sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma mágoa sem precedentes

          É uma mágoa sem precedentes, uma lacuna sem respostas, uma insatisfação insatisfatória, um profundo apodrecimento das emoções dísticas de uma mente em processo de esclerosamento, afinal de contas há coisa mais cancerosa do que perceber que tudo à sua volta declina ao profundo estágio de decomposição.

            É meio turvo esse sentimento, meio tomado pelas sombras e pelo hostil esmalte negro sobre a mobília silenciosa de um escritório hermeneuticamente fechado, a não ser por um filete de luz que surge sobre a tela. O burburinho do teclado sendo martelado com a ponta dos dedos esconde um silencioso método de não se falar nada. De ouvir os maiores absurdos no dia a dia, de observar as maiores corrupções morais de favorecimentos sonoros e reclamações que não são ouvidas.

            É triste pensar que há cinco anos atrás todos nós éramos otimistas, otimistas com o quê? Com o futuro. Mas o futuro é negro, o futuro é um semblante mórbido de um passado que já passou.  Acha que eu não o temo? Eu o temo em silêncio, calado e encolhido junto ao meu cobertor durante as noites frias e úmidas de março. Já é março, não é mesmo?

            Queria poder saber qual o futuro que nos espera, queria poder ler bolas de cristal. Mas o único cristal que realmente pode ser lido é o brilho opaco de um diamante lapidado. Coração das trevas, o diamante esconde um espírito deformado.

            Não há personagens tampouco heróis. Os vilões são muitos num pedestal de sofrimento e calor inebriante que se forma nos dias quentes de sol, mesmo sendo convicto no meu dicionário de ateísmo, nada me faz esquecer que o inferno forma-se nos dias quentes sem chuva, sobretudo numa paisagem seca, sem muitas nuvens ou árvores. Tem pessoas que ainda desejam isso, mas eu não.

            Acredito que apesar disso tudo não é uma consequência da geografia, mas da má companhia das trevas e do calor que acompanham essa planície. Ou será um planalto delgado. Quisera eu saber porque razão nesse antro carente de um pouco de chuva ainda há disposição para infligir profundos maus aos outros. Se aqui fosse um país subsaariano, seria uma luta difícil por sobrevivência, mas isso não é nem de pouco fácil do que esperar o sucesso calamitoso de uma expansão.

            Se haveria motivos para estar triste, eles se apresentam agora. Num local sem muitas diversões, as pessoas tomam partido do gosto acre do álcool barato e da sensação ainda mais barata de cigarrilhas com entorpecentes sob os arcos dos monumentos de concreto armado. Não há muita esperança num local sem muita expectativa, não há empregos para todos, e os que há estão reservados. O pessoal realmente qualificado deprimentemente está fora de ação.

            Os blocos escondem a devassidão de muitos anos perdidos, da poeira vermelha que às vezes rasteja sob as colinas de mata rasteira e dos filetes de água que por vezes secam no meio de agosto. A noite é ainda mais deprimente que o dia, pois numa localidade onde nada há para se fazer, nas ruas de comércio baixo a decadência escondida nas cinta-ligas e meias de rendas, traz a recordação que o amor é apenas mais um produto comercializável. Se é que um dia existiu.

            Vagando como um espírito em meio ao lixo, observando os cães de rua ladrando em bando, os mendigos nas marquises e as prostitutas nos automóveis você não espera muita coisa em troca de uma cidade como essas. Mas aí você se surpreende com os cafés e restaurantes vazios, com os garçons à porta catando clientes e um ou outro senhorio caminhando pelas calçadas rachadas.

            A copa das árvores que não protege do sol, faz sombra na lua. O céu não é tão estrelado por causa das luzes de neon dos edifícios, arranha-céus que ferem a paisagem e corrompem o céu. Novas torres de babel de trinta ou quarenta andares.



            Os viadutos e as tesourinhas estão vazios, vez em quando aparece um carro em alta velocidade, seja por causa da bebida ou por alguma corrida perigosa nas seis pistas da avenida principal. Os trens não passam mais depois das onze e aquela cidade que um dia podia se orgulhar de ser bucólica não passa de uma cidade de interior em profunda decadência.
            Perto do lago, os hotéis cinco estrelas realizam grandes amostras de vinho e   demais conferências que escondem o vício de uma elite abastada que se alimenta da exploração da especulação imobiliária, drogas e corrupção. Ninguém ousa falar e os jornais que ainda circulam não passam de um papel higiênico barato.


            Nas poucas lojas ainda abertas do centro de compras, as pessoas se amontoam em torno de monstruosidades tecnológicas que estarão obsoletas daqui seis meses e uma classe média arrogante e mal-educada grita e corrompe os corredores de marfim com sua presença cada vez ignóbil de uma classe demente e preguiçosa. Não conseguem sequer pagar as contas, mas ainda pagam tudo no cartão.


            Não se pode dizer que há um mérito nessa sociedade de castas suburbanas, onde quanto mais longe da periferia, mais proeminente se é. É um estamento surdo e bastante claro, não legitimado por crença, credo, cor ou qualquer coisa, mas poder aquisitivo e somente poder aquisitivo. Pensam alguns que o preconceito nasceu com o racismo, mas numa cidade onde todos são mestiços que racismo mais ignóbil há de nascer. Aquele que não possui um único tostão furado é insultado, essa é a verdade da natureza das coisas.

            Favorecimento, sim favorecimento. Quem pode viver bem numa cidade de favorecimento? Os favorecidos é claro. Aqueles que moram em verdadeiros castelos em condomínios fechados, apartados dos crimes das ruas e vivendo nas ilhas de felicidade plástica. É raro ser de alguma forma convencido de estar seguro hoje em dia.

            Culpa-se muitos os jovens, atribuindo-lhes a responsabilidade por crimes hediondos e violentos. Os ímpetos da mocidade são agravados pela irresponsabilidade de uma sociedade estamentada no orgulho e preconceito, de modo que os juízes e promotores, encolhidos no alto de seus tribunais não percebem a real situação que se figura nas ruas dos diferentes bairros da cidade.

            De fato nenhum dos estamentos do serviço público, corrupto e ineficiente, consegue entender a sociedade em que convive. A situação de profunda inércia de um governo arregimentado numa autocracia do papel leva a uma situação de profundo abandono associada a um contrato social de que a sociedade só pode ser regida por relações pessoais de corrupção e aparelhamento.

         Alguns demagogos reclamam contra a natureza dessa sociedade corrupta, clientelista e inevitavelmente, mas não tão somente classe-mediana, feita e felicitada por uma classe média nascente, decorrente e incoerente. Babaca pela excelência de ser babaca. Afinal é um ninho, um quintal, uma porta e uma porteira de uma grande fazenda de Carnaval.


            Reclamar não é nada, reclamar é ser engolido pelos fatos. É ser silenciado por vinte e quatro anos de ditadura explicita e dura. Violenta e muito mais do que assassina, torturante e amputadora de qualquer felicidade em ser cidadão. Cidadão para quê, apenas um título e um direito de voto é que o define. Apenas um número numa estatística, também não se espera muito, afinal, inerte como é, corrupto como sempre foi é mais do que esperado que seja reduzido apenas um número. Ele não tem ação, ele não esboça reação, é apenas um cidadão de papel.




            Cidadão de papel nascido num antro sem ética, num vestígio de anarquia e violência. Numa sociedade sem estado cujo Estado surgiu sem ela. Que a legisla sem consultar a população e que procrastina sem trabalhar.  Nesse caminho de veredas de terceiro-mundismo, no sentido pejorativo do termo, sem muita imagem de nação orgulhosa de si se desenvolve um estado sem nação.


            Democracia frágil com muitos atores, dilacerada em várias partes em que a igualdade inexiste seja pelos programas sociais incidentes apenas à uma parcela da população, seja pelas facilidades que outro segmento possui, é mais preferível tomar um regime como esse de oligarquia do que uma democracia propriamente dita.



            Nos pilotis que se encerram á tarde, nos arcos concretos de arquitetura moderna, nos monumentos de cimento e aço arregimentado, nas montanhas de pedra que desnudam o cerrado selvagem. Nada, nada mesmo, absolutamente nada é esperado num país onde há uma coerência de uma situação econômica que chegará à estagflação com um crescente acirramento das tensões entre as três castas econômicas existentes: 

         A classe média cada vez mais coberta de conservadorismo, tencionando maiores direitos que foram ceifados, com um poder de compra reduzido com uma inflação que sai do controle. 

        A classe alta que se beneficia com os lucros, mas é absolutamente convencida que as medidas do governo são prejudiciais à economia e vive numa ilha de conforto sem precedentes. 

          A classe baixa que vive num espírito irresponsável de gratidão aos programas sociais e que vem sendo favorecida por um governo dispendisiomente caro e corrupto, que não se apercebe na situação fragilizada que se consume. 

          Assim, as três classes irão digladiar-se entre si por uma campanha promovida por uma sociedade deformada com um governo governando de cima.

            Mais anos virão, e mais difíceis ficarão. Nada se encerra daqui para frente do que um novo ciclo de confusões e assombros. Estamos num limbo intelectual acompanhado por uma mediocridade organizacional, estamos no pior dos mundos. Não existem heróis ou salvadores, apenas o desejo de novos tempos futuros.




                                                              Admirável mundo novo...

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