A construção identitária brasileira se deveu não meramente por uma agremiação de várias etnias num caldeirão cultural e de miscigênia nos vastos biomas continentais dos trópicos, pelo contrário, a construção identitária brasileira se baseou na profunda aversão ao outro. Ao outro, estabeleço os vizinhos hispânicos.
A maior mostra dessa consolidação de valores identitários está registrada nos conflitos estabelecidos entre os colonos portugueses e os espanhóis na região de Sacramento que levaram a uma situação de profunda hostilidade do governo brasileiro posteriormente ao seu par portenho.
Mas o que define o Brasil é só o fato de ser um caldeirão multicultural, de vastas dimensões continentais que fala português, tem o Carnaval e o futebol como bandeiras nacionais? Talvez, mas isso não explica tudo. O Brasil é Brasil, e não a Argentina. E como nos comparamos com a Argentina! Nosso vizinho sulista com quem tivemos grandes atritos, atritos esses que germinaram em torno das disputas territoriais e de fronteira na parte sul da Colônia
Mas a questão mais importante disso tudo é: Por que a questão da fronteira Sul da Colônia assumiu tanta importância nas relações diplomáticas portuguesas?
É importante salientar que até
meados do início do século XVIII, a parte sul da Colônia permaneceu por muito
tempo como região periférica da América Portuguesa, e a administração mesmo não
possuía muito controle sobre essa região, tanto que várias vezes os colonos
portugueses tiveram problemas com as tribos na “região sul” e na região um
pouco mais ao norte do Rio de Janeiro.
Contudo, com o Terremoto de 1755 e
até antes, Portugal viu-se cada vez mais interessada em controlar de forma mais
efetiva a parte mais ao sul da Colônia. Seja porque Portugal já tinha
vislumbrado os lucros advindos da extração mineral nas Minas, que também tinha
sido negligenciada, seja porque parecia interessante a ideia de ter uma parte
próximo ao Rio da Prata, onde escoava de certa maneira boa parte da Prata de
Potosí, a verdade é que Portugal viu-se cada vez mais interessada em angariar
uma parcela nos Pampas.
Em negociações e mesmo em conflitos,
os portugueses agiram deliberadamente com os espanhóis para tomarem uma parcela
da região de Sacramento, que vinha sendo mal ocupada pelos colonos
espanhóis, e a Coroa Espanhola sempre
foi mais interessada na porção norte da Amazônia e mesmo em Potosí. O fato que
o colonos portugueses efetivaram uma ocupação na margem oriental do Prata.
É interessante frisar que a colônia
de Sacramento conseguiu se alargar até chegar bem próximo do porto de Buenos
Aires, onde as lideranças locais se viam
desconfortáveis com a presença portuguesa.
As colônias mais ao Sul tiveram uma
característica boa para o pastoreio e para produção de alimentos, e produtos
mais de abastecimento. E os portugueses lucraram muito com o contrabando desses
produtos para às terras de administração espanhola, e parte da prata que saía
de Potosí acabou caindo em mãos de negociantes portugueses.
Considerando que a prata era uma
importante via de troca no Extremo Oriente, parece óbvio o interesse de alguns
portugueses por essa região.
Através de tratados e disputas os
portugueses obtiveram cada vez mais posses sobre a região, mas também angariam
obstáculos à sua colonização, tal como os jesuítas e as tribos mais ao oeste de
Sacramento. Tendo em vista a expulsão destes das terras portuguesas, os
portugueses decidiram saltar em armas contra esses agrupamentos, e perderam
numerosas vezes.
Esses assentamentos figuraram um
problema para os portugueses por um longo tempo,em todo caso, eles conseguiram
a posse de Sacramento, mas a questão da fronteira sul continuaria indefinida,
até a separação da colônia da Cisplatina na administração de Dom Pedro I, com o
aval da futura República da Argentina.
Isso responde a tentativa de manter a integridade territorial brasileira que toma por exemplo as desagregações que a independência hispano-americana resultaram ao Império Espanhol e a situação profundamente "anárquica" com que o caudilhismo trouxe ao imaginário hispano-americano.
