Mostrando postagens com marcador Reflexões;. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Reflexões;. Mostrar todas as postagens

sábado, 28 de março de 2015

Nada a invejar

Preâmbulo

         Nada a invejar. Este artigo é apenas um pequeno ensaio sobre os sentimentos de um jovem que busca o admirável mundo novo ... Como a humanidade é bela! O admirável mundo novo, que tais pessoas nos trazem.

       Minha opção para escrever em português é apenas momentânea, nada acontecendo com minhas idéias sobre o idioma lusitano, mas eu tenho o compromisso de descrever as pequenas situações que ocorreram para mim e para as pessoas do que cercam minha pequena pessoa.

     O que aconteceu com a humanidade nesta época? Terríveis tempos. Eu só preciso saber, ou não? Não, eu não. Sentindo-se o passado é nada a invejar, por isso, como posso lembrar de coisas que não aconteceram para mim? Eu não sei, talvez eu tenha humildade para parar meus pensamentos quando tenho escrito, talvez a minha arrogância é apenas maior do que meus sentimentos tão refinados que uma poesia. Mas nada a invejar.

        Veja o futuro de um sistema operacional que nada tem controlado. O sistema de espírito.





...


         Esses eventos ocorreram na vida suburbana de uma metrópole. Grande, mas não  a maior. Pode ser Nova York, poderia ser Paris, Londres ou Munique. Mas não, isso ocorreu no sul, América do Sul, com precisão.



           20 h 30. Nada aconteceu de novo. Quando lembro todas as noites dos vazios das luzes amarelas que pincelam o asfalto negro, quando o vento martiriza nossos semblantes com um licor congelante em seu sopro, nada é mais do que uma simples miragem no deserto de concreto armado;

                Entrar em casa sempre é uma tarefa que exige um mínimo de esperteza. Não só porque a vida esteja tão cheias de segredos, sobretudo da porta para dentro, mas também os segredos muitas vezes enganam nossos olhos. Como disse, a noite estava arrastando-se e os olhos estavam voltados para o movimento da rua. Não havia ninguém. Pelo menos não achava.


            Cortada a injeção de adrenalina, espera-se que tudo se tranquilize quando se chega em casa. Quando gira-se a maçaneta dourada da porta de madeira e identifica-se a luz pelos vitrais amarelados. Quando se arrastam as dobradiças e se inaugura uma imersão a um novo ambiente que lhe é tão caro.

            O sofá azul marinho de tecido rústico, as cortinas em desenhos florais em verde-água. A parede nua de qualquer arte que não seja os afrescos dos cabidais de gesso no teto. A televisão sempre se torna mais convidativa, à entrada de uma casa, ela sempre reflete a alma de seus moradores. Outrora fora o rádio, e antes disso, a biblioteca; Pensar às vezes é difícil quando você se expõe ao toque negligente do vidro laminado a refletir seus próprios olhos numa porção convidativa de espelho.

               Na frente da televisão, somos todos iguais. Um velho provérbio dizia; Mas não, não era esse o caso. Colocou as chaves na mesinha contígua, um MDF barato que descascava com o tempo e foi pelo corredor no final da sala, estreito e frio, até uma das pilastras junto à escada; Dois quartos se entrelaçavam no caminho, e os cadeados estavam pendurados na parede. Saiu, saiu no frio. De fato , já era 20h 40. A noite continuava se arrastando.


           Passou pelo automóvel na garagem, um sedan qualquer, branco, que nunca fora muito potente. De fato nunca passara dos cem, mas era a sensação da garagem. Olhou para a parede de fora, com as cerâmicas verdes recentemente pintadas, a caixa de correio e a lixeira retráteis e pensou estar seguro num pequeno forte em um terra estrangeira. Fechou o portão com os três cadeados. Não esperava nada demais, e não houve.


          Preparou em um bule, um pouco de água fervente e esquentou a cuia de madeira com um pouco de erva-mate. Era um hábito gaúcho.  Incomum, mas ainda assim rotineiro. Despejou a água na erva e esperou inchar a erva. Da cozinha, passou para a área de serviço, a pequena biblioteca sem livros num quarto contíguo e subiu um escada em caracol; Uma escada de ferro branco, escovado, onde embaixo se escondiam uma bicicleta empenada e alguns caixotes de madeira.


           A escada fazia barulhos estranhos e tremia, a parede escondia uma textura que cortava os cotovelos, e o arrastar da pasta de couro atritava com as ferragens do corrimão. Retirou os sapatos junto ao final da escada e jogou-os junto a um hack onde ficava o rádio. O piso de cerâmica estava frio. Ligou a luz branca que povoava o cômodo e a parede azul começou a limpar sua mente. Cansaço, era o que sentia.


             Jogou a pasta para longe. Entrou num cômodo onde numa estranha sensação de pesar sentiu-se estranhamente confortável. Havia três estantes repletas de livros que envelheciam como vinho meio à poeira e os ácaros, dando um odor estranho de mofo com cravo da índia. Encontrou escrivaninha nova, aquisição recente, onde estavam depositados alguns papéis avulsos, a História de Roma, de Tito Lívio e o laptop preto entreaberto, do lado, conserva-se o conluio entre o antigo e o moderno. O computador de mão e a velha maquina de escrever com uma carta escrita ao meio. Aquele longo deslocamento era proposital.

          Na parede havia dois ou três quadros, todos impressionistas, um primeiro em perspectiva de uma avenida desconhecida de calçado pé-de-moleque, cheia de pinheiros em direção a um Arco do Triunfo. O segundo, uma paisagem floral ao redor de um rio de onde podiam se ver montanhas distante. E o terceiro, um retrato de uma moça morena, de cabelos negros, trajando uma camisa de gola que parecia ter um efeito especial na tela, embora estivesse encolhida atrás de uma das estantes.  Havia nessa estranha composição um arco e flecha indígena, meio retorcido e novamente bonito, que tinha um estranho efeito belicoso num cômodo tão artístico e de novo um relógio de areia que brandia o descontentamento e ansiedade quando nada mais parecia dar certo.



          Esse cômodo era escondido e fechado, só para si. Num espaço de reflexão, o rádio tocava uma música, mas o teclar das teclas era o que povoava sua mente. Difícil ser criativo hoje em dia quando tudo o que era genial já foi escrito. Entretanto era uma tarefa que se dedicava todos os dias, o nariz parecia estar pesado, tencionou cheirar um pouco de rapé. Mas eis que o celular vibrou na madeira da mesa. Aquilo foi um foco de desconcentração.


        Decidiu sair da cadeira, com a ideia resoluta na cabeça de que estava com fome. Seu estômago parecia inchado e depois, concluiu que precisava ir ao banheiro. A casa estava vazia nessa hora, e solitária. Confortável. O cômodo cheirava a um estranho cheiro de lavanda e urina, mas de todo não era agradável. À pia estavam alguns cremes para o cabelo, a pasta de dentes, o desodorante e um rolo de papel-higiênico. O cesto perto, do chuveiro, estava cheio e o vaso parecia ter sido polido recentemente. As paredes conservavam uma cerâmica cor de mármore que era bonita aos olhos e a pequena janelinha de metal no alto era a única fonte de ar daquele cômodo.

