A despeito de não importar com o rumo das conversações sobre espionagem (afinal de contas eu sei que não darão em nada) é conveniente analisar um caso bastante intrigante que vem ocorrendo e divulgado pelos jornais ao redor do mundo; O dia que a National Security of America, órgão que como o nome diz é responsável pela segurança nacional dos Estados Unidos realizou atos de espionagem não só contra países supostamente inimigos aos Estados Unidos, como países neutros e até aliados, como o caso do Brasil e principalmente da Alemanha.
Nesse contexto os Estados Unidos foram cotados como a revista Fuxico da diplomacia internacional, sempre querendo saber dos furos dos representantes dos outros governos nacionais. Nesse caso estão os grampos ao telefone de Angela Merkel, bem como os atos de espionagem à França, Espanha e Reino Unido. Desdenhou-se muito do Brasil por ter se levantado quanto a isso, de fato o Brasil não é visto como igual aos outros países na Organização das Nações Unidas.
Os grampos telefonicos não morreram com a Guerra Fria |
Bom, o que há a dizer. Snowden realizou uma contribuição à comunidade internacional ao se desmascara mais uma vez o papel esquisofrênico da liberdade democrática norte-americana. Não só porque ela deseja promover os valores de liberdade de expressão, inviobilidade dos direitos naturais do homem, mas na práxis conduz-se às vias do totalitarismo quando vigia a correspondência de seus próprios cidadãos em nome da segurança nacional. Interessante que o discurso da segurança nacional é o que acaba sendo reutilizado nesse caso, mesmo discurso que para o bem da manutenção da ordem pública governos se utilizam para molestar as estruturas democráticas existentes;
Não pensem que nos Estados Unidos isso é diferente, em situações de guerra o governo norte-americano enfrentou as questões mais difíceis retirando as liberdades do indivíduos momentaneamente. No mandato de Woodrow Wilson você poderia ser enquadrado pela polícia e ser preso com base a nenhum estatuto simplesmente por sua atividade política (seja feminista, seja de esquerda ou trabalhista) ser encarada como uma questão de arruaça e que atrapalhava o esforço de guerra norte-americano;
Na Segunda Guerra a administração Roosevelt foi perspicaz ao dinamitar os atritos sociais com as reformas decorrentes do New Deal e o populismo norte-americano representado por esse presidente levou à classe trabalhadora ao seu atrelamento à políticas sociais do governo. Entretanto é de se lembrar que os direitos dos nipo-americanos foram violados conforme as leis do governo norte-americano que lhes retiraram o direito de cidadania e os alojaram em campos de concentração no próprio território norte-americano;
Contudo foi no período do senado McCarthy que se observou o período mais obscuro e hipócrita da história norte-americana, não só porque o governo norte-americano divertiu-se com a retórica de defesa da democracia contra a tirania vermelha que se abria no leste, mas com o modus operantis do FBI e de outros organismos do governo no período da administração Truman e o início da administração Eisenhower, em que nos métodos pouco se diferia dos soviéticos, devido às prisões compulsórias e os julgamentos espetáculo realizados em pleno território norte-americano. Os Estados Unidos não possuem ainda peito para reconhecer seus erros durante a época do marcathismo.
Vigiar cidadãos americanos para garantir a segurança da democracia, taí uma coisa que ele aprova |
A banalização do Mal não está só enraizada no estudo ao totalitarismo nacional-socialista como Hannah Arendt coloca, está semeada até na própria estrutura política norte-americana. A violação constante das liberdades individuais frente a "interesses de Estado" é uma lacuna que não consegue ser preenchida pela história norte-americana, é a volta da "Raisón de état" tão comumente utilizada pela retórica demagógica do Império de Luís Bonaparte, que agora retoma nos Estados Unidos, pelos interesses de estado tudo se torna possível;
Esses interesses de Estado criam um aspecto de policiamento da própria sociedade norte-americana, onde o cidadão está a mercê do Estado e observa cada vez mais sendo cerceado em suas ações e molestado pelos interesses públicos que se sente coagido a levantar voz contra o regime; Bom, os norte-americanos ainda estão imersos no espírito de Ilha da Fantasia, com o Tattoo trazendo todos os dias uma bandeja de contas e cheque especial e o senhor Roarke se beneficiando da desgraça alheia resultante da crise econômica. Os sonhos vão embora, as esperanças também, vemos agora que nós não somos especiais e nem podemos ser.
