terça-feira, 10 de julho de 2012

Uma velha questão do Charco



        Todos hoje assistimos atentamente, ou não, o noticiário relatando a situação no Paraguai, certo? Principalmente os sul-americanos, mais precisamente os brasileiros.

        Isso porque qualquer questão do Paraguai parece ser tão sensível a nós, quanto uma pontada na espinha, talvez porque tenhamos tantos colonos naquelas terras que sentimos certo apego por ali.

       O Paraguai foi com certeza o último lugar em que o Brasil lutou pra valer numa guerra (Tem a Segunda Guerra, mas eu tô falando com deslocamento territorial mesmo, economia de guerra e essas coisas) quando Solano Lopez atacou um forte brasileiro no Mato Grosso, iniciando a tão sangrenta guerra do Paraguai, que eu tive o prazer de conhecer um particular estudador dessa área.

        Foi com certeza a primeira guerra em que o Brasil e Argentina se uniram (devemos lembrar bem qual foi o papel da Argentina na Segunda Guerra, hermanos, vocês tem um passado obscuro), dizem que o Uruguai entrou também na guerra, mas a sua atuação foi tão efetiva quanto a de Portugal na Primeira Guerra Mundial.


          Foi na Guerra do Paraguai que o Brasil usou os seus primeiros couraçados, foi ali que nasceram grandes heróis da pátria (Desde Tamandaré a Caxias), e mais especificamente, foi ali que nasceu o Exército Brasileiro.

Olha o Caxias aí, pose de pegador!


          A Guerra do Paraguai foi usada várias vezes como propaganda pelo Regime Militar Brasileiro para reforçar o papel do exército como supro protetor do Brasil de qualquer ameaça estrangeira, seja paraguaia ou "bolchevique".

          A esquerda brasileira também se apropriou desse evento para reforçar-se com um certo anacronismo histórico, ao reforçar a débil ideia de que o Paraguai era uma potência industrial que crescia a um ritmo galopante (sendo que indústrias mesmo na America Latina só iriam surgir talvez com o Marquês de Mauá, ou mesmo com os argentinos), que desafiava o poderio industrial inglês e que por isso, a Grã-Bretanha teria incentivado o Brasil a entrar em guerra contra os paraguaios, agindo como a força impulsora do capitalismo burguês para sua própria autoproteção. Isso é uma balela.

         O Paraguai era sim governado por um ditador que via o seu estado como gestão pessoal (não havia essa coisa de reforma agrária como alguns teóricos tolos advogam, tudo era de Solano Lopez) e ele queria mesmo invadir o Brasil e a Argentina para ter uma saída pelo mar, através do Rio da Prata. Lopez é tão imperialista quanto Dom Pedro II.

         Segundo, embora alguns digam que não, os paraguaios adquiriram com o passar do tempo, através de contrabando, ou mesmo de compras junto a Europa (notavelmente França e Alemanha), maquinário para fazer guerra: fuzis, canhões e peças de artilharia e eles próprios não eram inocentes.

          Agora também foi estudada a ideia de que o Brasil havia cometido um genocídio sem precedentes no Paraguai, isso é verdade, o Exército Brasileiro, quando ficou aos encargos do conde D'Eu, transformou-se numa máquina de guerra totalmente descontrolada, à medida que o príncipe (um civil sem hábito com a guerra,  a fim de tomar prestígio com a Corte no Rio de Janeiro, decidiu tornar a guerra pessoal), tomou à frente de uma caçada à cabeça de Lopez.

Conde D'Eu, talvez perseguindo Lopez feito um doido no Charco


          Consta nos altos que os homens de Lopez usaram sim escudos humanos, mulheres e crianças e estabeleceram um recrutamento forçado de populações locais do Charco, tanto o Exército Brasileiro como as tropas de Lopez cometeram excessos e abusos: estupros, chacinas e toda a sorte de atrocidades que não eu tremo a mão ao relatar.