        Depois de dada a descarga, saiu da suíte. E olhou o corredor que crescia sobre os seus olhos, sentia uma fraqueza. Não era de fato fome ou queda de pressão, mas vontade de escrever.


        Voltou ao ateliê escondido e fechado. Entrou e lembrou-se que tinha que apresentar um projeto. Tinha prazo curto. Bem curto. Precisava de um orientador e sabia disso. O telefone tocou outra vez e serviu como arma de tortura. Era o Whatsapp, impossível trabalhar assim. Desceu. Foi para a parte de fora da casa, procurou espairecer as ideias e lembrou que tinha roupas no varal.


        Ventava, estava frio e úmido. Tocou uma roupa e ao notar que estava molhada, soltou um palavrão surdo. Chovia mais de uma semana e nenhuma roupa estava seca. Ia ficar sem roupas para sair. Isso foi frustante. Saiu e foi para a sala, onde tudo começou de novo. A tentação da televisão, o sofá de tecido rústico, a mesinha de MDF e as cortinas em temas florais.  Seu nariz atrapalhava, pesava, e percebeu que estava ficando doente.


         Quis se cobrir de mimos, edredons e remédios. Mas no fim, desistiu da ideia e foi para o ateliê. O celular continuava atrapalhando, tocava toda a hora. Em meio a trechos importantes, nada poderia ser escrito. A curiosidade surgiu com o que se passava, digitou a senha no teclado touchscreen e tudo o que viu foi: "KKKKK". Ah, não, não acreditava nisso. Quarenta minutos perdidos para nada.


       KKK. Ku Klux Klan? Pensou, só se for para me desconcentrar. Riu de sua piada sem graça e foi para o quarto descansar. O banheiro da suíte fedia, deu uma segunda descarga e aparentemente tudo melhorou. Fechou a suíte que se tornou hermética aos seus olhos. Ali estavam suas coisas pessoais, seus livros de cabeceira, alguns cadernos avulsos, alguns de seus filmes e a televisão que parecia cada vez mais convidativa. Olhou para o armário e quase não encontrou roupas, vociferou.


      Mesmo assim deitou na cama e olhou para o alto. Eram quase dez da noite. Seis da manhã teria que estar de pé de novo, teria que ir trabalhar. Que rotina! Procurou um livro para ler, deu uma olhada em três palavras e desistiu. Não tinha mais ânimo para isso, o cansaço apareceu. Mas isso nem lhe preocupava. Realmente olhar para o teto era uma sensação reveladora.


      Solidão. Esperança. Medo. Desejo. Sensações rotineiras, mas que às vezes circundam à mente. A noite estava escura e fria. Cada vez mais amarga e sem qualquer indício de animação. A televisão parecia cada vez mais convidativa, a luz vermelha que emanava por baixo de seu vidro risonho parecia hipnotizar a alma. E num lampejo de fraqueza desejou assistir televisão, desejou beber alguma coisa, ou chorar. Mas por quê? Será que o mundo só se traduzir a necessidades e desejos? Será que somos criaturas tão vis que nos rendemos ao nosso individualismo? A reflexão metafórica tomou sua consciência.

        E no fim desejou adormecer, mas eis que a insônia apareceu. As memórias do passado surgiram. Culpa, remorso. Medo. Solidão. A mente é um castelo de cartas, a casa é um castelo da mente. O corpo é uma fortaleza da alma. A alma é uma fortaleza da vida. Metáforas e mais metáforas. Dúvidas de coração vazio nem sempre respondem as grandes perguntas da vida.


      Sentiu vontade de comprar um gato, pelo menos para fazer companhia, mais eis que ela desistiu de qualquer uma dessas ideias, pois afinal. Era só mais um dia difícil numa cidade cosmopolita no meio do nada do sul da América do Sul.


       Ela. Porque teria que ser ela e não ele? Porque não importa o gênero nossos tempos são tão novos que as crescentes dúvidas não escolhem gênero, classe ou grupo social.
        

domingo, 20 de julho de 2014

O suspiro da esquerda

        Ser de esquerda é ter um espírito próprio de se indagar sobre as injustiças do mundo, questionar os motivos para ter uma divisão absurda dos recursos materiais e humanos maior para alguns e quase nula para outros; É se compadecer com o sofrimento de muitos (e quando não for muitos mais, é ainda se compadecer com o sofrimento humano, mesmo que seja minoria).

        Não admitir ser comodista é ser logicamente um progressista, e quem é de esquerda de verdade acredita inerentemente no progresso: O progresso material e social; Seja pela revolução, seja por uma economia de transição, quem é de esquerda crê construir algo de melhor; e no fim das contas, é uma pessoa bem intencionada por esses motivos.

       Um verdadeiro partidário de esquerda é disposto a fazer sacrifícios em torno de um pouco mais de igualdade, justiça; sabe que a vida será um martírio, mas aceita de bom grado o desafio. Espera com uma moral arrebatadora o melhor de seus companheiros e o melhor de si, cobra todos os dias por eficiência em suas ações, e humanidade em seus atos. Ser de esquerda é pensar em quesitos humanísticos;

        Mas o que fazer quando mesmo com o melhor dos espíritos nossos ideais são usurpados pela demagogia? Quando tiranos se aproveitam de nossos sonhos para impor um centralismo democrático tradicionalmente autoritário? Eles se corromperam ao acreditar que a mera violência por si mesma é solucionadora inerente dos problemas sociais; ao contrário, a violência pode ser a parteira da História, mas não é a única, e não podemos aceitar que ela se mantenha mesmo quando mantemos firme o nosso ideal.

      A violência inerente com que a Revolução Russa levou uma sociedade que buscava seguir um caminho é algo que entristece de fato um segmento da social-democracia, é como se fosse uma mácula do pensamento socialista. "Não existem revoluções que não tenham tido Terror", Lenin teria dito. Em verdade, a justificativa que ele apresentou foi a partir da análise da Ditadura de Oliver Crowell e do Terro Jacobino de Robespierre, mas os próprios ocasionadores do Terror são fagocitados por sua própria criação, numa variação da novela de Robert Stevenson, Doctor Jekyll and Mister Hyde. O terror expõe as piores características humanas, a sua propensão pela violência.

       E a despeito de o Iluminismo ter declarado que toda a violência é válida quando há um motivo justo, nenhuma violência é tecnicamente racional, nem quando houve o Termidor ou a caça aos kulaks na URSS, muito menos na Revolução Cultural. Nenhuma violência é válida pela simples razão de que ela não só viola os direitos do homem à vida e á liberdade, como também ceifa  a sociedade de um espaço de discussão para o predomínio da loucura e da violência, inicia-se um caos social em que vizinho denuncia vizinho, amigo trai amigo e mulher se vinga do marido. As coisas mais mesquinhas aparecem por baixo do barranco.

