sexta-feira, 11 de julho de 2014

Não há nada mais imperfeito do que a beleza



Eu espero que meus pensamentos não nos ouçam hoje, mas o que realmente é essa estabelecida beleza que tanto esperamos? Uma forma estabelecida matematicamente de uma proporção aritmética de 1:1,6? Ou mesmo algo peculiar que nem nós buscamos explicação?

            A construção de um rosto parte de construções matemáticas de como se medir yma mediana  e o segmento de uma equidistância de dois pontos, a partir de uma simetria axial, a partir de um eixo, descrito na linha existente do meio dos nossos pé separados, passando pela virilha, o umbigo, a linha da câmara torácica, a ponta do queixo e o nariz. Qualquer compleição que seja completamente diferente da simetria dos dois lados é matematicamente imperfeita.



            Mas a beleza é uma imperfeição. E isso é algo que realmente é bem claro quando observamos as obras do Renascimento, que são construídas a partir de uma proposta racional e científica. O maior paradigma que o Renascimento se espelhou talvez tenha sido na proporção áurea de várias obras gregas, mas a que mais me impressiona é, sem dúvida, a Venus de Milo.


            Venus de Mileto é a mais bela de todas as esculturas, a mais bela e mais bem trabalhada mulher em uma obra de mármore de Paros. Ela é ao mesmo tempo sublime e sensual, enigmática e ainda assim tão jovial. Venus é tão comum que chega temos a vontade de abraçá-la, beijá-la, justamente por ser comum. O seu aspecto não exagerado de uma moça jovem sem uma erotização de seu conjunto é o que apaixona muito os amantes da arte.


            Confesso que sou apaixonado por essa Venus, eu a imagino no meu subconsciente de uma maneira diferente da escultura. Eu a imagino como sendo ruiva, de cabelos presos, olhando para o nada com os seus olhos ligeiramente inclinados para o horizonte. Eu me apaixono por essa obra cada vez que olho em retrato e as reproduções posteriores não chegam próximo da sensação de ver a Venus pessoalmente.


            Quisera eu ter a oportunidade de me apaixonar de perto por Venus. Mas ninguém que não seja entusiasta de arte sabe realmente a razão porque a Venus seja tão atraente, ela não tem mais os braços e encostada ao pó de um museu, não parece ser páreo para a beleza erótica, por exemplo, de uma Sacha Grey.


            Aleksandros de Antióquia pode ter sido o escultor mais bem sucedido por ter esculpido uma obra tão graciosa, de uma mulher nua da cabeça até metade do tronco que aparentemente tinha os dois braços; A ausência dos dois braços em Venus é apenas explicável pela onda de iconoclastia ocorrida no período de queda do Império Romano quando não só os bárbaros, mas também os cristãos e os invasores muçulmanos promoveram levas de destruição às esculturas do período clássico como forma de dar o fim no que foi o Império romano. Tanto que a boa parte de bustos que são creditados à César ou a Constantino na verdade são de Marco Aurélio (que sobreviveram por alguma questão de acaso ou adágio papal).


            A forma  e o conteúdo de Venus constituem um enigma para muitos inclusive para mim; ela sempre será algo belo para mim, mas não por ser um elemento só ricamente desenhado na textura de sua roupa de mármore, mas por expressar uma mulher simples, provavelmente uma serva ou uma cortesã num momento de inspiração.
            Venus de Milo provavelmente segurava de maneira graciosa uma maçã, que aparentemente se desprendeu da obra e foi encontrada junto na escavações.  Mas isso é só um detalhe.


            O maior composto da obra não é bem a forma como foi esculpida no mármore (ainda que me faça ter uma paixão especial por essa obra), mas é quando olhamos o seu acabamento. Depois de anos exposta a intempérie e a iconoclastas que molestaram a obra, o mármore começou a apresentar ranhuras e imperfeições. Essas imperfeições revelam muito, porque a despeito de serem produto de um desgaste da obra mostram que a beleza é imperfeita em seu interior.


            As pessoas são naturalmente vazias, essa  é uma constatação que nós temos quando observamos atentamente as ações e experiências de cada um. Não há exercício mais divertido e prazeroso do que observar alguém, olhar os seus maneirismos, sua fala, ou mesmo suas expressões. E o melhor é que isso ainda é de graça!



            As pessoas são apegadas a uma imagem plástica de si mesmas, uma representação do que seria algo bom, sejam boas roupas, boa forma ou um corpo desejado. A simplicidade com que observam a vida é naturalmente assustadora, procuram mulheres de bustos e nádegas avantajadas, rostos de boneca  e uma cintura absurdamente fina, enquanto os homens devem ser altos, fortes, barbudos antes de mais nada para conseguirem sucesso com as mulheres. É absurdo pensar em tais padrões.


