É
uma mágoa sem precedentes, uma lacuna sem respostas, uma insatisfação
insatisfatória, um profundo apodrecimento das emoções dísticas de uma mente em
processo de esclerosamento, afinal de contas há coisa mais cancerosa do que
perceber que tudo à sua volta declina ao profundo estágio de decomposição.
É meio turvo esse sentimento, meio
tomado pelas sombras e pelo hostil esmalte negro sobre a mobília silenciosa de
um escritório hermeneuticamente fechado, a não ser por um filete de luz que
surge sobre a tela. O burburinho do teclado sendo martelado com a ponta dos
dedos esconde um silencioso método de não se falar nada. De ouvir os maiores
absurdos no dia a dia, de observar as maiores corrupções morais de
favorecimentos sonoros e reclamações que não são ouvidas.
É triste pensar que há cinco anos
atrás todos nós éramos otimistas, otimistas com o quê? Com o futuro. Mas o
futuro é negro, o futuro é um semblante mórbido de um passado que já
passou. Acha que eu não o temo? Eu o temo
em silêncio, calado e encolhido junto ao meu cobertor durante as noites frias e
úmidas de março. Já é março, não é mesmo?
Queria poder saber qual o futuro que
nos espera, queria poder ler bolas de cristal. Mas o único cristal que
realmente pode ser lido é o brilho opaco de um diamante lapidado. Coração das
trevas, o diamante esconde um espírito deformado.
Não há personagens tampouco heróis.
Os vilões são muitos num pedestal de sofrimento e calor inebriante que se forma
nos dias quentes de sol, mesmo sendo convicto no meu dicionário de ateísmo,
nada me faz esquecer que o inferno forma-se nos dias quentes sem chuva,
sobretudo numa paisagem seca, sem muitas nuvens ou árvores. Tem pessoas que
ainda desejam isso, mas eu não.
Acredito que apesar disso tudo não é
uma consequência da geografia, mas da má companhia das trevas e do calor que
acompanham essa planície. Ou será um planalto delgado. Quisera eu saber porque
razão nesse antro carente de um pouco de chuva ainda há disposição para
infligir profundos maus aos outros. Se aqui fosse um país subsaariano, seria
uma luta difícil por sobrevivência, mas isso não é nem de pouco fácil do que
esperar o sucesso calamitoso de uma expansão.
Se haveria motivos para estar
triste, eles se apresentam agora. Num local sem muitas diversões, as pessoas
tomam partido do gosto acre do álcool barato e da sensação ainda mais barata de
cigarrilhas com entorpecentes sob os arcos dos monumentos de concreto armado.
Não há muita esperança num local sem muita expectativa, não há empregos para
todos, e os que há estão reservados. O pessoal realmente qualificado
deprimentemente está fora de ação.
Os blocos escondem a devassidão de
muitos anos perdidos, da poeira vermelha que às vezes rasteja sob as colinas de
mata rasteira e dos filetes de água que por vezes secam no meio de agosto. A
noite é ainda mais deprimente que o dia, pois numa localidade onde nada há para
se fazer, nas ruas de comércio baixo a decadência escondida nas cinta-ligas e
meias de rendas, traz a recordação que o amor é apenas mais um produto comercializável.
Se é que um dia existiu.
Vagando como um espírito em meio ao
lixo, observando os cães de rua ladrando em bando, os mendigos nas marquises e
as prostitutas nos automóveis você não espera muita coisa em troca de uma
cidade como essas. Mas aí você se surpreende com os cafés e restaurantes
vazios, com os garçons à porta catando clientes e um ou outro senhorio
caminhando pelas calçadas rachadas.
A copa das árvores que não protege
do sol, faz sombra na lua. O céu não é tão estrelado por causa das luzes de
neon dos edifícios, arranha-céus que ferem a paisagem e corrompem o céu. Novas
torres de babel de trinta ou quarenta andares.
Os viadutos e as tesourinhas estão
vazios, vez em quando aparece um carro em alta velocidade, seja por causa da
bebida ou por alguma corrida perigosa nas seis pistas da avenida principal. Os
trens não passam mais depois das onze e aquela cidade que um dia podia se
orgulhar de ser bucólica não passa de uma cidade de interior em profunda
decadência.
Perto do lago, os hotéis cinco
estrelas realizam grandes amostras de vinho e
demais conferências que escondem o vício de uma elite abastada que se
alimenta da exploração da especulação imobiliária, drogas e corrupção. Ninguém
ousa falar e os jornais que ainda circulam não passam de um papel higiênico
barato.
Nas poucas lojas ainda abertas do
centro de compras, as pessoas se amontoam em torno de monstruosidades
tecnológicas que estarão obsoletas daqui seis meses e uma classe média
arrogante e mal-educada grita e corrompe os corredores de marfim com sua
presença cada vez ignóbil de uma classe demente e preguiçosa. Não conseguem
sequer pagar as contas, mas ainda pagam tudo no cartão.