        Ser de esquerda é um exercício diário de humildade. Um exercício que muitas pessoas não conseguem manter quando chegam ao poder, e acabam impondo com violência a sua verdade a outras pessoas, seja opositores ou entusiastas; O maior delito que o pensamento radical construiu foi tentar impor valores sociais universais sem observar a realidade cultural de uma sociedade, tampouco, muitas vezes destruíam a realidade política a partir de assassinatos políticos e prisões.

         O seio do ideal revolucionário é a destruição criativa. Destruir o sistema capitalista para construir algo inteiramente novo, um niilismo com propósitos nobres, mas nem sempre reais; Tal como hoje as velhas marias-fumaças enferrujam em seu ostracismo para dar lugar aos trens-bala, ou mesmo os automóveis darão lugar para o futuro teletransporte no futuro médio-distante, os revolucionários acreditavam que o capitalismo estava fadado à sua destruição.

        A questão é que o capitalismo continua firme e forte (apesar que tenha seus momentos de fraqueza, conforme os ciclos de Kondratiev), e nesses momentos de crise, onde o povo sofre os mais profundos efeitos enquanto a concentração de renda aumenta, o capitalismo se renova e se refaz para continuar seu caminho: Às vezes ele cede às pressões sociais e toma "medidas profiláticas" de evitar novas revoluções, como foi o caso do New Deal, outras vezes, acaba retirando todas as seguridades sociais em torno da ilusão da eficiência das grandes empresas, neoliberalismo tharcheriano.

        O fato que o atual sistema continua sendo assustadoramente eficiente para produzir riquezas, e crescendo cada vez mais, não só por mexer com os vícios e aspirações psicológicas das pessoas (que a psicologia econômica e a microeconomia hoje estudam com afinco), como também levou a uma proporção metafilosófica a vida cambial. 

           Não que o dinheiro já não fosse um conjunto filosófico de conferir valor a um bem que na verdade é só um pedaço de papel pintado (tal como o ouro ainda é um mineral dourado com propriedades reconhecidas apenas na eletrônica), mas o dinheiro passou a ter uma proporção cada vez menos palpável e concreta, até chegar ao nível filosófico intrísseco e ser atrelado ao conceito de número imaginário: um número existente na teoria, mas inexistente no mundo prático, exceto na computação. E esse é  o valor do dinheiro hoje, o dinheiro hoje é um número imaginário que se elevado ao quadrado pode dar negativo, porque no fim, não há nada mais virtual e tecnológico do que o mercado de ações.

            E o mercado de ações é um vício como outro qualquer, é uma evolução do Pôquer ou do Black Jack, onde você aposta todas as suas fichas em determinadas frações de uma empresa (sem necessariamente ter poder de administração desse negócio) para no fim esperar ter um ganho financeiro em cima de outra pessoa: No Black Jack, você nunca ganha nada em cima da casa, você sempre ganha em cima do fracasso de outro jogador. Psicologicamente falando, especulação é um vício tal como o vício em jogo de cartas e talvez tenha sido assim que surgiu a especulação, com o jogo.

          O caráter lúdico do ganho de dinheiro não pode ser quantificado, assim como o caráter de colocarmos valores irreais num bem ou produto. Tal como foi com a Crise das Tulipas, na Holanda, que foi a primeira crise financeira que se teve notícia no mercado de valores.

            Em todo caso, o papel da esquerda é fazer valer as regras sociais do jogo; defender os perdedores desse processo que não são levados em conta nesse vício lúdico que é o mercado de ações: os empregados, os proletários que vendem a sua mão de obra em troca de sua própria sobrevivência;

           Marx dizia que a medida que os anos passariam, as tensões entre a burguesia e o proletariado aumentariam de modo que as fileiras do proletariado aumentariam cada vez mais juntamente com a exploração da burguesia sobre essa classe; Entretanto, Marx estava errado, no momento chave da expansão do capitalismo, o trabalhador inglês teve um aumento no seu poder aquisitivo em por volta de 15%, é claro que o lucro do burguês foi ainda maior, mas isso mostra que apesar do aumento da exploração, houve também um aumento dos direitos do trabalhador.

              Isso incrivelmente se deu graças aos liberais e não aos socialistas, embora os socialistas estejam ligados a esse processo; os liberais foram responsáveis pela expansão do sistema educacional para as classes mais baixas devido à necessidade cada vez maior de técnicos para trabalharem nas fábricas, isso levou a um aumento do salário devido à lei da oferta e da procura, e quem não se especializou ficou para o exército de reserva. Foi uma janela de oportunidades que se abriu nas fileiras do proletariado.

              Os movimentos trabalhistas eram duramente combatidos pelos conservadores, mas o liberalismo inglês foi perspicaz ao compreender que algumas mudanças pontuais no sistema, "medidas profiláticas", esse é o termo da literatura da época, eram interessantes para o seu projeto político de criar uma sociedade nova a partir de seus referenciais pressupostos: A felicidade geral do homem a partir do ganho material e das riquezas. E só numa sociedade estável, sem indícios de lutas internas violentas isso poderia se desenvolver, assim para acalantar as reivindicações sociais os liberais começaram a fazer concessões aos trabalhadores, lentas obviamente.

               O papel da esquerda e dos trabalhistas é ser a vanguarda das mudanças sociais, é estimular cada vez mais que a exploração sobre o trabalhador comum seja menor e que ele passe a ter mais direitos; o papel dos conservadores é impedir que essas mudanças sejam nocivas ao corpo social como inteiro, para que não aja rupturas e derramamento de sangue, eles defenderam os pontos de vista dos "exploradores", mas eles também são responsáveis por uma parcela da identidade cultural da sociedade. E o papel dos liberais é mediar esses dois grupos, e por isso que o papel do liberal é o mais difícil, pois além dele ser criticado pelos dois lados, ele é vulnerável em certas épocas a desaparecer, como foi o caso do período entre a crise de 1929 até o final da Segunda Guerra Mundial;

          O problema de mudanças bruscas na sociedade é acabar deixando a sociedade instável politicamente e sem um norte jurídico, nesse tipo de situação os impulsos psicológicos mais mesquinhos aparecem em atitudes francamente impensadas. Uma sociedade civil deve sempre buscar o equilíbrio entre o radicalismo e conservadorismo para a sua segurança institucional, caso isso não ocorra corre-se o risco de todas as antigas normas sociais serem desconsideradas.

      A classe média (petit-bourgeosie, nos conceitos marxistas) é a vanguarda do pensamento conservador, não à toa que o fascismo, bem como o nazismo nasceram (e foram apoiados) em massa pela classe média italiana e alemã frustrada com suas perdas na crise de 29 e com o "perigo vermelho" que representava a União Soviética e o bolchevismo.

         A classe média é instável consigo mesma, ela deseja se tornar uma burguesia com o poder aquisitivo e seguridade social desejados, mas tem um trauma de sempre estar em perigo constante de acabar se empobrecendo e entrando no proletariado. De modo que ela tem medo da pobreza, e esse medo faz com que ela aceite as coisas mais absurdas possíveis em prol de sua "falsa sensação de segurança". Tal reacionária quanto a classe média talvez só o camponês, como diria o Lênin em "Como iludir o povo", e Marx em vários escritos.


