quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dia do Trabalhador

         Hoje resolvi caminhar um pouco pelo meu bairro, coisa que não fazia há um bom tempo. O calçamento das ruas foi mudado, os ladrilhos de pedra portuguesa foram removidos de forma violenta, desnudando a terra vermelha e ao lado desenvolvia o asfalto da ciclovia, pedestres e ciclistas dividiam o espaço estreito próximo aos carros.

         Embora isso fosse uma coisa pequena, fazia parte do que eu me lembrava do lugar onde eu pensava morar, o calçamento de ladrilhos que me remetia a ideia de uma pequena Copacabana sem praia no Planalto Central, com a sombra de mangueiras e amoreiras, mas isso não era nem parte do processo.

          Andando mais um pouco encontrei dois prédios novos, gigantescos, em meio às casas, coisa que não tinha antes, e esses prédios feriam o antigo planejamento da cidade, mas não se pode ser reacionário ao ponto de querer voltar ao passado.

           Continuei andando, encontrei carros importados nas pistas, BMWs, Mercedes, mas perto de uma marquise de uma padaria encontrei um velho pedindo esmolas sendo ignorado por todos. Em um momento estranho a mim mesmo, eu me compadeci com aquele senhor e queria ter dado algo que ele pudesse comer, mas ao invés disso dei uma moeda de um real.

             Sorridente, deixou os dentes apodrecidos se mostrarem de soslaio, e me agradeceu com tamanha veemência que fiquei constrangido, dei um curto sorriso e com um gesto mostrei que não era necessário me agradecer. Não sei se ele usou o dinheiro para comer ou para comprar uma pinga, e caso tenha sido, também não me importo, mas eu me identifiquem com ele em uma medida. Nós dois éramos dois deslocados num local que mudou num piscar de olhos.

               Talvez fôssemos duas vítimas de um processo cada vez mais presente de concentração de renda, ele com certeza era na medida que ele sofria diretamente já que tinha sido levado às ruas, seja por problemas econômicos, vícios ou mesmo de ordem psicológica, em todo caso ele era uma vítima. A outra vítima que se apresenta é mais indireta, que sou, porque eu estou inserido no sistema, mas não tenho um horizonte de expectativas definido, tal como muitos jovens como eu, e estou me sentindo cada vez mais deslocado no local em que escolhi para morar

            Não sei se estou muito sensível a certas coisas, talvez sim, mas não tinha costume de dar esmolas, mas encontrar uma pessoa em pleno dia do Trabalho implorando por alguns trocados me partiu o coração.

              Eu era jovem, branco e sadio, ele era velho, caboclo e doente. Duas faces diferentes, mas iguais num processo, ambos estávamos deslocados, e percebi que aquele era um possível futuro que irei ter se não for enquadrado no sistema. Sistema fraudento, amoral e ainda assim universal.

              Os jornais mentem mais do que tudo, o otimismo não está mais nas ruas, não está nos números tampouco está nos olhos de cada um, os sonhos de antes se foram. As ruas que antes eu passava mudaram, as casas antes planejadas, cheias de árvores, calçadas de pedestres e um bucolismo apaixonante passaram a ser tomadas cada vez mais por arranha-céus.

              Pessoas ricas transitam onde antes não havia ostentação, apenas uma vida pacata e tranquila, enquanto os pobres se somam nas marquises dos prédios, nas praças ou nas paradas de ônibus tentando conseguir algo para si. Viver num local assim anda cada vez mais difícil. Bem vindo a um país que se diz governado por trabalhadores, bem vindo a um país estranho no Dia do Trabalhador.

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