso sejam
duas coisas, ter um lapso criativo e envelhecer.
Sim, o papel branco que nos martiriza quando tentamos preenchê-los
com ideias que depois de meros minutos de escrita parecem absurdas e meras
bizarrices de um ilusionista fracassado em um circo de segunda linha. Nunca
conseguimos escrever o que realmente pensamos e não conseguimos dormir sabendo
que se escreve até na hora do banho.
Mas a pior parte é envelhecer. Pior que envelhecer é envelhecer e
lembrar do seu próprio passado. Essa é a origem das frustrações de Manoel, uma
pessoa ainda desconhecida de muitos, até mesmo de seus próprios colegas. Autor
de romances tipo B, e incrivelmente cosmopolita tinha a imagem de um semblante
jovem, barbeado e com um temperamento de trinta e cinco anos.
Bem-educado, bem de vida. Ao contrário da maioria, ele vivia bem,
tranquilamente num casarão sozinho, sem nenhuma espécie de companhia ou amigos
que pudessem se destacar no dia a dia. Ele era uma ilha dentro de uma própria
ilha. Ele talvez fosse o mais solitário dos escritores.
Também deveras, sua rotina era bastante rigorosa. Acordava às oito
e meia, tomava um banho quente, se vestia e ia trabalhar na repartição. Após
horas de procrastinação, voltava e quando estava afim, lia um livro diferente a
cada dois ou três dias, jantava fora, bebia sozinho, e voltava para casa. Sua
rotina era enfadonha.
Às vezes caminhava sozinho nos finais de semana, analisando as
pessoas nos parques, shoppings ou mesmo no museu e tentava estudar cada vez
mais seus personagens. Absorvendo-se da “artificialidade do cotidiano”, como
ele gostava de chamar, a felicidade geral com que as pessoas exibiam que não
eram sequer verossímeis a si mesmo;
Ele não se julgava melhor ou pior do que as “caricaturas em forma
de pessoa”, muito pelo contrário, às vezes até se divertia com isso. Mas algo
lhe fazia julgar a si mesmo incapaz de ser como os outros, talvez por ser
apenas um escritor. Ou um fantasma social.
Ele tentava solucionar esses problemas bebendo de forma absurda
goles inteiros de álcool, seja o mais refinado whisky escocês até a mais barata
das cachaças. E não desgrudava de seu cachimbo de madeira. Afinal o cachimbo
tinha sido um presente bastante antigo com que se afeiçoara emocionalmente,
sabia que fumar fazia mal, mas a despeito disso achava-se dono de si.
Sozinho, às vezes pensava que a solidão era sua companheira de
longa data. Mesmo quando andava com vários amigos pelos bares e restaurantes à
fora. Num ímpeto em sua juventude concluiu que eles estavam se perdendo em essência e que ele
também se perdera, e se isolou por um bom tempo. Abandonado, ou pelo menos
pensou que estivesse, passou a ficar cada vez mais solitário e vazio por
dentro.
Sim, ele era inteligente, bastante até, Manoel era um dos homens
mais inteligentes que essa terra criou. Falava oito línguas diferentes,
conseguia discutir filosofia, história e até física dependendo da ocasião. E
além disso era bom conhecedor de vinhos, música e moda. Era um bon-vivant
por excelência. Mas vazio.
O Céu Magenta, seu último
romance encalhado. Não por escolha própria, mas por falta de ideias, que vocês
hão de convir são um passatempo bastante pernicioso para a vida de um escritor.
Enfurnado em seu escritório, olhando para a tela branca do
computador piscar com violência para a sua retina, ele se retirou por um
momento e andou em círculos a matutar. Os quadros na parede era arte
ilustrativa, um neoimpressionismo de autoria do próprio Manoel em um momento de
diletância pura. Os livros o acompanhavam impacientes, assim como o relógio de
pêndulo e a máquina de escrever quebrada. Pensou:
“Diabos, se a máquina tivesse
funcionando eu já teria algo em mente”...
Pensou em desistir da obra no meio
do caminho, mas algo lhe fez desistir. Seja as oitenta páginas escritas, seja a
ideia do romance ainda lhe parecer emocionante. Tentou matutar, até que sua
cabeça doeu, e ligou o rádio para ouvir
algo de novo.