        Entretanto a classe média também é uma das mais beneficiadas pelas lutas históricas da esquerda, ela conseguiu a previdência social, direitos trabalhistas, sistema de saúde, férias, e outras coisas que só foram obtidas a partir de lutas do proletariado. Ela é esquizofrênica em sua constituição e digo sem mais delongas, nunca será homogênea em seus interesses.

        O radicalismo assusta a pequena-burguesia, e o radicalismo demais leva ao proletariado a tomar atitudes que externar a catarse de sua exploração por meio da violência a outros indivíduos, e esse é o perigo. O perigo de as lutas desconfigurarem por inteiro o convívio social, além do fato da reação descabida do conservadorismo.

            Pior que o conservadorismo é o reacionarismo; O reacionarismo é um morto-vivo, um zumbi histórico, que aparece só em sociedades que não são tecnicamente desenvolvidas economicamente ou politicamente, pois não há coisa mais anacrônica que invocar o passado como modelo. O reacionarismo é possível em contextos repressivos de estados "atrasados", como a Rússia, Áustria e Prússia na Santa Aliança pós-Congresso de Viena, a  Espanha de Franco depois da derrota dos republicanos na Guerra Civil Espanhola, Portugal (sempre sendo Portugal) de Salazar, a Argentina no golpe de 1930 pela aliança dos agropecuários com o exército para derrubar Yrigoyen, e o Brasil em 1964 com a sua Marcha da Família com Deus para Liberdade, e os TFP, onde a classe média apoiou o golpe civil-militar para acabar "com o perigo vermelho".


              O papel da esquerda é difícil, ser a vanguarda das mudanças e demandas sociais nem sempre é fácil; Ela tem que lutar não só com os liberais e conservadores, como também tem que tentar dar uma homogeneidade aos anseios sociais existentes para que a vontade da maioria prevaleça; Na política, quando se está fora do poder, deve-se ser oposição, denunciar os erros e defender os desejos sociais. No poder deve tomar cuidado com a arrogância e passar a ouvir bem a sua base, compreender a identidade política existente e ter cuidado para não ser autoritário.

              A União Soviética é sem dúvida nosso melhor legado; e sabem porquê, ela nos ensinou o que devemos fazer e, o principal, o que não fazer. O experimentalismo soviético deve ser louvado, então devemos dar fim ao nosso constrangimento quando lembramos que o muro de Berlim deu presságio ao agouro de Hitler: "Basta chutar a porta que o resto desmoronará". Tudo desmoronou porque deixamos, e esse foi o nosso erro.

                 Hoje temos que saber que uma economia estritamente planificada é uma forma completamente difícil e complicada de gerir recursos, que não é muito eficiente frente a uma economia de mercado e que não podemos aplicá-la do jeito radical na forma de Planos Quinquenais tal com a URSS aplicou desde Stálin e a China aplica até hoje. Devemos dar espaço às discussões, não exercendo pressão imediata nos grupos sociais existentes, para não cair no mito da inflabilidade de um Grande Líder ou de um modelo, devemos ser humildes para reconhecer nossos erros. Nós somos socialistas, não somos clérigos da Igreja.

          O suspiro da Esquerda é de alívio, na medida que abandonamos o Zero e o infinito e o Arquipélago Gulag, hoje não há espaço para ditaduras; e o que aprendemos com isso tudo é ter sempre ciência no nosso papel como transformadores sociais; a social-democracia nórdica não teria tido forças sem o radicalismo bolchevique, tampouco o Welfare state francês ou alemão teria nascido senão tivesse a sombra de um bolchevismo forte, ou mesmo as pressões sindicais cotidianas.

               Temos que identificar nossos erros sem nos basear em fidelidades pessoais, e esse é o nosso perigo hoje. Ficamos tão calados, tão presos a um modelo que estamos aceitando o esvaziamento de nossos ideais tão rápido em torno de um populismo e um assalto do Estado por usurpadores autoritários, seja na América Latina, seja na Europa. Temos que aprender com a União Soviética e o Zero e o infinito a nunca nos calarmos, a criticar até mesmo quem se diz ser dos nossos, pois um socialista na verdade nunca se deixaria levar pela corrupção e pelo populismo desorganizado.

               A União Soviética nos mostra que começar tudo do zero é perigoso, sempre teremos que ter um autocontrole imenso para impedir nossos erros e ainda assim não fugiremos ao nosso passado. A ruptura inteira com nosso passado inexiste, é um sonho que não poderemos manter, de modo que criar um novo com a destruição do que já existiu é impossível, mas é possível modelar nosso tempo conforme as necessidades existentes.

                A esquerda deveria estudar a União Soviética, estudar de verdade. Olhar seus erros, olhar o que deu errado e que não deve ser repetido. Deveria olhar para os que erram ainda hoje, Coreia do Norte, Cuba; e os que tentam se renovar e ainda não se encontraram direito, seja os ex-comunistas da Europa Oriental ou a China. Isso mostraria bem o que devemos fazer no futuro.

                E não podemos nos esquecer as realizações do soviéticos. O combate ao analfabetismo (que só teve força com o poder bolchevique), as liberdades e direitos da mulher, o nascimento do feminismo como campo teórico, o experimentalismo soviético nas artes de vanguarda, seja cinema, seja artes plástica e teatro. As novas concepções de música e arquitetura, a transformação rápida para uma sociedade industrial de indústria pesada; As realizações científicas no campo da cosmonáutica e da medicina.

                  Mais do que isso, há um período muito bom para ser estudado que desgraçadamente foi deixado para trás, o laboratório de experiências: A década de 20 na União Soviética, onde se chegou mais perto de uma sociedade democrática na Rússia, com suas experiências "mais ou menos" bem sucedidas no campo de planejamento econômico na agricultura e na economia: a NEP.

                  Sim, parece desenterrar um cadáver, mas a NEP pode ser a resposta para os nossos problemas econômicos hoje, a teoria esbouçada por Bukharin e Rykov responde aos anseios de construir uma sociedade que haja ao mesmo tempo desenvolvimento econômico com a manutenção da seguridade social, com  o firme controle do Estado em empreendimentos de significância estratégica, e a manutenção do livre mercado num aspecto de pequena e média propriedade. Os soviéticos têm muito a nos ensinar ainda.

              O espírito de Lenin pode ter desaparecido, mas os ensinamentos dos soviéticos nem tanto. Eles têm muito a ensinar na sua sombra do passado e hoje, quase vinte e três anos desde a irresponsabilidade de Gorbachiov e Yeltsin, o mundo e sobretudo os intelectuais de esquerda podem olhar tudo com outros olhos.

               O suspiro da esquerda é poder olhar seu passado agora criticamente e poder reconstruir seu futuro de maneira tecnicamente autossustentável. Esse é o legado da União Soviética que não podemos deixar desaparecer: aprender com nossos erros e seguir em frente.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A Guerra Civil Ucraniana

         Para a desgraça do povo ucraniano a relação de um país dividido em dois mundos trouxe reverberações cada vez mais dramáticas. A Ucrânia assim como boa parte do leste europeu é uma terra em que tudo o que não existe é unanimidade, sempre há discussões acaloradas, seja sobre os rumos do país, seja quais serão os papéis que os ucranianos devam desempenhar no mundo e o que esperar do futuro. A Ucrânia tem um longo passado, que remonta o século IX, um passado de relação tênue com a Rússia.