Não se pode dizer que há um mérito
nessa sociedade de castas suburbanas, onde quanto mais longe da periferia, mais
proeminente se é. É um estamento surdo e bastante claro, não legitimado por
crença, credo, cor ou qualquer coisa, mas poder aquisitivo e somente poder
aquisitivo. Pensam alguns que o preconceito nasceu com o racismo, mas numa
cidade onde todos são mestiços que racismo mais ignóbil há de nascer. Aquele
que não possui um único tostão furado é insultado, essa é a verdade da natureza
das coisas.
Favorecimento, sim favorecimento.
Quem pode viver bem numa cidade de favorecimento? Os favorecidos é claro.
Aqueles que moram em verdadeiros castelos em condomínios fechados, apartados
dos crimes das ruas e vivendo nas ilhas de felicidade plástica. É raro ser de
alguma forma convencido de estar seguro hoje em dia.
Culpa-se muitos os jovens,
atribuindo-lhes a responsabilidade por crimes hediondos e violentos. Os ímpetos
da mocidade são agravados pela irresponsabilidade de uma sociedade estamentada
no orgulho e preconceito, de modo que os juízes e promotores, encolhidos no
alto de seus tribunais não percebem a real situação que se figura nas ruas dos
diferentes bairros da cidade.
De fato nenhum dos estamentos do
serviço público, corrupto e ineficiente, consegue entender a sociedade em que
convive. A situação de profunda inércia de um governo arregimentado numa
autocracia do papel leva a uma situação de profundo abandono associada a um
contrato social de que a sociedade só pode ser regida por relações pessoais de
corrupção e aparelhamento.
Alguns demagogos reclamam contra a
natureza dessa sociedade corrupta, clientelista e inevitavelmente, mas não tão
somente classe-mediana, feita e felicitada por uma classe média nascente,
decorrente e incoerente. Babaca pela excelência de ser babaca. Afinal é um
ninho, um quintal, uma porta e uma porteira de uma grande fazenda de Carnaval.
Reclamar não é nada, reclamar é ser
engolido pelos fatos. É ser silenciado por vinte e quatro anos de ditadura
explicita e dura. Violenta e muito mais do que assassina, torturante e
amputadora de qualquer felicidade em ser cidadão. Cidadão para quê, apenas um
título e um direito de voto é que o define. Apenas um número numa estatística,
também não se espera muito, afinal, inerte como é, corrupto como sempre foi é
mais do que esperado que seja reduzido apenas um número. Ele não tem ação, ele
não esboça reação, é apenas um cidadão de papel.
Cidadão de papel nascido num antro
sem ética, num vestígio de anarquia e violência. Numa sociedade sem estado cujo
Estado surgiu sem ela. Que a legisla sem consultar a população e que
procrastina sem trabalhar. Nesse caminho
de veredas de terceiro-mundismo, no sentido pejorativo do termo, sem muita
imagem de nação orgulhosa de si se desenvolve um estado sem nação.
Democracia frágil com muitos atores,
dilacerada em várias partes em que a igualdade inexiste seja pelos programas
sociais incidentes apenas à uma parcela da população, seja pelas facilidades
que outro segmento possui, é mais preferível tomar um regime como esse de
oligarquia do que uma democracia propriamente dita.
Nos pilotis que se encerram á tarde,
nos arcos concretos de arquitetura moderna, nos monumentos de cimento e aço
arregimentado, nas montanhas de pedra que desnudam o cerrado selvagem. Nada,
nada mesmo, absolutamente nada é esperado num país onde há uma coerência de uma
situação econômica que chegará à estagflação com um crescente acirramento das
tensões entre as três castas econômicas existentes:
A classe média cada vez
mais coberta de conservadorismo, tencionando maiores direitos que foram
ceifados, com um poder de compra reduzido com uma inflação que sai do controle.
A classe alta que se beneficia com os lucros, mas é absolutamente convencida
que as medidas do governo são prejudiciais à economia e vive numa ilha de
conforto sem precedentes.
A classe baixa que vive num espírito irresponsável de
gratidão aos programas sociais e que vem sendo favorecida por um governo
dispendisiomente caro e corrupto, que não se apercebe na situação fragilizada
que se consume.
Assim, as três classes irão digladiar-se entre si por uma
campanha promovida por uma sociedade deformada com um governo governando de
cima.
Mais anos virão, e mais difíceis
ficarão. Nada se encerra daqui para frente do que um novo ciclo de confusões e
assombros. Estamos num limbo intelectual acompanhado por uma mediocridade
organizacional, estamos no pior dos mundos. Não existem heróis ou salvadores,
apenas o desejo de novos tempos futuros.
Admirável
mundo novo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário