domingo, 11 de maio de 2014

A incógnita da escrita

A maior incógnita da vida de um escritor é o papel branco, pois nada é mais tentador, nada  é mais vazio que o pedaço de folha limpo sem ranhuras em sua superfície, disso, achamos que podemos criar mundos mirabolantes, realidades da existência louvável, grandes digressões e paradigmas cada vez mais indiciários de abstrações filosóficas.

Um escritor é um arquiteto de histórias, cujos imensos tijolos são as palavras, cuja a argamassa são as vírgulas, travessões, pontos-vírgula e outros cógnitos gramaticais e a grande planta é imagem filosófica e narrativa que surge sobre sua cabeça.

Escrever é imaginar antes de tudo, é ter sua mente aberta a observar um mundo para criar um outro completamente diferente, ou mesmo criar um mundo dentro desse mundo existente. Um bom escritor é um pintor que desenha a realidade numa tela de A4 apenas com palavras e uma caneta de pena.



Quem escreve está fadado a ser meio solitário, pois escrever exige bastante tempo. Mas quem escreve também será um sábio antes da hora, pois o ato de escrita exige muita leitura, exige pensamento rápido e raciocínio e mais do que isso, exige ter emoções ao pé do ouvido. Escrever é a arte de amar ser sentido. Amar escrever e calejar as mãos de tanta escrita.

Quem escreve  não pode por ventura ser vazio em intelecto, mas pode ser vazio em existência. Um escritor é normalmente uma pessoa muito triste e melancólica pois quando olha o mundo ao seu redor tem uma imagem ligeiramente aguçada do que a realidade proporciona. Por isso muitos escritores são ativistas, outros apenas querem se esconder no seu pessimismo clerical.

A escrita exige esforço, mas também inspiração. Cuja habilidade ultimamente me falta, e por isso normalmente um escritor é um cara frustrado quando não consegue produzir; Queria ser mais ameno nesses termos, mas a verdade deve ser dita sem ignóbeis mentiras. Meu ato de escrita vem sendo cada vez mais piorado a medida que vou envelhecendo, pois as responsabilidades crescem e negligentes como nós somos, acabamos nos convencendo que não temos mais forças para escrever grandes romances. Estamos completamente errados, estamos sempre prontos para escrever algo de novo, mas não sabemos.


Amar o que faz é o que define um escritor de qualidade, pois ele vive amando linha por linha do seu texto, e se cuidando para amá-lo cada vez mais. Ele ama lê-lo depois de ter feito cinco ou seis correções. Um texto é um pedaço de carvão a ser moldado, com as condições ideais de temperatura e pressão ele poderá virar um lindo e bem polido diamante, mas se for mal feito continuará a ser apenas um pedaço de carvão.

Amar à escrita é se apaixonar pelos livros, abraçá-los como se fosse sua própria mulher, beijá-los como se fosse seus próprios filhos e lê-los como leria aos seus netos. Ah! A escrita, ler, ler e ler, fora da leitura não há salvação. Já dizia meu professor, pois sem leitura não se tem ideias e não se escreve metade do que se deve escrever quando se está inspirado.



Como disse, o papel branco é a maior incógnita, e não é resolvida pela mera matemática. Muito pelo contrário, a matemática busca respostas que a literatura não provém e de maneira que essa estrutura narrativa se mantém é muito difícil escrever algo que não tenha um encadeamento lógico tradicional. A pequena redação de um livro pode ser um plágio de outro existente sem querer.

Queria ser mais virtuoso em dizer que a escrita é um ato fácil a todos os que se dedicam, mas não é verdade, era fácil para mim quando era mais novo, mas hoje, é algo cada vez mais urticante quando penso que não levo meus livros até o final, por isso acabo escrevendo contos ou poemas, que são menores e mais fáceis de se fazer. E como poeta sou tristonho.

Floreios não são inteiramente necessários quando começamos a escrever, pois a escrita é um ato de fé antes de tudo, e cada vez mais que escrevemos temos a consciência que nossos prazos e prazeres não se findam. A verdade é que escrever é uma fé na gramática e sobretudo da linguística em abarcar as suas ideias num campo semântico cognitivo eficiente, e nem sempre isso é possível.

Por isso eu acho mais fácil fazer cinema, ou mesmo uma tela, pois as emoções se inauguram a partir da combinação de cores e imagem, enquanto na escrita não há nenhum nem outro. Um escritor é um psicólogo amador, é um cronista social e um jornalista sem jornal. É um pesquisador e um bon-vivant sem um centavo trocado.



Escrever define o ser, define uma realidade e um personagem. Alguém que inexiste no plano concreto, mas pode existir no plano real. Pode ser uma pessoa que você conheceria se andasse mais pelo mundo, ou mesmo uma entidade que morreu anonimamente sem que ninguém a lembrasse. Um detetive que morreu numa caçada, um operário que caiu de um andaime, um professor que foi atropelado, ou um casal de velhinhos que morreu juntos para sempre.

Às vezes nem isso, as vezes só escrevemos uma parte de uma vida. Às vezes nem descrevemos a vida cotidiana, vamos recorrer ao tempo, como ao romance histórico e escrever um antepassado que nunca existiu, ou ao futuro para escrever um descendente que provavelmente nunca existirá. Somos deuses na curvatura de uma folha de A4, e num rincão tecnológico de um Word ou da mera caneta ou máquina de escrever.

Sabemos tanto de História, geografia, ciência, desenho, psicologia, antropologia, e filosofia, e ao mesmo tempo não sabemos nada. Um escritor é um ser diferente, porque tenta conciliar vários campos numa só obra.  Quisera eu que todos tivessem esse dom de redigir textos com facilidade como eu fazia, mas se todos fizessem isso, eu estaria desempregado.





A incógnita do papel branco se mantém, porque no início eu não sabia o que iria escrever, mas o final resultou num texto muito bem encadeado. Essa é a constante dúvida de um escritor em processo de criação e espero que isso ajude a alguém que pense um dia em escrever.

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