               Mas os eventos dramáticos conduzidos pela relação com a Rússia levaram ao crescimento de um pensamento russofóbico, fundamentalmente assentado com as medidas conservadoras e repressivas de um Império em decadência, seja os pogroms realizados no sul da Ucrânia na época dos Romanov, seja as coletivizações forçadas dos soviéticos.

              Os ucranianos são um povo normalmente conhecido por sua humildade, afinal boa parte da população ucraniana surgiu do campo, e o seu sofrimento é algo que sempre foi extravasado seja por sua cultura de danças, músicas e gopak, com o auxílio de uma religiosidade incrustada a valores campesinos. Os ucranianos sempre tiveram que lidar de alguma forma com as invasões de outros povos, seja poloneses, teutônicos, franceses ou alemães. Os russos sempre tiveram uma presença muito forte na região conforme seus valores culturais semelhantes e a língua.

                Para os ucranianos não é tão fácil viver numa situação tão submissa em relação à Rússia ou à Europa, as terras ucranianas sempre foram vistas como um campo de trigo cheio de riquezas para ambos os lados, e a Ucrânia sempre sofreu pela condição de ter as terras mais férteis do mundo. Por isso, há interesses imediatos da União Européia em tornar a Ucrânia em um celeiro da Europa.

                  Para a Ucrânia uma eventual entrada na União Européia resultaria numa melhoria do padrão de vida dos cidadãos ucranianos, que participariam dessa forma da comunidade europeia, mas isso resultaria também num aumento do desemprego que é relativamente alto. A indústria ucraniana não é competitiva frente às indústrias  da comunidade européia e com a revogação das taxas alfandegárias, boa parte acabaria fechando as portas frente a competição acirrada de outras empresas.

               Além disso a comunidade européia exige nesse dado momento um plano de contenção de gastos de cada um dos membros para a superação da crise de 2008, isso inclui redução dos gastos públicos e dos programas de seguridade social. O que para alguns setores acostumados com o legado da União Soviética é impensável, além disso, grupos ligados à corrupção, tráfico de drogas e de mulheres seriam tratados com maior rigor (trazendo assim problemas à Máfia ucraniana).

             A Ucrânia está na balança de pêndulo. A Rússia tinha oferecido uma proposta diferente, de manutenção da indústria ucraniana atrelada à também indústria obsoleta russa, uma abertura de mercado entre os dois países e um fornecimento mais barato do gás russo (do qual a Ucrânia é dependente), entretanto em fins práticos a Ucrânia só reafirmaria a sua dependência histórica da Rússia.

              O medo de alguns setores ucranianos e de boa parte da União Européia é que a União Euroasiática de Putin reverbere para uma aliança que ponha em cheque algum dia à União Europeia para a sua expansão para a Europa Oriental (e não a retomada da União Soviética como diriam alguns menos informados).

             Os ucranianos passaram por aquela crise institucional com a queda de Yakunovich e a intervenção russa em Sebastopol, assim a crise financeira resultante da inflação e dos efeitos de 2008 na economia ucraniana se agravou, o povo passou a lutar nas ruas de Kiev por uma liberdade do "jugo russo" e o "sonho europeu",  essas pessoas querem ser consideradas ocidentais, querem consumir do bom e do melhor, e não estão erradas.

               A despeito do paradigma de lutas, em que alguns ucranianos se veem mais temerosos com o que a União Europeia oferece e por isso se voltam para a esfera de influência russa, ainda tem um problema crucial, há um número alto de russos que permaneceram na Ucrânia em decorrência da queda da União Soviética, são cidadãos russos que forçosamente ou não ficaram em outros países e não são vistos com a mesma condição que os cidadãos locais.

         O caldeirão cultural da Europa Oriental sempre foi motivo de grande dor de cabeça, principalmente para as proposições generalizantes dos países ocidentais, e a rigor, os ucranianos são vítimas de um processo de esfacelamento identitário, não só porque estão perdendo seus  vínculos tradicionais, como estão sendo divididos em duas identidades: Ucranianos pró-Ocidente e Ucraniano pró-Rússia.

          Essa divisão traz resultados que só poderão ser observados a longo prazo, é uma "nova separação da Alemanha" só que sem um muro de Berlim, a retórica de ambos os lados não auxilia muito:

         A União Europeia acusa a Rússia de ferir a autodeterminação dos povos ao intervir militarmente na região da Crimeia (que não é tradicionalmente uma região ucraniana) e de incentivar o movimento separatista da Ucrânia Oriental, e a Rússia acusa a UE por incentivar um bloqueio econômico contra a sua economia, financiar grupos neonazistas e ter propiciado um golpe ao governo eleito de Yakunovich.

         Os dois lados estão certos e errados ao mesmo tempo. A situação insustentável que a Ucrânia foi levada não teve outro resultado senão uma nova guerra civil, e a ilusão falsa que tivemos de uma nova Belle Epoque dos anos 90 até 2008 se encerrou com a constatação máxima que acumulamos 20 guerras civis desde 2007.

          A capacidade que o ser humano tem em se autodestruir por ideias é impressionante, os massacres no aeroporto Sergei Prokofiev, em Donetsk, onde o exército ucraniano e rebeldes levaram a um morticínio sem fim nas veredas do asfalto da pista, com corpos se acumulando entre carros e ambulâncias de socorro paradas. Franco-atiradores, milicianos e ataques aéreos numa região que anteriormente estava carregada de turistas para assistir a Eurocopa de 2012 (a de reconciliação entre a Polônia e Ucrânia).

          Os desvios, o turismo sexual e os protestos que emanaram do Femen já mostravam que as coisas na Ucrânia já não estavam muito boas em 2012, mas chegaram ao cataclismo dramático de mortes e atmosfera balcânica que se respira nos bosques e nas ruas de Kiev, Kharkov e Donetsk.

          Os jornais ocidentais e os governo anglo-franceses elegeram a Rússia como a grande vilã ao status-quo europeu e exerceram um bloqueio à "tirania ultrajante de Putin", Obama se enfiou no meio da briga para a procura de status junto à sua queda de popularidade cada vez mais dramática desde sua eleição em 2008 e Putin desejoso em se manter como um líder inconteste da Rússia pós-Yeltsin articulou-se com a Igreja Ortodoxa e setores conservadores o édito contra os homossexuais na Rússia, bem como os incentivos aos grandes magnatas russos na economia de petrodólares após a queda da URSS.

           É terrível o que essa falta de comunicação entre a diplomacia europeia produz aos ucranianos, e depois dos massacres em massa, com verdadeiros pogroms promovidos em praça público pelos neonazistas ucranianos, ou mesmo pelo próprio Exército Ucraniano a seus cidadãos, Angela Merkel veio conversar em bom russo com Vladimir Putin na cerimônia para celebrar os 70 anos do Dia D, que ocorreu na França no dia 6 de junho, onde Putin também conversou com Obama.

