Por
quase um ano Gregório Furtado abandonava
giz e o apagador, o capote de ilustrado e caminhava na cidade combalida
de mentes e raciocínio. Como um emérita transmoderno, não andava de túnica ou
cabelo longo. Pelo contrário, andava de jaqueta preta e cabeça raspada; Poderia
ser confundido com um motoqueiro ou algo parecido;
Mas ele era mais perigoso do que isso, ele era um
professor de matemática; E tão cartesiano de ideias, andava sempre com um
esquadro nas mãos e uma calculadora em outra. Figurinha carimbada na escola,
ele parecia um fantasma cujas projeções projetavam-se sobre a sombra tênue dos
alunos. Esforço seja dito, diferencial ou mesmo trigonometria assombravam todas
as noites dos jovens imberbes cujas barbas vazias os assemelhavam a crianças
com medo do bicho-papão ou chupa-cabra.
Revolucionário como as parábolas e o cálculo
newtoniano, raramente saia de casa a não ser para se apaixonar novamente pelos
números e pelo cálculo diferencial.
Solitário, brincava de calcular os riscos no chão e escrever números
imaginários em sua cabeça; Multiplicava as árvores pelos pássaros e dividia
tudo pela forma convencida dos arcos de concreto armado da selva de pedra;
Um dia foi denunciado como subversivo por brincar de
estar brincando de ser economista, fazer projeções de especulação na porta de
um banco. Catalítico dizia: “Nenhum banco é realmente bom para todos! Sempre
haverá um número faltando nos dividendos.”
Isso era no meio do fogo de palha das Jornadas de
Julho. Qualquer frase mais ou menos
revolucionária poderia ser encarada como uma afronta para o governo; A guarda
pretoriana dos números primos vestia realmente capacetes draconianos e armados
com cassetetes de matrizes batiam nos defensores einstenianos que questionavam a
teoria newtoniana do Estado. A gravidade levaria tudo abaixo, menos a Babilônia
que tinha jardins suspensos.
Foi preso no meio daquela confusão de números primos
misturados com raízes negativas. O número pi zumbia em seus ouvidos depois da
saraivada pesada de um cassetete em seus ouvidos. E tudo que fez foi sorrir e
recitar a formula de Bashkara.
No meio do interrogatório. Sob golpes violentos do
guarda, na luz fraca sobre o rosto e o sangue gotejando da boca, ele recitava:
“X igual menos b, mais
ou menos raiz de b ao quadrado menos 4 multiplicado por a e c, dividido pelo dobro de a”
O guarda nem o delegado
entenderam, e numa torrente de palavras ilógicas, e portanto não cartesianas, o
golpearam com toda a incongruência matemática que é dizer que dois mais dois é
igual a cinco.
Gregório Furtado era
homem casado, pai e um ser matemático. Professor e cartesiano por convicção,
beijou o cálculo quando criança e se apaixonou pelo modo como os números
seduziam no gráfico.
Foi solto oito dias
depois, ou será o cubo de dois dias inteiros? A juíza da vara judicial mandou
uma ordem direta, de que não mais ministrasse a matemática. Os números eram
subversivos e às vezes criminosos.
Indiciado por
associação criminosa, ele rastejava pela cidade procurando encontrar o número
em cada palavra das pessoas, versos, ou mesmo fonemas vocálicos. E descobriu
que a geometria da vida era uma coisa tão amorfa que não correspondia ao prisma
equilatéro com o qual sonhara toda a vida.
Gregório Furtado era
casado, pai de uma menina de sete anos. Foi torturado e não pode mais fazer
ativismo em classe. Dar aulas também é ser servo da religião dos números, o
positivismo engendrado. Beijou o céu e a lua, pensou ser Pitágoras.
E no fim enlouqueceu de
vez, apenas os bons colegas diziam. “O que se fez foi acabar com a reputação de
uma pessoa que só podia pensar em se apaixonar pelos números. O homem
matemático”.
“Eu sou Pitagoras eu
sei, desenho o triângulo retângulo como você me vê, meu olho é um prisma por
onde olho mundo passar a ser uma ótica do sombrio destino que é o número
irracional”. Dizia.
Deprimido, sem
capacidade de dar afeição aos números como antes fazia, se apaixonou pela
língua portuguesa e hoje vende livros de cordel nas paradas de ônibus por aí a
fora. “Meu mundo acordou, Não misturo as coisas . Esqueça que um dia fui mestre
da ciência e se apaixone pela minha matemática das letras”, disse no ônibus.
Taxado de louco, foi
deixado na parada. Com um semblante sorridente olhava todos com um olhar
profundo que adentrava a alma, de modo que todos os passageiros viam em seu
rosto um choque de realidade.
Desconfortáveis deixaram levar seus rostos lívidos com o passo do compasso e por
fim Gregório Furtado contou as gotas de chuva que caíram sobre o céu.
“Minha tábula de
diferencial” E beijou o vazio no meio do nada.
A chuva caía do céu e
trovoadas corriam pelo céu no solo da capital... E o filho da ciência foi corrigido pelo braço coercitivo da matemática radical.
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