quinta-feira, 19 de julho de 2012

Bloquinho largado

        Largado no chão, sozinho, solitário, o pequeno bloquinho de papel amarelado descansava entre um chinelo e um sapato. Estava aberto, num maço a esmo, sem nada, sem amor por si mesmo, apenas aberto numa das antigas anotações feitas a caneta e que borravam com o tempo.


         Ali se tinham planos ideias, anotações, planos importantes, poesias e mesmo coisas inúteis e anotações do dia a dia, mas o mais importante parece estar bem ali, no meio das páginas, escritas em letra cursiva, tremida e nem por isso menos querida.


         "Há tempos observo meu coração palpitar de uma maneira diferente com a qual estou acostumado.
          Tentarei manter-me alheio a um extremo lirismo apaixonado, mas quanto a sentimentos de tal natureza, costumo me exceder em palavras.
           Pois bem, lembro-me do primeiro dia em que a vi, na verdade, era uma noite, uma noite festiva, onde se realizava uma confraternização de nossos estimados amigos... Eu poderia dizer que me apaixonei por você à primeira vista, mas eu pessoalmente não acredito em tais coisas, o que posso dizer é que naquela noite eu comecei a ter uma atração por você.



            O tempo passa, e com o passar dos meses, começo a conhecer um pouco mais sobre você, e percebo que mais e mais passo a gostar de você.

            Decerto, ignoro, obviamente, que tenha desenvolvido nessa época qualquer sentimento relativo ao coração por tão singela criatura como você, mas enfim, no último mês, num dado dia, me vi pensando senão outra coisa que você, se você estava bem, se você viria, se eu a encontraria. Foi naquele dia que percebi que tinha me apaixonado.

            Sei que isso pode parecer estranho vindo de mim, afinal, nunca sinalizei que gostava de alguém em nenhum momento em nosso convívio, mas quero que entenda que essa é uma proteção a qual vedo para não ter mais mágoas no coração.

            Pois enfim, dia após dia, eu queria estar próximo de você, e acada momento que conseguia, eu me sentia feliz e lembro com pesar as várias vezes que sentia vontade de contar-lhe tudo que sentia, de retirar essa questão que me consome, mas o meu total desconhecimento em tais assuntos me impediu isso


           Tomei coragem naquele dia quando disse em plenas palavras: Eu te amo Bia.


            Não é um amor vazio, eu realmente amo você: Eu quero ficar com você, abraçá-la, beijá-la, eu quero ser feliz com você.

             É bem verdade que não tenho muitos luxos nessa vida, afinal, eu não sou rico, e talvez desconheça a totalidade desse verbete.

             Eu não sou um gênio, embora alguns digam justamente o contrário... Sou analfabeto nas coisas que você gosta, e perito nas coisas que aprecio, mas Deus que o diga, eu queria tanto aprender tudo com você!

             Sou muitas vezes egocêntrico, ranzinzo, e até por vezes grosseiro.

            Não sou feliz o homem mais bonito da Terra, nem o mais forte e tão pouco o mais persuasivo, tenho poucos argumentos para lhe dizer que sou um bom par, mas me aterei ao mais franco de todos:

             Farei tudo para que seja amada como você merece!

             Não estou falando de casamento ou coisas assim, tais palavras me dão alergia quando entoadas num determinado som, eu apenas quero que considere essas palavras sinceras que acabei de discernir.

              Eu gostaria que pensasse com carinho em tudo em que eu disse, não há porquê responder agora, afinal, acredito mesmo ter poucas chances mesmo.


            Se você disser "não", por já ter outra pessoa, eu tentarei entender e não a perseguirei como um encosto extenuante sobre a sua vida.

           Se achar que não sirvo para você, diga com toda a franqueza que eu me recuperarei, mas por favor não diga que gosta de mim como amigo, porque isso será mais doloroso para mim do que todas as adversidades da arca de Pandora dispersas no mundo.

           Eu do fundo do meu coração devo dizer que te amo. E que minha face empalidece quando tenho a sombra na minha cabeça de outro homem que possa amá-la e acariciá-la de tal forma como desejei tanto um dia ardentemente beijá-la. Adeus, minha querida, e pense com atenção"





          Sentiu-se um grande pesar ao folhear as pequeninas páginas do bloquinho amarelado, e com uma lágrima escorrendo o canto do olho, chorou sozinho um gemido triste ao mais sombrio sussurro da noite... Ele não a teria, e sabia porquê, ela não o amaria e nem gostaria de com ele conversa ter, sua face empalidecia, e naquela noite solitária, decidiu cair na bebida e desmaiar em sua própria fantasia.



          Sonhava ele em como dormia abraçado com ela, em como os dois se divertiam à sombra da noite, aninhando um ao outro inocentemente... Sonhava ele em como ganhariam a vida, sendo ele escritor e ela uma linda fotógrafa de renome, ela sorria, ele a beijava. Os dois saiam, os dois viviam.

         Sentia o doce liquor da boca da amada e a beijava como um beija-flor beija uma rosa no meio-dia, queria estar com ela abraçado no fim do dia, enquanto o sol desaparecia nas límpidas águas da vida... Pensava até em constituir família! E nas brigas, as mais torpes que fossem, as quais evitaria, queria ele a beijar e se arrepender de tudo que fazia... Mas não era essa sua vida




        Tentam-lhe acordar ao nascer do dia, estirado no chão, sozinho e recolhido como um cão, e tudo que se dedica a dizer é:

        "Deixe-me em paz, não quero mais essa vida. Deixe-me aqui deitado todo o dia"

          E por dois dias ficou deitado, sem comer e nem beber nada, com a sombra de um sonho sendo apagado pela dor do tempo que gira.. No terceiro dia se levanta e prossegue aquela triste vida, nada de fantasia, sonho, ou coisa parecida, sua fria face agora não pensava mais em amor e tampouco em ódio, a tristeza não era mais companhia, e tudo que agora tinha era reconstruir uma alma destruída.




          Seria uma linda novela, uma bela epopeia, sob a égide da lira e dos florins, senão fosse ela uma história de uma vida, de um homem que amou e não pode ser amado, de um pobre fracassado que tombou na sua própria fantasia e que agora se dedica a escrever essa triste poesia sem rima.

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