             Provavelmente a crise ucraniana na parte diplomática pode estar se resolvendo, mas do ponto de vista humanitário não, a cultura política do país foi esfacelada, pessoas foram literalmente trucidadas em praça pública e os ódios e revanchismos demoraram para serem apagados, e tudo por um jogo de interesses hipócrita que controlou a mentalidade de enfrentamento tenaz comum aos povos eslavos.

            

A crise da Ucrânia não começou esse ano, começou em Yalta




            A eclosão da grande crise internacional se deu na Crimeia, mas não em 2014, mas em 1945. Hoje, sob os resquícios de quase setenta anos do grande plano de divisão mundial sob a égide da luta contra o fascismo internacional, a Crimeia novamente é o palco mundial.

            A Ucrânia tem a desgraça em viver sob dois mundos, sob a Europa e sob a Rússia e foi nessa coexistência que o antigo país soviético continuava existindo, a questão é que a situação da Ucrânia não é tão simples quanto a gente imagina: A Ucrânia é o berço natal da cultura russa, é a grande arca da Aliança entre o povo russo com a ortodoxia e a sua história remete desde  a formação do Principado de Rus' em Kiev, pelo grão-príncipe Oleg, filho de Rurik, o Grande. Ali se formulou as bases do primeiro reino sob as estepes russas, onde houve a codificação das leis e os costumes na Russkaya Pravda na época do grão-príncipe, Vladimir, o sábio.

            Após a imigração dos varegues (normandos) às estepes russas no século VIII, com a chegada a corte de Rurik, um nobre viking à Rússia à convite das tribos eslavas existentes naquela grossa faixa de terra repleta de florestas, pradarias e pântanos, formou-se a primeira agremiação de estado centralizado em torno da Grã-Cidade de Novgorod. (Novgorod literalmente quer dizer “Nova Cidade”) e após as investidas do incipiente principado  sob as tribos eslavas ao sul, e as tribos fino-úgricas ao norte, Oleg Rurikevich (“filho de Rurik” e descendente do trono de Novgorod) acompanhado de alguns cavaleiros normados e homens armados de Novgorod desceram sob o Dnieper e conquistaram a cidade de Kiev, a qual se tornou a capital do novo estado que se formava;

            “Askold e Dir desceram o Dnieper e viram uma cidade sobre a colina e perguntaram: “que cidade é aquela?” E os habitantes responderam: “Eram três irmãos, Kii, Chtchok e Khorik, que fundaram esta cidade (Kiev) e morreram. Nós pertencemos ao seu clã” Crônica de Nestor (1110-1113) .


            Kiev tinha sua importância por ser uma ponte de ligação entre Novgorod e o Império Bizantino e consequentemente Novgorod era a ponte de ligação de Rus’ com a Escandinávia, de modo que a construção dessa ponte de ligação germinou a formação do principado em questão, e posteriormente, após os sucessos comerciais dessa ponte de ligação, Novgorod, assim como Pskov e outras cidades do Báltico vieram a integrar a Liga hanseática.
            Kiev é mãe das três Rússias, a Rússia Pequena (Ucrânia, literalmente “a terra da fronteira”), a Rússia Branca (Bielorrússia) e a Rússia propriamente dita. Após lutas sucessórias e assassinatos de regentes, os descendentes de Oleg dividiram o Principado de Rus’ em vários pequenos principados fracos e francamente com uma tênue ligação entre si.
            Isso facilitou as invasões sazonais de kipchaks e pechenegs (tribos nômades e guerreiras de origem túrquica) ao território de Rus’ que teve que aprender a lidar com as invasões com as vias das armas, mas isso não obrigatoriamente deixou a Rússia imune a um invasor ardiloso e bem treinado. Os mongóis.


“Para nossa desgraça, tribos desconhecidas apareceram” Crônica de Novgorod, 1224.
           
        O general mongol Subodei iniciou uma cruzada de expansão do Império Mongol para o ocidente e rapidamente os soldados desse líder, arregimentados em regimentos de cavalaria altamente organizada em arco e flecha de extrema velocidade e poder de fogo puderam dominar sem muito sacrifício a região do Cáucaso tomando sem muito sacrifício a região da Ibéria e da Geórgia Medieval, esse pequeno país se tornou o primeiro estado-vassalo dos mongóis na Europa.



         O exército mongol continuou o seu avanço para o Ocidente, chegando à planície extensa na parte norte Mar Negro, essa porção de terra viria a se constituir a parte sul da Rússia e a Ucrânia. Contudo, os principados russos  conseguiram se unir contra o invasor, Smolensk, Galich, Chernigov, Kiev, Volinia, Kursk, Suzdal e tantos outros. Sob a liderança de três exércitos, liderados por três príncipes respectivamente chamados Mstislav, que representavam Galich, Chernigov e Kiev se digladiaram contra os mongóis.
            Mstislav Romanovich, de Kiev, trazia consigo o maior dos exércitos, incluindo dois genros e a medida que os mongóis chegavam, menos os russos estavam dispostos a negociar, chegou ao ponto de todos os dez embaixadores enviados pelos tártaros terem sido mortos pelas mãos dos russos.


Num tropel de cavalos que reverberava a terra negra dos bosques russos, os mongóis iniciaram uma escaramuça contra os principados russos, atraindo-os para uma armadilha junto ao rio Kalka e conforme as crônicas do período diziam, cerca de 40 a 80 mil soldados russos contra o dobro de mongóis foram derrotados pela ação bem arregimentada da cavalaria tártara, e os principados russos, onde a Crônica de Novgorod chegava a estabelecer que “um em cada 10 homens voltou para casa”,acabaram sendo derrotados e subjulgados de forma bastante tênue a partir  do pagamento de impostos.


Os russos sempre viram os tártaros como flagelos de Deus, embora fossem eles próprios que com sua experiência trouxeram a primeira forma de estado centralizado da Rússia. Os russos devem muito aos mongóis, não só pela formação de um estado arregimentado em uma hierarquia sólida, como organismos de vigilância bastante violentos e eficazes, além da construção de uma sociedade agrária e dissociada da Europa.


A Rússia se desenvolveu razoavelmente bem nesse período sem a Europa, mas após a unificação imposta por Ivan, o Terrível, a Rússia iniciou uma longa expansão para a Sibéria e para o Ocidente, enfrentando agora as potências europeias.


A subjugação dos principados russos ao Khan do Canato de Kazan trouxe um dilema, os principados rutenos passaram a ser incorporados um a um por meio de guerras e tratados de anexação com a República das Duas Nações, formada por Polônia e Lituânia, formando um bolsão agrícola dessas duas nações formadas a partir do reinado de Jagiello, na maior nação europeia no Centro-Leste, e a Polônia possuía enorme influência nos pântanos da Bielorrússia e nos campos de trigo da Ucrânia Ocidental e Oriental.


A despeito das tentativas de Ivan, o Terrível em trazer essas terras para o jugo moscovita as tentativas se demonstraram falhas principalmente depois de sua morte, quando a Rússia passou pela  Época das Adversidades que só terminou em 1616, quando os Romanov subiram ao trono para uma eleição.