Colocou no empoeirado microsystem um
CD, um jazz de Louis Armstrong para tentar relaxar, não era por exemplo as
suítes noturnas de Shostakovich ou as operetas de Giuzeppe Verdi. Ele tinha um
estilo eclético às vezes, ouvia Carlos Gardel num dia e noutro estava ouvindo
música tradicional irlandesa. Isso quando num deleite de ufanismo, não se
dedicava a bandas militares. Algo lhe dizia que seu sangue tinha algo de
cigano.
Tomou um copo e serviu trago de
whisky 12 anos. Que por sinal avaliou estar forte naquele dia, mas coberto de
sombras, achou conveniente. Ele passou um tempo avaliando a escuridão e o teto,
até que por fim decidiu que tudo aquilo era inútil.
Ficou sozinho em meio aos seus
pensamentos, percebeu que estava se sentido solitário e saiu para a noite
suburbana e bucólica na Capital. A “cosmopolitana cidade de interior” como ele
adorava chamar, ou mesmo o quadradinho do Planalto Central, às vezes lhe era
acolhedor, às vezes era sufocante; Nesse dia era ambos.
Tentou correr atrás de um ônibus tal
como criança correra atrás de borboletas. Mas logo julgou isso inútil, e como
um fantasma, de capa e calça jeans, vagou pelos bairros a procura de algo para
fazer. Era um Hemingway sem fama, ou pior do que isso, um mero Paulo Coelho sem
fé. E profundamente decadente de sentimentos procurou um pouco de descarrego.
Tentou se mesclar nos bares,
restaurantes, mas ele não conseguia ser mais um. Ele só admitia ser o único. E
sempre foi assim.
“Cidade ignóbil”, pensou.
Andou pelas calçadas e com um tom
bastante boêmio pensou:
“E o jovem Souza Campos ainda
cansado de mais um dia de trabalho, com o paletó nos ombros e um paiol apagado
dentre os dentes sorria enquanto acompanhava com os olhos esbulhados o bonde
passar da esquina de Santa Maria. O jovem mulato, que não era bobo nem nada,
sabia que correr não iria adiantar, e exausto de suas forças começou a cantar.
O malandro senta na mesa do café...
Mas ele não era um malandro
qualquer, era um sindicalista que gostava de brincar de sambista de vez em
quando”
Campos? De onde tirara esse nome?
Ah, sim. Daquele seu antigo candidato que morrera num acidente aéreo. Por mais que
os laudos da aeronáutica atestassem, ele ainda acreditava que ao avião tinha
sido sabotado. E por quê? Porque ele não confiava em ninguém, nem na própria
sombra.
Puxou o cachimbo do bolso, mas não
fumou. Ele não tinha mais o hábito de fumar. Não mais. Ele só gostava de morder
o cabo daquele objeto, sentir a madeira desviar-se com o movimento da mandíbula
e se sentir importante. Ele parecia o comissário Maigret, de capa e cachimbo na
boca. Queria ele próprio ser descrito pela narração deliciosa de Simenon na Noite
da Encruzilhada, ou Pietr, o Letão. Quase ninguém sabe o que ele
devia estar pensando, e ele se sentiu confortável com isso.
Sentou-se num bar e bebeu uma
cerveja. Queria ler alguma coisa, seja um caderno econômico para ver os juros
do Banco Central, seja álbum de figurinhas que tencionava completar. Mas nada
disso, só tinha uma televisão velha que estava passando futebol, e pra piorar,
nem era jogo do Corinthians!
Pagou e saiu.
“A lua está bonita hoje. Nunca vi
céu mais belo do que hoje”.
— “E olhou para a lua no céu da
Guanabara. O céu exibia um clarão tão intenso que sequer o nosso querido personagem
apercebeu-se que estava sendo vigiado de tocaia pelos delegados do estado da
Guanabara. A reunião clandestina ocorreria de forma secreta nos porões da
Fábrica de Motores Nacionais, e a tocaia dos guardas da Secretaria de Ordem
Pública levaria a prisão de vários militantes naquele dia. Os dias eram difíceis,
e ninguém sabia o que iria acontecer. Tantas greves! Será que Jango era
comunista?”
