segunda-feira, 10 de junho de 2013

Conto de uma noite em casa

        Dizem-me que a noite é a mais fria das irmãs, a mais cega das amantes e a mais deliciosa das paixões. Dizem-me que ela esconde nossos erros e apaga nossos pecados; A noite projeta amores passados em suas sombras no dia a dia enquanto se estende um corpo cansado.

      Dizem que na noite se encontram os maus espíritos, mas nada me apavora com a luz dessa cidade. Não tenho medo da noite, somos dois amantes perdidos sem rumo na escuridão tênue da luz das estrelas. Nela procuro ouvir bem atentamente com os meus ouvidos, embora o esquerdo esteja meio fraco, posso ouvir bater o modo como o vento bate na janela. Não sinto medo.

   Não sinto medo dos arrepios da noite que assustariam uma criança pequena, não sinto medo do frio que toma o meu corpo, não sinto medo de enfrentar os perigos sozinho de novo. Meu corpo pálido se projeta na escuridão, sem camisa e sem muitos músculos também, prossegue humilde pelos cômodos da casa enfrentando o frio.

    Deu-me vontade de fazer um chá ou voltar ao aconchego da minha cama, mas lembro-me bem que não  há nada mais quente do que remover memórias do passado. Sento-me junto à janela, tento imaginar alguma coisa, mas não me vem nada. Sento-me de cócoras no chão e deixo o frio da cerâmica tomar-me por completo. A noite se projeta mais uma vez.

   Não tenho medo dela, não sinto nada por ela. Penso em voltar para a minha cama, mas não há nada que possa aquecê-la, nem mesmo um bom livro ou um grande amor para me aninhar durante essa noite; Levanto-me e ando pela casa de novo.

   Visito o quarto dos meus pais, estranhamente vazio a essa hora. Não imagino onde possam estar; Procuro o quarto de minha irmã, tão ermo quanto o primeiro. Passo pela cozinha e não encontro nenhuma comida na geladeira, desço as escadarias e percebo que estou só. A ideia não me apavora, não tenho medo, mas ouço ruídos por trás da porta da frente, uma batida transversal à madeira.

   Abro a porta e não vejo nada. Olho para os lados e entro para casa. Procuro meu pai em seu escritório e percebo que a sua papelada continua meio bagunçada como ele costumava deixar. A casa toma feições meio arrepiantes que eriçam os pelos de minha nuca e uma corrente de ar gela-me a espinha.

    Viro-me para trás e percebo que, percebo que... Não há nada. Estranho. Subo as escadarias, deixando a impressão de lado, mas ouço baterem de novo na porta da sala. Quando volto de novo, penso ter visto uma sombra. Era eu mesmo.

    Abro a porta e escuto.

    Tririrtititi....trititiiti.

     Era uma coruja. Se você estivesse aqui, do meu lado na cama, eu não teria tido medo dessa coruja;

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