            As forças platino-brasileiras venceram após o encargo de vários anos sangrentos de guerra, após longas discussões e desconfianças entre o general Mitre (argentino) e Caxias (pareciam que os dois não confiavam um no outro). O Paraguai foi derrotado, destroçado por uma sangrenta guerra, e demorou muito tempo para se erguer novamente (alguns dizem até que não se recuperou), tendo em vista, que segundo algumas fontes, um terço talvez de sua população tenha sido morta na guerra (eu pessoalmente acho esse número muito forte, afinal de contas, o conflito mais sangrento que já tivemos, a briga entre Caim e Abel, contabilizou o marco de um 1/4 da população mundial)


              Em todo o caso, a Guerra do Paraguai também dera indícios do que iria se tornar prática no Brasil, a corrupção:

               O governo brasileiro adquiriu uma série de novos fuzis franceses junto a uma fabricante de armas, muito embora os rifles sequer fossem comparados com um Mauser ou Enfield, eles foram adquiridos após muitas pressões internas (alguns dizem até que o Conde D'Eu, esposo da princesa Isabel, que era francês, interviu a favor da marca).

               Os rifles foram adquiridos por uma vultuosa soma e depois de alguns meses chegaram ao Rio de Janeiro, do Rio foram mandados para o front... Quando chegaram, nem mesmo a sombra de suas baionetas havia aparecido, eles tinham desaparecido no caminho, muitos até acreditam que foram roubados e vendidos no Mercado Negro (muitas das armas da Guerra do Paraguai até hoje circulam ilegais pelo país).

               Eis o que o governo brasileiro fez? Comprou de novo, e quando chegou, fez garantir que uma escolta armada iria acompanhar os rifles, quando os rifles chegaram ao Chaco, cadê que os homens sabiam operá-los? Ninguém sabia como operar um rifle de ferrolho que não precisava recarregar imediatamente. O resultado, os rifles ficaram encostados.

            O Governo novamente fez um novo esforço e mandou oficiais do exército para a França a fim de receberem treinamento de como manejar os rifles, na França, eles tiveram contato com as ideias positivistas que fervilhavam na época, e o que aconteceu? Eles deram o Golpe no Imperador em 1889, pouco menos de vinte anos após a Guerra do Paraguai.

         
           O Paraguai com o passar do tempo foi governado por sucessivos governos instáveis e ditaduras militares,  o governo paraguaio nunca foi uma estrutura muito sólida (ao contrário do brasileiro, que apesar dos seus problemas, é centralizado), e após passar por muitos problemas ele tornou-se uma democracia nos anos 90.

         
          O governo Lugo, que acaba de cair, foi o segundo que definhou em menos de dez anos no Paraguai. Em 2003, outro presidente paraguaio havia renunciado, suspeito de corrupção.


             A queda de Lugo é nada menos que uma crise do próprio populismo, que não se sustenta muito bem nos países sul-americanos, como um dia já se sustentou (no Brasil ainda se sustenta muito bem), quando alguém promete demais e não cumpre (ou por oposição interna ou mesmo falta de vontade), acaba caindo.

             Fernando Lugo entrou prometendo reformas e mudanças, mudanças tão grandes que a própria elite paraguaia, que controla boa parte do Parlamento, não queria oferecer.

            Sob a alegação de que o presidente fora responsável pela matança de alguns civis (eu não tenho números agora), o Parlamento decidiu pelo impeachment de Fernando Lugo por incompetência e ingerência dos assuntos estatais... Em outras palavras, ele atacou o povo que podia defendê-lo.

             A questão da responsabilidade, isso é discutível, afinal de contas, um governante é responsável por tudo o que a sua nação faz ou deixa de fazer, mas se formos nessa linha, a Dilma podia muito bem ser responsabilizada pelos acontecimentos na favela do Pinheirinho, esse ano mesmo.

            Alguns podem argumentar que Lugo era de esquerda e tal, e daí? Ser socialista não exime alguém de ser idiota (estou parafraseando o que o presidente uruguaio, José Mujica disse certa vez). Chavez mesmo é um tolo que está há poucos passos de se tornar um novo Mussolini (na verdade ele até tem um jeito meio Mussolini em agir). E ataquei mesmo o Chavez, e foda-se qualquer crítica que venham fazer: tá na hora de parar de glorificar esses líderes latino-americanos como pseudodeuses, defensores do marxismo-leninismo, nenhum deles tá fazendo porra nenhuma pra isso!