Assim se explica um pouco a relutância de Dom João VI, monarca português que tinha se mudado para o Brasil em virtude da invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas, em voltar para Portugal.
O Brasil,
querendo ou não, já fazia uma parte importante da engrenagem política do
Império e por muito tempo significou a sobrevivência dos portugueses no jogo
político internacional.Portugal
se mostrara cada vez mais dependente do Brasil para tudo e de certa maneira,
Dom João VI deve ter percebido isso. Com a tomada de Portugal pelo Grande
Armée de Napoleão tornou-se mais cristalino que a sobrevivência da monarquia
portuguesa dependia do Brasil.
A chegada
da família real portuguesa pôs a administração portuguesa mais próxima à
colônia, o que de certa forma auxiliou na gestão dos recursos da Coroa, além
disso, deu maior controle a João IV sobre o seu Império.
A vinda da Coroa para o Brasil
além de ter mantido a unidade da Colônia e mesmo auxiliado na modernização do
Brasil, figurava numa medida que beneficiava ao projeto de reavivar o Império
Português e tornar o Brasil mais sólido no cenário português.
As más línguas dirão um dos motivos
para que Dom João IV não quisesse sair do Brasil era porque ele não queria
desgarrar dos numerosos frangos que havia aqui (a fama de comilão rechonchudo o
persegue até hoje).
Mas um dos motivos principais ao
meu ver (além dos franguinhos) para que Dom João IV tenha relutado em retorna
para Portugal é o fato de Lisboa já ter deixado de figurar a grande importância
no cenário político português que tivera anteriormente. Além disso,
considerando as reformas e as estruturas feitas no Brasil nos anos de permanência
do rei aqui, seria imprudente deixar o Brasil dessa forma, mesmo fazendo parte
do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Além disso, Dom João no seu
retorno veria pela frente um problema político para si, Portugal tinha
vivenciado os ideais revolucionários dos soldados do Grande Armée e embora não
estivesse prestes a uma revolução como a Francesa, o monarca ver-se-ia com o
problema de ter que fazer concessões e negociar várias vezes para conseguir
salvaguardar o trono, o que de certa forma não deve ter deixado ele muito feliz
com a ideia de voltar para Portugal.
A historiografia positivista mais
radical do século XIX se mostrou de certa forma equivocada ao mostrar que Dom
João IV não queria sair do Brasil porque simplesmente ele gostava daqui, com
suas praias e seus frutos que preenchiam os banquetes.
Mostra-se equivocada
primeiramente, que mesmo considerando que Dom João adorava o Brasil, ele com
certeza não apreciava o calor que suas vestes de veludo o faziam passar, nem
mesmo as praias, pois provavelmente ele se recusava a tomar banhos diários. Os
motivos principais para que Dom João não queira sair do Brasil, acredito que
estejam expressos nos parágrafos anteriores.
A reorientação do Estado legal português que trouxe mudanças na sociedade lusitana reverberou um espírito inovador da administração colonial com a chegada do monarca português
Primeiramente o Pombalismo se traduziu pela
tentativa de tornar mais dinâmica a sociedade e o governo português ao
implantar medidas mais ou menos modernizantes quanto a administração do país. Para
isso, Pombal, cercou-se de homens novos, sem muito prestígio e de certa maneira
valorizou muito mais as capacidades de cada um do que o status de família de
seus companheiros de gestão. Embora tenha controvérsias, isso já é um fator
importante em sua nova política administrativa.
Com a desgraça do Terremoto de Lisboa de 1755 essa medida se
tornaria importante por uma questão de prática. Na reconstrução da cidade de
Lisboa, ele nomeou rapidamente pessoas aptas para o controle de desastres, e mandou
liquidar de uma vez a cidade para a reconstrução, de modo a se fazer de outra
forma em que a organização da cidade não permitisse maiores danos em terremotos
posteriores. A reconstrução de Lisboa elevou bastante Pombal quanto ao seu
poder político.
