Silenciosamente discreto de olhos
puxados e pose aristotélica o pequeno e exuberante felino negro demonstrava um
olhar de erudito frente ao movimento incessante do final de noite. Os
corredores apilhados de gente eram foco de sua atenção.
Esses olhos martelavam contra os
modos ignóbeis da pequena humanidade cada vez mais hipócrita e com um tom claro
de censura diziam: “Esses humanos...” Elevou o pescoço e com orelhas
ligeiramente levantadas o gatinho procrastinou.
No vão de concreto escuro do jardim
delicadamente desenhado as gramíneas e margaridas circunscreviam as mudas de
pequenos pinheiros lusitanos deixando ao gato uma pose de estátua marcial no
meio do silêncio da noite gelada. As trepadeiras e as árvores de tronco
retorcido arrastavam suas folhas contrariamente maliciosas à forma da pena do
verso solitário.
Acocorado no chão, o felino se toma
numa mísera bola de pelos que se comprimia no frio com o verso de uma imagem
cada vez mais imprecisa do que seria um gato solitário, esnobe e as vezes
arrogante. Volta e meia ele olhava para mim com um olhar afetuoso de menino
perdido e estranhamente eu me identifiquei com aquele pequenino ser de pelo escuro.
Novamente em pé, ele fez questão de
me ignorar com maus olhos e iniciou comigo um pequeno diálogo monossilábico de
censura. Seus olhos fracos se afastavam dos meus e contra nós mandou um olhar
arrogante e negligente. Sua paciência com os humanos, insuperavelmente humanos
tinha se esgotado.
Seu ar senhorial, de lorde inglês de
fraque e whisky na mão tinha cativado a minha atenção de tal maneira que
enxerguei eu próprio numa versão mais galante e despreocupada. Aquele gato era
um arrebatador de corações negligente, as gatas teciam semicírculos em torno de
seu perímetro, mas ignorando a tudo e a todos, o felino me olhava de maneira
cada vez mais visceral. Ele estava me analisando, vendo como nós dois nos
parecíamos.
Deslocado o gatinho olhou sem
nenhuma pinta de ciúmes para as felinas que desapareciam nas sombras da noite,
convencido de que não conseguira nada senão uma troca de olhares e estava calmo
com isso, estranhamente calmo.
Preguiçoso ele se espreguiçou diante
dos meus olhos e começou a se afastar de onde estava, tomando cuidado para
parecer vaidoso até que desapareceu sem maiores despedidas.
Lineu era seu nome, o pequeno gato
Lineu, de pelo escuro e olhos cada vez mais rasgados, um pequeno felino tão
deslocado no mundo como eu.
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