Eu tõ falando sério, o Chavez tem muito de Mussolini em si



            Alguns irão perguntar: Porque isso não acontece no Brasil?

            A resposta é simples:  O Brasil é diferente, ele não possui qualquer, eu disse QUALQUER, passado revolucionário em sua História. Ao contrário de outros lugares do Mundo, tudo aqui é negociado, até mesmo a independência foi negociada. A última "Revolução" que nós tivemos (A Proclamação da República em 1889), foi também negociada.


              O golpe no Paraguai foi mesmo um golpe, e uso mesmo essa palavra sem medo, foi um golpe do Legislativo sobre o poder Executivo, e embora alguns digam que foi legal do ponto de vista da Constituição paraguaia, ele não teve respaldo sobre o povo paraguaio, muito embora o próprio povo não tenha feito nada para impedi-lo.

         
              A ação do Mercosul em deixar suspensa a participação do Paraguai é altamente explicável:

             Primeiro, os governos o Mercosul, notavelmente, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, assinaram um acordo no fim do ano passado a fim de conter qualquer atentado à democracia de cada um dos membros, com até mesmo uma intervenção sendo cogitada (Talvez já soubessem da fragilidade do seu telhado de vidro).

              Segundo, o Paraguai, assim como o Uruguai, por muito tempo foi contrário à entrada da Venezuela no Mercosul, e a forte resistência do parlamento paraguaio seria suplantada se por ventura o Paraguai fosse eximido de seu poder de voto estando suspenso (muito embora eu acredite que não fosse mudar muita coisa).

              Terceiro, o Paraguai é basicamente uma economia muito fragilizada que se vê profundamente dependente do Mercosul pra muita coisa. Mantendo uma política fiscal bastante liberal, o Paraguai arrecada muitos produtos importados de outros países (sobretudo China) e se tornou uma base de distribuição desses produtos na América do Sul, a baixos preços, já que ele tem redução de tarifas alfandegárias, por ser membro do Mercosul. Esse comércio, muitas vezes também associado ao contrabando, atrapalhava sobretudo a balança comercial brasileira, que tenta resistir ao máximo aos produtos estrangeiros e pro/teger a indústria nacional. O Paraguai atrapalha isso.

             Quarto, embora alguns digam que não, o Paraguai é um membro de segundo escalão do Mercosul, tendo em vista que o grande ponto desse bloco econômico é justamente a aliança Brasil-Argentina (e Uruguai em menor proporção), o Paraguai meio que entrou, mas não foi por uma coisa assim muito espontânea de todo mundo.

             Quinto, os conflitos rurais entre sem-terra paraguaios e colonos brasileiros vem se acirrando com o passar dos tempos, e de certa forma há meio que um desconforto (até na bancada ruralista no Senado Brasileiro) disso por ventura dar força maior ao movimento sem-terra no Brasil.

              Mas mais importante que isso, a ação do bloqueio do Mercosul ao Paraguai seja talvez tentar defender o populismo na América Latina, para que não desmorone com tanta facilidade como desmoronou no fim dos anos 60.

            Eu mesmo não posso explicar em detalhes a postura do governo argentino senão por isso e também por uma profunda antipatia com produtos de vizinhos locais, incluindo o Brasil, que certa forma atrapalha a indústria nacional argentina (dessa vez por competição).

            A postura do Uruguai, embora eu não enxergue um populismo tão forte ali (eu não vejo o Mujica como um populista tanto quanto vejo  o Lula), pode ser expresso em parte por isso, em parte por uma certa pressão até do Brasil e da Argentina.


           Acredito que vá demorar um bom tempo para que o Chaco conheça um líder a sua altura, ou mesmo um sistema democrático que não esteja tão fragilizado quanto hoje se apresenta, mas afinal de contas a fragilidade é uma questão bastante antiga no Paraguai.


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