Os poloneses à essa altura eram profundamente odiados pelos russos, os mesmos russos que tinham subjugado os tártaros com a conquista de Kazan nas campanhas de Ivan, o Terrível, tinham voltado os olhos ao ocidente. Os poloneses representavam um engodo, e mais do que isso fomentavam inúmeras intrigas palacianas no Kremlin, desde colocar dois monarcas falsos (Episódio dos Falsos Dimitris) até invadir Moscou e incendiar a cidade, os poloneses também foram acusados de crimes bárbaros contra a população civil, de forma descrita na história de Ivan Susanin.


A Polonia novamente tinha entrado em guerra contra a Rússia e os moscovitas se preparavam para o cerco das armas de guerra e da cavalaria polonesa, a defesa da cidade ficou ao encargo de um boiardo chamado Dmitri Pozharsky e um tártaro que tinha feito juramento à Moscou, Kusmá Minim, esses dois mobilizaram a população da cidade para um esquema de barricadas e defesas das torres que resultou numa vitória contra os poloneses.


Nesse ínterim, as eleições para um novo czar transcorriam entre as famílias nobres para a estabilização da Rússia frente às ameaças externas e os poloneses cientes disso viam com malgrado a ideia da ascensão de um Romanov, sobretudo pelo fato que os Romanov eram uma família proeminente na época de Ivan, o Terrível. A primeira esposa de Ivan IV era uma Romanov e os Romanov notabilizavam-se por uma aversão ferrenha aos poloneses.


Ivan Susanin era um camponês ao que tudo indica, os poloneses corriam em direção aos bosques de Alexandrovo para assassinar o herdeiro do trono, Aleksei Romanov, contudo encontraram esse velho camponês no caminho que disse saber onde se encontrava o futuro czar. Por alguma sorte, Ivan Susanin conseguiu enviar alguém para avisar os Romanov a tempo e conduziu os poloneses para um caminho errado, quando os polacos perceberam a artimanha, puseram a fio de espada o pobre camponês. 


“Uma vida por um czar”, esse era o título da ópera de Mikhail Glinka em sua homenagem, mas a realidade é que a mudança trazida pelo príncipe Aleksei foi trazida apenas com o nascimento de seu filho, Pedro, o grande. Responsável pela abertura da Rússia à Europa e a retomada do projeto de expansão ao ocidente, com isso, e a aliança entre a monarquia e os cossacos datada do século XVII, o ciclo de expansão russa se iniciou a partir de sucessivas guerras contra os tártaros da Criméia, vassalos dos turco-otomanos, e contras os suecos, livônios e poloneses, tendo a maior repercussão foi a participação russa na Guerra dos Trinta Anos.


Após a vitória dos russos sobre os suecos, que resultou na completa desmobilização do exercito sueco e a abertura de um regime de base parlamentar nesse país, a Rússia tomou seus aspirados domínios do Báltico e a Finlândia.


De toda a forma, a gérmen do pensamento eslavo mantinha-se de certa forma no circuito entre Novgorod, Vladimir, Moscou e Kiev, de modo que a grande potência que se formava tinha bases tradicionais ainda bem aguçadas com os Principados Russos.


A despeito do domínio russo sobre a Ucrânia, os ucranianos se conservaram sem grandes problemas ao Império, retirando os levantes camponeses de Stepan Razin, que ocorreram sazonalmente em decorrência da fome ou da administração ineficiente do Império.


A Ucrânia, tal como outras partes do Império, se traduz como um grande celeiro produtor de carne e trigo, com uma das terras mais férteis do mundo. De fato, a Ucrânia tinha uma industrialização incipiente quando estava na virada do século XIX para o XX, com industrias pontuais em Kiev, Kharkov, Donetsk e Odessa. Odessa se caracterizou como o grande porto de contato e de exportações com a Europa, enquanto Sebastopol se caracterizava por ser uma base militar bastante importante.


Os ucranianos embora povos irmãos dos russos se viam desconfortáveis com a sua condição de pobreza e abandono por parte dos governantes moscovitas, embora tenha outras razões culturais, a iminência de um antissemitismo por parte de algumas populações ucranianas, sobretudo em Odessa levou a massacres sucessivos de judeus nos guetos, e com a complacência dos próprios administradores czaristas, cada vez mais intolerantes à outras agremiações religiosas no processo de russificação das nações, os pogroms se proliferaram no reinado de Nicolau II.


Acredito que essas é uma das bases de alguns judeus, revoltados com sua pobreza e com a sucessiva violência a eles infligida, optaram por uma via mais revolucionária de resolução dos seus problemas, de modo que Odessa e outras localidades da Rússia se tornaram antros revolucionários, e até mesmo uma revolta naval, a do Encouraçado Potemkin foi feita.


Em termos leigos, a Primeira Guerra Mundial resultou num grande fiasco para a Rússia, além de ter levado à mortes sucessivas de soldados, ter mostrado o despreparo do exército russo, baseado num modelo francês de guerra, e ter acabado no fim com a autocracia, levou a um governo provisório fraco e sem representatividade definida.

Com o avanço dos alemães na fronteira russa e a assinatura do Tratado de Brest-Litowsky, porções da Rússia, como a Polônia, os países bálticos e a Ucrânia caíram  nas mãos dos alemães, levando à indignação dos ocidentais. O domínio alemão na Ucrânia nunca foi algo bem definido, e os alemães não tinham meios logísticos ou de força para obter os grãos que tanto esperavam. E no caldeirão revolucionário resultante de Outubro de 1917, os camponeses ucranianos iniciaram uma revolução antes da revolução das cidades, bem como formaram exércitos de luta tanto contra os alemães, contra os bolcheviques e guardas brancos, o exército negro de Makno, e  o exército verde de nacionalistas ucranianos.


A Ucrânia foi o maior palco de atuação na Guerra Civil Russa depois da Sibéria e do Don, pelo menos cinco exércitos se digladiaram em seu território, cada um com matiz ideológica diferente, e com a eminência de uma vitória bolchevique, que se mostraram mais fortes e organizados, os nacionalistas ucranianos solicitaram o apoio dos poloneses contra a Rússia. A Guerra Polaco-Soviética.

No esforço de guerra os soviéticos tomaram medidas completamente autoritárias como o confisco da produção agrícola dos camponeses, como produto do comunismo de guerra, e os camponeses não contentes com isso queimavam a sua produção e resistiam à guarnições do Exército Vermelho.


Quando finalmente a guerra acabou e o comunismo de guerra foi substituído pela NEP, o que se observou nada foi do que um país em frangalhos tentando se reconstruir. A reconstrução da Ucrânia foi particularmente mais difícil do que a da Rússia, primeiramente por sua economia estar mais atrelada ao campo, que havia sido destruído por quase quatro anos de guerra civil, e a indústria tinha sido deixada a um plano de pouca produção operacional.