“Jango”. Sorriu. Era assim que
chamava o seu melhor amigo, Jango. Isso foi há pelo menos quinze anos atrás,
quando ele ainda era jovem e brincava de ser militante estudantil. Parece que
foi em outra vida. E que bom amigo o “Jangoulart” era, nunca tinha visto uma
pessoa tão honesta e capaz atuar na direção de uma entidade estudantil como
ele. Quando o sucedeu, logo depois, não pode repetir o mesmo feito. Manoel
reconheceu, ele era jovem, e bastante imaturo.
Por onde ele andaria, de certo
deveria ter se casado com aquela menina, ele gostava muito dela, ou talvez não.
Mas o que importava é que talvez ele fosse o mais próximo do que viria a ser um
irmão; Na época pensava assim, mas o tempo sempre foi um carrasco infeliz de
amizades.
Mordia o cachimbo com mais
nervosismo enquanto subia a ladeira entre as quadras 400 e o Eixo rodoviário.
Brasília era uma cidade estranha, com pessoas estranhas. E ele sorria com isso,
não era como Rio de Janeiro ou mesmo a Sampa (ou “a pátria paulista”, como
chamava em tom de brincadeira). Ela era uma cidade projetada para robôs, não para
seres humanos.
E ainda assim era bucólica e tão
provinciana que chegava a ser mais uma porteira do Brasil Central.
— “Povo Brasileiro, trabalhadores e
nobres camaradas. Hoje estamos prestes a construir um dia histórico. Nunca antes
na história desse país...” Não, não posso usar isso, isso cheira muito
lula-petismo. “ ‘Nunca antes, tivemos tamanha força como agora.’ Souza Campos
suava em forma de tufos em meio a holofotes, não esperava que tanta gente
apareceria àquela reunião que devia ser clandestina, na verdade, até reclamou.”
E anotou em seu caderninho. Uma
caneta de pena saiu de seu bolso.
Engraçado como ele começou a usar
canetas-tinteiro, foi por intermédio de seu orientador. Ele se recusava
firmemente à ostentação de ter uma caneta mais cara que uma BIC, mas com o
tempo se seduziu pelo toque retrô e pela escrita deliciosa de uma ponta de irídio.
Ele sorriu ao se lembrar disso, e a
despeito de não ter correspondido às expectativas, lembrou-se com carinho do
semblante bonachão e engraçado do seu antigo orientador.
Subiu às 200 e tentou atravessar o
Eixo que naquela altura estava bem movimentado. Uma música subiu-lhe à cabeça.
— “Nossa senhora do Cerrado/
Protetora dos pedestres/ Que atravessam o Eixão/ Às seis horas da tarde”... — E
sorriu.
Não lembrava bem dessa música do
Legião Urbana, mas a sensação foi exatamente essa. Brasília era uma cidade
musical, cidade do Cazuza, Cássia Eller, Legião Urbana, Capital Inicial e
tantas outras bandas. Não era uma cidade de escritores, como Port’alegre ou
Curitiba.
“Um fio de suor correu-lhe à espinha
quando de repente viu vultos luminosos adentrarem na reunião... Souza Campos
pensou em correr...”, matutou.
Subiu a 109 Norte e a 309 com o
cachimbo entre os dentes. E encontrou um sinaleiro fechado na Avenida W3. Cheio
de sim, aspirou o cheiro de sua infância quando ele corria com sua mãe atrás
das zebrinhas (que hoje não mais existem) para ir para casa.
Ficou feliz com seu toque
regionalista, lembrar de Brasília assim é para poucos; O metrô inacabado que
parava na Praça do Relógio, o Teatro Nacional que vivia fechado em reformas, os
blocos de pilotis dos prédios de apartamentos nas quadras 400. Onde às vezes
ele ia namorar, ou fugia da chuva quando estava saindo da UnB.
O Pastel de Cana carregado de óleo da
Rodoviária, a cúpula de cimento pintado do Museu Nacional. Algo lhe lembrava a
infância. E ainda assim lhe trazia más lembranças. Seu regionalismo era ainda
limitado a tomar chimarrão e comer pão de queijo ouvindo samba em meio ao
Carnaval de Olinda. Era algo estranho e amorfo.