            A natureza de uma beleza parte de uma questão matemática se formos considerar a proporção áurea, mas para fins práticos, ela é um exercício irracional. Porque nada realmente explica o que é realmente bonito senão uma análise nossa, pessoa e subjetiva do que para nós é perfeito. E como nós temos uma base de raciocínio que não parte por nenhuma maneira em regras senão o nosso espaço de experiência, logo toda a ideia de beleza que temos é carregada de imperfeições, porque nossa própria mente age por impulsos elétricos não puramente lógicos.


            Não há nada mais imperfeito do que o desejo, o desejo meramente pela a arte de querer algo numa prática masoquista e hedonista em ter para si algo que não necessariamente teremos conosco. O desejo e a beleza incrivelmente estão interligados até psicologicamente.



            A psicologia coletiva de nossa sociedade é cada vez mais fluída, eu até acredito que se modifica tanto que nunca teremos um padrão fixo do que é belo (tirando talvez a beleza não necessariamente corpórea, mas a beleza moral, nisso se atrela a beleza do raciocínio, do espírito e de uma arte moralmente aceita como a Venus de Milo). Mas invariavelmente caminhamos para uma erotização da sociedade e uma erotização da beleza;


            Isso é ruim? Depende. Do ponto de  vista de um moralista, isso levaria a uma vulgarização da sociedade; Do ponto de vista de um liberal é positivo pois leva a uma libertação de velhos preconceitos acerca da sexualidade humana. Eu acredito que ambos os argumentos possuem fundamento;


            Mas é triste observar que a busca pela beleza é como se fosse a busca por um produto, um produto raro, um diamante; e logo assumimos que poucos são bonitos e muitos são de certa forma feios. A carga pejorativa de ser feio é associada automaticamente a ser “ruim” ou mesmo “inútil” para uma sociedade de culto de si própria. Largamos o culto a deuses para cultuarmos a nós mesmos.
            Nisso eu arrisco até a dizer que a masturbação e outros atos de prazer solitário na verdade não só são fruto de uma carência própria de um individuo, como também são um culto a si próprio, uma reverência ao próprio corpo, escondendo nada menos que um egocentrismo velado.
            O que para os meios midiáticos é difundido como belo ou “sexy”, já que belo e sexy são termos hoje bastante interligados, é sacramentalizado por um estamento social, que o toma como verdade e procura nesses estereótipos se guiar na busca para sanar seus desejos carnais.


            Mas o que é belo?

            Não posso realmente dizer o que é belo. Isso é muito subjetivo;



 Pra mim, belo é uma poesia que toma formas com um pouco de letras e no fim te faz pensar, te traz conforto. Pra mim belo é desejar o vento bater no seu rosto, olhar o céu azul e ver o sol brilhando mais uma vez; belo também é ver o respingar da chuva, a fração da matemática fazer sentido, ensinar uma criança a ler ou pensar pelo prazer de refletir. Belo é buscar o que não existe, buscar o amor em coisas pequenas;


Belo também é imaginar o companheirismo, a solidariedade, e porque não, belo é olhar para uma flor, para um bem-te-vi, ou mesmo um gato. Belo é beijar uma mulher por quem você se esforça em se apaixonar todos os dias, mesmo que aparentemente não valha o esforço, e amá-la sabendo que há outras, sabendo que ela tem suas ranhuras tal como Venus de Milo, e ainda assim saber que não poderá dizer isso diretamente.


Belo é enxergar tudo com os seus olhos, ou melhor, ter completo sentido de nossos sentidos e saber que o dia é algo a ser vívido, mesmo quando não desejamos mais viver. Por isso belo é imperfeito, pois para saber o que é ser belo, tem antes que saber como ser um pouco humano.


Eu queria pensar que sou belo aos olhos de alguns, que minhas palavras fizessem sentido, que não houvesse idolatria apenas do caráter corpóreo da beleza, mas do seu caráter subjetivo. Muitas pessoas creio que se sintam assim, pessoas que tentam pela sua inteligência mostrar que são belas e não merecem ser esquecidas, pessoas que por suas ações fazem a diferença por ações nobres, ou mesmo pessoas que nem sequer fazem nada e são belas por sua própria indiferença. E todos nós temos nossas ranhuras.


A incapacidade da maioria em entender isso é o que me assusta, não só por causa desse vício aos próprios desejos, como uma cegueira completa do mundo à sua volta. Eu também sou cego, mas enxergo algumas coisas mais do que a maioria.


Talvez eu seja cínico em tentar ser poeta ou contista em descrever a hipocrisia humana, talvez eu mesmo seja fruto de uma maldade inerente ao próprio ser, mas eu me sinto vazio cada vez que olho que a imperfeição maior de todos nós é achar que temos que ser nada menos que belos e arrogantes.



Mas o que é mais belo para mim é a coisa mais natural ao ser humano: o choro. O choro talvez seja a única coisa que seja naturalmente espontânea de quem se está triste. Mas minhas ranhuras dentro de meu próprio ser me fazem parecer feio quando estou defronte ao espelho e isso me assusta tremendamente.

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