terça-feira, 9 de setembro de 2014

O vento da matemática

            Por quase um ano Gregório Furtado abandonava  giz e o apagador, o capote de ilustrado e caminhava na cidade combalida de mentes e raciocínio. Como um emérita transmoderno, não andava de túnica ou cabelo longo. Pelo contrário, andava de jaqueta preta e cabeça raspada; Poderia ser confundido com um motoqueiro ou algo parecido;




             Mas ele era mais perigoso do que isso, ele era um professor de matemática; E tão cartesiano de ideias, andava sempre com um esquadro nas mãos e uma calculadora em outra. Figurinha carimbada na escola, ele parecia um fantasma cujas projeções projetavam-se sobre a sombra tênue dos alunos. Esforço seja dito, diferencial ou mesmo trigonometria assombravam todas as noites dos jovens imberbes cujas barbas vazias os assemelhavam a crianças com medo do bicho-papão ou chupa-cabra.


              Revolucionário como as parábolas e o cálculo newtoniano, raramente saia de casa a não ser para se apaixonar novamente pelos números e pelo cálculo diferencial.  Solitário, brincava de calcular os riscos no chão e escrever números imaginários em sua cabeça; Multiplicava as árvores pelos pássaros e dividia tudo pela forma convencida dos arcos de concreto armado da selva de pedra;

                 Um dia foi denunciado como subversivo por brincar de estar brincando de ser economista, fazer projeções de especulação na porta de um banco. Catalítico dizia: “Nenhum banco é realmente bom para todos! Sempre haverá um número faltando nos dividendos.”

                   Isso era no meio do fogo de palha das Jornadas de Julho.  Qualquer frase mais ou menos revolucionária poderia ser encarada como uma afronta para o governo; A guarda pretoriana dos números primos vestia realmente capacetes draconianos e armados com cassetetes de matrizes batiam nos defensores einstenianos que questionavam a teoria newtoniana do Estado. A gravidade levaria tudo abaixo, menos a Babilônia que tinha jardins suspensos.

               Foi preso no meio daquela confusão de números primos misturados com raízes negativas. O número pi zumbia em seus ouvidos depois da saraivada pesada de um cassetete em seus ouvidos. E tudo que fez foi sorrir e recitar a formula de Bashkara.




              No meio do interrogatório. Sob golpes violentos do guarda, na luz fraca sobre o rosto e o sangue gotejando da boca, ele recitava:


“X igual menos b, mais ou menos raiz de b ao quadrado menos 4 multiplicado por a e c, dividido pelo dobro de a”


O guarda nem o delegado entenderam, e numa torrente de palavras ilógicas, e portanto não cartesianas, o golpearam com toda a incongruência matemática que é dizer que dois mais dois é igual a cinco.


Gregório Furtado era homem casado, pai e um ser matemático. Professor e cartesiano por convicção, beijou o cálculo quando criança e se apaixonou pelo modo como os números seduziam no gráfico.
Foi solto oito dias depois, ou será o cubo de dois dias inteiros? A juíza da vara judicial mandou uma ordem direta, de que não mais ministrasse a matemática. Os números eram subversivos e às vezes criminosos.



Indiciado por associação criminosa, ele rastejava pela cidade procurando encontrar o número em cada palavra das pessoas, versos, ou mesmo fonemas vocálicos. E descobriu que a geometria da vida era uma coisa tão amorfa que não correspondia ao prisma equilatéro com o qual sonhara toda a vida.


Gregório Furtado era casado, pai de uma menina de sete anos. Foi torturado e não pode mais fazer ativismo em classe. Dar aulas também é ser servo da religião dos números, o positivismo engendrado. Beijou o céu e a lua, pensou ser Pitágoras.


E no fim enlouqueceu de vez, apenas os bons colegas diziam. “O que se fez foi acabar com a reputação de uma pessoa que só podia pensar em se apaixonar pelos números. O homem matemático”.

“Eu sou Pitagoras eu sei, desenho o triângulo retângulo como você me vê, meu olho é um prisma por onde olho mundo passar a ser uma ótica do sombrio destino que é o número irracional”. Dizia.


Deprimido, sem capacidade de dar afeição aos números como antes fazia, se apaixonou pela língua portuguesa e hoje vende livros de cordel nas paradas de ônibus por aí a fora. “Meu mundo acordou, Não misturo as coisas . Esqueça que um dia fui mestre da ciência e se apaixone pela minha matemática das letras”, disse no ônibus.


Taxado de louco, foi deixado na parada. Com um semblante sorridente olhava todos com um olhar profundo que adentrava a alma, de modo que todos os passageiros viam em seu rosto um  choque de realidade. Desconfortáveis deixaram levar seus rostos lívidos com o passo do compasso e por fim Gregório Furtado contou as gotas de chuva que caíram sobre o céu.


“Minha tábula de diferencial” E beijou o vazio no meio do nada.



A chuva caía do céu e trovoadas corriam pelo céu no solo da capital... E o filho da ciência foi corrigido pelo braço coercitivo da matemática radical.

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