Ele tinha algo de estrangeiro, não
só em seu rosto ou em sua pele pálida que o assemelhava a um eslavo. Mas ele
era um estranho no seu próprio país, passara quinze anos fora. E se lembrou de recitar Carlos Gardel na hora:
“Yo adivino el parpadeo
De las luces que a lo lejos
Van marcando mi retorno...
Son las mismas que alumbraron
Con sus palidos reflejos
Hondas horas de dolor..
Y aunque no quise el regreso,
Siempre se vuelve al primer amor..
La vieja calle donde el eco dijo
Tuya es su vida, tuyo es su querer,
Bajo el burlon mirar de las estrellas
Que con indiferencia hoy me ven volver..”
E lembrou-se de seu pai, quando ainda era vivo, quando esse tentava
lhe dar conselhos de como lidar com o mundo. Hoje ele entendia o porquê. Ele
estava só de verdade. E quando voltou para Brasília é como se tivesse voltado a
seu velho amor, a cidade estava velha e ele também.
Lembrava de sua primeira namorada,
de quem fizera por muito tempo esforço para esquecer, para não sofrer mais
ainda. Ou mesmo dos amores perdidos, da menina que retirou a sua virgindade que
depois nunca mais desejou vê-lo, ou mesmo a outra que partiu para bem longe
depois de uma situação indigesta.
E pensou na última. Tinha ido para
longe, foi para o recanto mais sujo da Europa e esquecido. Portugal. E ele não
gostava muito de Portugal (sorriu). Portugal lhe deu muitas coisas, mas ele
gostava de menosprezar aquele país que visitara apenas uma vez, e por vezes
fazia troça do espírito português.
Ele era anti-lusitano e ainda assim
era luso-brasileiro. Engraçado.
Acendeu o tabaco do cachimbo. A
fumaça se fez. Será que ela estaria bem? Com certeza sim, casada talvez ou
seria uma mulher de sucesso. Quinze anos, Gardel, Hondas horas de dolor.
E ele viajara muito nesse meio tempo.
O cachimbo lhe dera ideias. “Se
escondeu na batida numa das sombras da noite, mas ele não pode esconder o seu
espanto ao ver a polícia nocautear seus companheiros com saraivadas intensas de
balas. Por vezes alguns se rendiam e era mortos ali mesmo com uma bala na nunca”.
Andou pelo canteiro central da W3
com o concreto rachado pelas raízes das árvores maiores que a terra do Cerrado.
Olhou para o alto e viu o reboco das marquizes descascar e aquela parte central
que antes era viva nos seus olhos juvenis se desfazer na decadência dos anos
fazem ao coração de uma cidade.
Ali se multiplicavam os pontos de
droga, os prostíbulos e a falta de paciência com a cidade por parte de Manoel.
Andou recolhido em sua capa, como se fosse um inglês. Ou uma “águia das
montanhas”, como gostava de se alto denominar no alto de sua arrogância e andou
sozinho.
Foi então que viu as prostitutas,
uma delas o chamou:
“Ei, gostoso. Vamos fazer um
programa?”
Ele ficou chocado no primeiro
momento. Mas logo depois aceitou de sobressalto, ele era um Hemingway sem fama.
E nem preciso descrever esse momento de intimidade seu.
Perdido e velho. Estava com trinta e
tantos anos na cara e ainda não sabia o que era si. Ele vagava como se fosse um
fantasma e pior do que isso, não conseguia fugir do alto de sua autopiedade. Sozinho
e amargurado, sentiu-se sujo, até que por fim voltou para casa e olhou seu
bloco de anotações.
Manoel se lembrava muito de sua
juventude, de como viajara como mochileiro pelo Cone Sul com um amigo ou mesmo
como fora sozinho de Lisboa até a Sibéria apenas de trem durante dois meses
bastante felizes na companhia de uma namorada provisória. Mas lembrou-se que
escritores não tendem a ser felizes, felicidade foge muito do que vem a ser a
arte.

"Volver... con la frente marchita,
Las nieves del tiempo platearon mi sien...
Sentir... que es un soplo la vida,
Que veinte años no es nada,
Que febril la mirada, errante en las sombras,
Te busca y te nombra.
Vivir... con el alma aferrada
A un dulce recuerdo
Que lloro otra vez"
E se sentiu mais vazio do que o pó das cinzas do tabaco e a fumaça negra carregada de alcatrão.
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