sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Máquina de escrever



    Foi-se o tempo em que escrever era um evento tedioso, de calejar as mãos e metralhar a cabeça.

    Foi-se o tempo em que escrever era sentir um texto se formar à sua frente, ao martelar das teclas, da tinha se imprimindo e você se sentir mais forte frente aquele monstro de metal.

     Era simples, bastava por o papel, rodar uma manivela e pronto, já dava para escrever. Se você errava, apertava uma tecla e o papel se borrava, ou pior rasgava a folha e fazia de novo, mesmo assim eu gostava da minha máquina de escrever.

      Eu era criança quando a vi pela primeira vez, na mesa de meu pai, no seu pequeno escritório nos fundos de nossa casa. Era uma coisa robusta, imensamente funcional, sem charme, sem design, que fazia barulho quando se teclava e mais  barulho quando se desligava. Servia apenas para contabilidade, registros e pedidos, mesmo assim eu era fascinado naquela coisa.

      Uma vez, numa tarde chuvosa, eu entrei de gaiato no escritório do meu velho e abri a velha Olivetti com as minhas mãos, fiquei tentado, e coloquei o papel naquele mecanismo, tal como eu vi minha mãe fazer. Era simples, tão simples quanto uma criança de  oito anos como eu podia fazer.

      Escrevi minhas primeiras palavras no papel, errei duas vezes e percebi que a tecla de apagar estava estragada. Puxei o papel e fiz de novo.

      Escrevi besteiras, piadas sem graças, coisas meio pueris, mas quando vi minha mãe no escritório ela parecia ter orgulho de mim. Não sei porquê, não sei pra quê, mas ela se sentou ao meu lado e ficou me olhando escrever naquelas teclas.

       Foi assim a tarde toda, até que uma hora meu pai chegara e eu tive que ir embora, mas o meu fascínio por aquela máquina não parou por ali. Já tínhamos um computador na época, um Windows 98 de monitor de tubo e memória de 256 megas, um trambolho sem fim, mas não era fino, nem de perto tão delicado quanto escrever naquela Olivetti 201.

        Meu pai nunca deixava eu brincar naquela máquina, assim como não gostava que eu mexesse em sua vitrola. "São minhas coisas! Você vai estragar tudo, menino desastrado!". Ele tinha razão.

       Meu primeiro computador, um trambolho maior do que o primeiro, retirou por algum tempo a minha vontade daquela velha máquina de escrever, que agora estava empoeirada e guardada na estante da sala por um defeito qualquer.

       Cresci vendo os horrores da internet e também as proezas, mas nada me tirava da cabeça aquela velha máquina de escrever Olivetti.

        Comprei o meu primeiro Notebook, um da Dell  bem bonito, todo preto, que até hoje uso, mesmo com o teclado meio estragado e a touchpad sem funcionar... Comprei meu primeiro smartphone, meu primeiro tablet. Mas nada tirava a magia daquela máquina de escrever.

         Um dia, mexendo nas coisas aqui em casa, eu encontrei uma verdadeira relíquia, um óculos Ray Ban de meu pai com a capa original, e a velha máquina de escrever sem uso, tomando poeira na estante. Fiquei comovido ao encontrar essa relíquia da minha infância, essa criatura cinza que martelava  com o seu estrondo ensurdecedor as tardes da minha infância.

          Liguei a máquina na tomada, coloquei o papel tal como lembrava e martelei a primeira tecla. Surpresa, a máquina escrevera normalmente, sequer estava estragada. Eu a peguei com as duas mãos, subi as escadarias e a coloquei em cima da minha mesa. Passei uma tarde inteira escrevendo um texto qualquer de umas cinco páginas, até eu ver que o refil tinha acabado. Minha Olivetti funciona, e agora é a minha Olivetti, não a de meu pai, é minha agora. Não sabem como eu fico feliz em saber que ela ainda funciona!

           Relíquias da minha infância.

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