A fiscalidade da administração portuguesa tornou-se “mais lógica”,
e dinâmica, e a administração das colônias mostrou-se de certa forma mais
prioritária, afinal de contas, Pombal percebeu a fragilidade de Portugal no
jogo político internacional, e a total dependência de Portugal com suas
colônias, principalmente o Brasil. A política econômica de Portugal sob Pombal,
ante as colônias, constituiu um reforço ou uma releitura do Pacto Colonial e
mais e mais a administração portuguesa tentou controlar os ganhos do Brasil.
Para Portugal, essa tentativa constituiu algo de supra importância nacional,
principalmente na reconstrução de Lisboa.
Além disso, no jogo diplomático, Portugal, ao mesmo tempo
continuava a ter uma grande dependência da Inglaterra, que anteriormente se
tornou cristalina com o “Tratado dos Panos e Vinhos”, mas tentou de alguma
maneira se aproximar com outros atores externos. Tal como a Espanha e a França.
Para Portugal, que poderia deixar de ser aliada da Inglaterra para inimiga da
noite para o dia, isso se mostrou importante para a manutenção do estado
português, embora não tenha dado muita coisa.
Portugal também teve grande papel no jogo diplomático junto ao Vaticano
para a dissolução da Ordem Jesuítica e de certa maneira isso beneficiou a
Portugal que agora se viria livre da concorrência dessa ordem religiosa ante ao
seu poder.
Essas atitude tomadas pelo Pombalismo perduraram mesmo depois de
Portugal, e asseguraram entre outras coisas, a sobrevivência da monarquia
portuguesa até o século XX e a reorientação do Estado Português quanto à sua
política fiscal e econômica, além de tornar o seu quadro de funcionários cada
vez mais dinâmico.
Essa retomada do Pombalismo elevou a importância do Brasil no jogo de português do Império Triangular português, do comércio atlântico com a África Ocidental, Brasil e Portugal, assim é prioritária a construção de um esforço identitário na colônia, principalmente frente aos movimentos de separação na América Latina e o exemplo dos "ingleses da América" (os americanos). Assim, constrói-se a ideia de que os colonos seriam os súditos de além-mar, os portugueses da América, mas isso não lhes traz qualquer representatividade na corte portuguesa cada vez mais conservadora.
Além disso a elite percebe que os seus laços com Portugal são tênues e que a sua separação do corpo do Império seria até benéfica, principalmente para os negócios com os ingleses. E inicia-se o projeto de Independência, contudo a fraca legitimidade de um governo central na Guanabara poria em cheque a estabilidade das fronteiras dimensionais com os outros países latino-americanos, por isso a escolha de um monarca Bragança, filho de Dom João VI, Pedro I do Brasil.
O Brasil se consolida como a única monarquia da América (excetuando o México por algum tempo) e isso cria uma força profunda identitária de "nós somos diferentes deles porque somos brasileiros", embora o caldeirão cultural brasileiro seja bastante influente bem como a capacidade de assimilação de agremiações estrangeiras também.
A construção do brasileiro como um indivíduo diferente do que há na América do Sul trouxe problemas de interpretação, rivalidades e certa arrogância no mundo, de uma potência grande e independente dos seus vizinhos limítrofes, sempre voltada para a Europa e os Estados Unidos. Afinal, os Estados Unidos são o grande exemplo, mas a diplomacia brasileira fica a parte desse imaginário popular afinal de contas ela se mostrou bastante capciosa com relação a vizinhos como Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia e bastante amigável em relação ao Chile.
Ao contrário do espírito portenho de se igualar à França, em nível educacional, cultural e de arrogância, por muito tempo eu digo, o Brasil se via como um corpo à parte da América Latina, mas não necessariamente representa um desprezo pelos vizinhos, mas um orgulho de ser um pouco diferente dos outros. E com o passar do tempo, o Brasil começou a almejar a liderança da América Latina, a liderança de um local cujas semelhanças culturais não são claras e tampouco consolidadas. É essa a herança da constituição cultural brasileira que se construiu a partir do século XIX e se findou na década de 1930.
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