A Ilha da Fantasia acabou |
Pois a juventude se afina a velhice toma nossos cabelos e somos céticos quanto nosso futuro. Isso nos aguarda de verdade, mas nos aguarda também sermos vigiados cada vez mais pela estrutura estatal que se hipertrofia. Devo explicar que essa hipertrofia não é de toda a estrutura estatal, pelo contrário, desde a ascensão do modelo neoliberal de Reagan e Tharcher, o Estado cada vez mais quer se desvencilhar do seu papel social como mediador das mazelas sociais e como regulador do mercado, entretanto ele se adensa no seu corpo militarista ao concentrar cada vez mais recursos ao aparato militar-tecnológico que se constrói no complexo industrial-militar, para utilizar uma das frases do ex-presidente norte-americano Dwight Eisenhower.
Sim, a sociedade norte-americana está abandonando a sua liberdade, para a vergonha de Jefferson, e está adotando uma postura profundamente gritada pelo populismo fanatista de Obama e a permanência, com notório predomínio dos interesses de grandes corporações no cenário norte-americano. Os Rockfeller estão cada vez mais sendo deixados fora do plano do discurso como grandes magnatas da ordem norte-americana, de fato eles não possuem a força econômica como antes detinham, mas isso não interfere no fato que possuem uma força na política norte-americana.
As grandes famílias da Costa Leste americana ainda coordenam a política norte-americana e isso é visível quando observamos o financiamento de campanhas durante a corrida presidencial; De fato as suntuosas fortunas não são dadas de graça.
Pois o governo norte-americano se tornou um anexo dos interesses dos grupos econômicos norte-americanos desde meados do final da Segunda Guerra (especulo que com a própria guerra em vigor o controle econômico desses grupos já se tornara inevitável), de modo que a política de aversão à Cuba criada na administração Kennedy nada se relacionava ao contexto de Guerra Fria inicialmente, mas no momento em que Fidel Castro nacionalizou os cassinos e pôs fim aos prostíbulos de Havana, a administração corrupta do presidente mulherengo Kennedy, que tinha ligações claras com a Máfia, optou por tomar uma postura de profundo ressentimento com Cuba, chegando ás vias próximas da destruição com a Crise dos Misseis.
Bom, estou divagando sobre a sociedade norte-americana, mas o fato que se apresenta é que o Grande Irmão que George Orwell detalhava em seu distópico best-seller 1984 não caracteriza só a União Soviética e Stalin, mas mais do que isso, caracteriza a sociedade norte-americana hoje. A teletela não é a nossa televisãozinha de tubo como imaginávamos, mas o nosso notebook que é vigiado constantemente nos nossos escritos, e cuja webcam pode ser invadida a qualquer momento por um agente da CIA. De fato, minha paranoia sempre pisca quando vejo que minha webcam ligou do nada.
A teletela coloca não só todos nós sob eminente vigilância do governo norte-americano, mas como Orwell escrevera, a teletela coloca-nos a par dos valores do regime. Suas notícias e sua ideologia simplista traduzida em canções cada vez mais simples e monótonas, de revistas que não aprofundam em assuntos complexos da dinâmica social existente e observamos que a vigilância acrescenta-se quando percebemos que organismos como o Google e o Facebook repassam nossas informações livremente aos organismos de segurança não só americanos, mas também regionais.
"Tô de olho. O Grande Irmão Obama está de olho em você" |
É vigilância que se espera no século XXI, não privacidade. O direito de privacidade era algo destinado aos nossos pais, mas não nós e isso se traduz nas relações internacionais:
Os Estados Unidos não possuíam um organismo de espionagem eficiente até a Segunda Guerra, mas devido à importância dos aparatos de inteligencia como o NKVD e o MI-6, os norte-americanos desenvolveram a inteligência do Exército para contrapor a Abwehr alemã do almirante Canaris. Com o estabelecimento de uma célula de espionagem soviética no território norte-americano e sua descoberta em 1947, os Estados Unidos cada vez mais foram se desenvolvendo em serviços de espionagem até que chegaram a enfrentar a eficiente KGB durante a Guerra Fria.
O aparato de vigilância norte-americano se manteve a despeito o fim da União Soviética, e os Estados Unidos ainda são muito influenciados por uma lógica binária nas relações internacionais de Guerra Fria. A sua procura por inimigos é algo que traduz isso, de toda forma, a construção do aparato de vigilância se manteve e os Estados Unidos que sempre foram muito acostumados a realizar vigilâncias sobre outros regimes continuaram a prática e a reforçaram com iminência da "war to terror" de Bush.
A espionagem de aliados reporta à época de George Bush e isso os informes da diplomacia norte-americana do Wikileaks demonstram muito bem que essa questão não é de hoje; Contudo, o mundo se impressiona hoje do porquê do "bom-moço" Obama continuar a vigiar a vida de chefes de Estado, como Angela Merkel, Hollande ou a tupiniquim Dilma.