A retomada do crescimento econômico da NEP produziu dividendos aos camponeses médios, os kulaks, que passaram a vender a sua produção ao governo. Contudo em 1929, o governo de Iosef Stálin decidiu que a NEP vinha cavalgando a passos lentos e  para financiar o Primeiro Plano Quinquenal, o governo passaria a exportar a produção de grãos no exterior para obter dinheiro para promover uma rápida industrialização. Nisso o governo tabelou os preços dos grãos e os camponeses, e com a recusa dos camponeses em vender os seus produtos sob os baixos preços tabelados pelo governo, levando o governo bolchevique a designar grupamentos do Exército Vermelho e do OGPU a confiscar a produção agrícola, além  de deportar famílias inteiras para a Sibéria;


A fome grassou de forma absurda na Ucrânia em decorrência da grande seca de 1931-32, levando a dez milhões de pessoas à inanição, e outras tantas a um fluxo migratório forçado às cidades em busca de comida, entretanto o regime instituiu novamente o regime de passaportes internos para conter o fluxo de pessoas, levando mais gente ao encontro da morte.

Não foi à toa que com a invasão nazista à URSS, em 22 de junho de 1941 alguns ucranianos saudaram com euforia as tropas alemãs, principalmente depois de anos de repressões, fome, e destruição de templos por causa dos bolcheviques (era comum serem levados os sinos das igrejas para serem fundidos e formarem posteriormente maquinário para a indústria soviética).

Contudo a dominação nazista na Ucrânia se revelou mais brutal que a soviética, com grupos de trabalhos realizando matanças generalizadas, sobretudo de judeus, com apoio de carrascos ucranianos (wigs) e muitas vezes levando à população civil à morte por fome, como foi no caso da ocupação de Kharkov. O movimento partisan ucraniano não chegou a ser tão famoso como o bielorrusso ou iugoslavo, mas não demonstrou ser menos importante.


A Ucrânia e a Crimeia foram retomadas no início de 1944 e a junção de forças concentradas na Ucrânia levaram a formação do 1 ° Exercito Ucraniano sob o comando de Ivan Koniev, o qual além de ter tomado Budapeste, foi responsável pela tomada de Praga e também em certa parte de Berlim.

Com a criação da ONU e de novos organismos internacionais, os soviéticos exigiram que a Ucrânia tivesse representatividade no conselho da ONU, o que foi aceitado com certa relutância pelo anglo-americanos, a Guerra Fria se consolidava e após a isso, nada seria o mesmo.

Yalta, 1945. Nesse balneário turístico, e casa de verão do czar na Criméia os líderes ocidentais, Roosevelt (bastante debilitado na época) e Churchill (bastante raivoso) reuniram-se com Stálin para decidir o destino do mundo a partir de então, a vitória dos Aliados era dada como certa, e era questão de  tempo para se tornar fato consolidado.


Conta-se que a despeito das brigas internas, Churchill se demonstrou preocupado com a situação da Polônia, de fato, a Polônia tinha sido uma das razões pela qual os ingleses entraram em Guerra. A questão que o 2° Exercito do Front Bielorrusso de Rokossovsky tinha tomado Varsóvia num espírito de rixa com seus próprios aliados, e após o desastre da insurreição do Armia Krajowa ficou claro que os soviéticos desejam ter um domínio claro na Polônia.

Com as propostas de Stalin para dividir a Alemanha em três (Inglaterra, Estados Unidos e URSS, a França não fazia parte da conta) para evitar um ressurgimento do militarismo alemão, a ideia de bipartição do mundo se tornou eminente, onde o Exército Vermelho tinha cruzado inevitavelmente seria uma região de controle soviético.


Churchill pensou em uma operação de invasão da própria União Soviética, a Operação Impensável, mas após os relatórios dos generais britânicos relatarem que era impossível uma operação vitoriosa sobre os soviéticos, o primeiro-ministro abandonou a ideia.


A Ucrânia consolidou seus domínios sobre a porção oriental da Polônia, de maioria ucraniana e bielorrussa, e com a bipartição do mundo se tornou automaticamente inimiga dos Estados Unidos.


A bipartição do mundo levou à doutrina de cercear ao máximo e conter o avanço do comunismo e da Rússia na Terra, de modo que os Estados Unidos incentivaram financeiramente medidas para reconstruir a Europa e sobretudo a Alemanha (Plano Marshall) e os movimentos de revolta no interior do bloco soviético, em Budapeste, Praga e posteriormente Varsóvia.


Há duas doutrinas em vigor com relação à Rússia, a primeira visa a sua separação em quatro ou cinco países, de modo que se possa ter um maior controle sobre os russos e que haja um equilíbrio de poder maior pendendo ao ocidente, outra doutrina que está em vigor (que ao contrário da primeira surgiu depois da Guerra Fria), é de que a manutenção da Rússia como está hoje conduz ao movimento harmônico da diplomacia mundial, pois a Rússia é um grande duto de contenção dos nacionalismos, fundamentalismo islâmico e também do terrorismo.


Em todos os casos, a Ucrânia e os países que fizeram parte do bloco soviético são uma questão não resolvida, são a porta de entrada para o mundo eslavo, e para o coração da Rússia, esses países ao mesmo tempo em que são porta de entrada, estão próximos demais de um vizinho poderoso.


O plano de expansão da União Europeia, que nasceu como meio de evitar uma guerra e impedir o avanço do comunismo, se estende aos domínios da Europa Oriental, orientada pela diplomacia alemã, que observa que o domínio agrícola de terras como a Ucrânia e Bielorrússia é algo interessante não só plano internacional de manter presença frente aos russos, mas também como meio de alimentação do próprio continente.

O azar da Ucrânia é que ela vive em dois mundos, entre a Rússia e a União Europeia, e o pensamento da Guerra Fria se mantém até hoje, a crise da Crimeia começou na própria Crimeia em 1945, é uma crise de antagonismos entre a Rússia (ou o ex-comunismo) e as potências ocidentais (o capitalismo ocidental) e quando a União Europeia lançou um ultimato à Ucrânia das condições (bastante duras) para o seu ingresso na União Europeia, a Rússia também lançou condições para manter os vínculos com a Ucrânia. A indecisão do país, de um lado ligado à União Europeia por causa de seus vínculos tradicionais com a Polônia, e com a Federação Russa, devido à raiz da cultura eslava que surgiu a partir de Kiev conduziu uma situação de esquizofrênia das relações internacionais ucranianas que levou aos protestos, a queda de Yanukovich e a intervenção da Rússia na Criméia.


Uma nova Guerra da Criméia? É meio difícil de acreditar, mas a lógica da Guerra Fria se mantém de certa forma, e pior do que isso ninguém sabe no que vai dar. A coisa mais sensata ainda é o fato do Ocidente aceitar a perda da Crimeia aos russos, que é um fato consolidado, de modo que isso impediria mais atrito com os russos, que são importantes na máquina diplomática mundial. A Ucrânia vai sofrer muito se não aceitar que realmente perdeu a Criméia, corre o risco até mesmo de perder outras porções territoriais que são russófilas.

Os dois mundos são a razão da desgraça da Ucrânia, e desde que o acordo de Yalta foi assinado, cada vez mais difícil é a compreensão das democracias ocidentais com a Rússia e da Rússia com as democracias ocidentais. A crise da Ucrânia começou em Yalta. 

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...