De fato a diplomacia americana aprendeu a ser esquizofrênica e a nunca confiar nos seus parceiros, isso a França de De Gaulle traduziu muito bem, a confiança norte-americana só perdura com Israel, talvez pela influência de Kissinger no Pentágono e na Secretaria de Estado. O conhecimento tácito da realpolitik de Bismarck até os dias atuais conduz ao governo norte-americano de sempre ser desconfiado em relação aos seus parceiros e sempre criar alianças fluidas e inconstantes.
A manifestação dos governos vigiados em questionar as ações do NSA são válidas, na medida que seus governos precisam dar uma resposta aos seus respectivos povos, mas não representaram qualquer mudança nas regras quanto à inteligência mundial, porque os próprios serviços de inteligência são algo a margem da lei. Sempre foram, e sempre violaram os contratos sociais, nisso observa-se que as ideias de Maquiavel são válidas na medida em que é conveniente a um bom governante ser amado por seu povo, mas mais do que isso ser temido por sua gente. De tal foram, para a manutenção da ordem a moral não deve interferir nas ações de um líder.
O carisma de Obama não deve servir de engano a nenhum outro. Aquela euforia desesperada por um Messias em 2008 era ruim naquela época e é ruim hoje. Obama não é um Messias, está mais para um Pinóquio, não só por suas mentiras, mas mais do que isso por parecer um fantoche na presidência norte-americana. Quase cinco anos de presidência não lhe conferiram nenhum senso de responsabilidade e as suas ações no plano social foram até agora ínfimas.
O Yes, we can traduziu-se em Yes we can to see |
A vigilância de Obama a outros povos traduz-se por uma vigilância de um governo frustrado frente a outros governos. A legitimidade dos democratas está se reduzindo tanto quanto a dos republicanos e isso poe em xeque até que ponto chegará a política norte-americana. Os Estados Unidos são os Estados Unidos, são a grande potência com músculos que destroçam até um mamute, isso é inegável. Até a China reconhece isso, reconhece tanto que chega a ser cautelosa. Todos os países o são, tanto que o protesto brasileiro à ONU só ecoou na tribuna dos BRICS, porque não trouxe outra coisa senão riso da diplomacia norte-americana.
"Que orelhas grandes você tem!" |
O governo brasileiro ao hostilizar abertamente os brasileiros e não conferir o tratamento adequado ao embaixador americano em Brasília pode colocar em xeque o futuro nacional, não só porque perderemos um parceiro, como poderemos entrar num caminho que não haverá mais saída, tal como a Argentina. Obama dobrou-se à Merkel, porque a Alemanha é a Alemanha, Deutschland über ales, é a Alemanha quem segura a União Europeia e a coordena, é o carro-chefe do capitalismo no Velho Mundo; Mas o Brasil é Brasil, gigante por natureza de pés-de-barro, numa hora poderá se desfazer frente aos graves problemas sociais e estruturais de sua economia como um todo, sempre foi um auxiliar do séquito norte-americano e não mudará essa imagem tão cedo;
A espionagem americana é própria da natureza de um american way of life. Onde o americano comum é frustrado com o seu próprio emprego e com sua vida comum, é frustrado com a sua vida dentro de casa, frustrado por não poder consumir do jeito que gostaria; Tão frustrado que às vezes só comprado coisas ele pode superar essa frustração, tão frustrado que é comendo no McDonalds ele obtém alguma forma de prazer, tão frustrado que é pela pornografia que ele obtém alguma forma de atenção.
A espionagem americana se explica nada menos pela psicanálise de Freud, onde o desejo de vigiar outros povos, vigiar cidadãos de outras nações traduz a sensação de frustração que é o isolamento americano nas relações internacionais, não porque lhe faltem parceiros, mas porque não há quem rivalize com sua estrutura econômica e que lhe faça ter estímulos novamente para o seu crescimento. Não há mais a Inglaterra, o México, os índios, os latinos, os alemães ou os soviéticos para rivalizar o "trem da História norte-americano", como eles pensam. Eles realmente se tornaram um baluarte de um capitalismo que só consegue se desenvolver pela tecnologia sem outras formas de competição.
Os Estados Unidos não estão em vias do fracasso eminente, demorará ainda cinquenta anos para o seu regime entrar em colapso e como os americanos são sortudos por convencer a cerne do pensamento intelectual mundial a ir ao seu território, é possível que ainda consigam superar os seus desafios como sempre superaram. Os Estados Unidos são um enigma a qualquer um que estude a história de grandes impérios;
A espionagem dos Estados Unidos é a espionagem de um garoto gordinho desocupado aos seus vizinhos num condomínio fechado com um telescópio. Ao invés de olhar as estrelas, ele olha para como os seus vizinhos se relacionam. A prática norte-americana é uma prática voyeur. Os Estados Unidos são voyuer por natureza.
"Hum, tô vendo os dois naquele quarto. O que será que estão fazendo..." |
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