sexta-feira, 8 de junho de 2012

Um conto triste pequeno-burguês

           Essa é uma pequena história, daquelas que você só se dedica a ler quando está com sua família na praia ou mesmo quando está entediado em casa, ela não é uma história triste, mas também não é feliz, essa é a história de um pequeno comerciante e de seus problemas do dia.

          Contam-se os anos, e  a pequena empresa familiar, uma empresa de três pessoas, das quais todas elas são na proporção pai, mãe e filho, que se dedica apenas ao fornecimento de produtos importados, vinhos, temperos, comida. É um pequeno negócio de certo que não tem muitos lucros, mas muitos problemas.

         O pai, um senhor já de meia idade, que os anos deram-se ao trabalho de envelhecê-lo mais, era uma figura meio gorducha e bonachona, de cabeça quadrada e estatura baixa, tinha um semblante tão profundamente marcado que até mesmo a sua face morena não conseguia escondê-la, seu nome, como veremos a seguir era Francisco.

         Ele, apelidado com esse nome por sua mãe, uma personagem sem coração que se dera ao trabalho de abandoná-lo aos encargos da avó, tentara homenagear não menos quem que São Francisco de Assis, de fato tinha um pouco de seu martírio em sua vida... Fora por muito tempo pobre, passara fome e desde muito cedo fora levado ao trabalho, e  tal custo foi o trabalho que agora o tempo cobrava tais  custos com suas constantes dores nas costas (apenas resolvíveis à injeções de morfina de tão profundas).


         Eis esse o patriarca de uma família bastante diversa: A mãe, fervorosa religiosa, era por vezes histérica e volta e meia tinha orgulho quase infantil de sua linhagem portuguesa do Douro, e jactava-se disso, embora a todos soubessem que nada era importante. O pai, como já dizemos, era uma pessoa muito simples, sim, quanto ao trato pessoal, e só se orgulhava por ter por si trabalho e ser contido quanto despesas. O filho mais velho, esse sim era como todo o jovem o exemplo de uma espiritualidade meio revoltada, era incrédulo quanto à religião, ateu por convicção, tinha fortes convicções políticas, discordantes quase sempre das noções liberais de seu pai, mas tinha apenas orgulho do distante antepassado judaico da família.


            O pai se consumia com certeza a jornadas de trabalho absurdas, das quais podemos ressaltar até que chegava a trabalhar por doze horas seguidas, e como sabemos que tão cansativa é a arte de vender, esse infeliz ao pouco consumia sua saúde, mas ele tinha orgulho de pelo menos manter suas contas em dia e um padrão confortável para sua família. Pagava suas contas em dia e tinha orgulho de estar sempre na linha da lei, embora as vezes fosse difícil.

             Ele vinha pouco a pouco definhando às dores das costas, produto de tanto tempo embarcar os seus produtos em caixas pesadas na mala de seu próprio carro, e via seu corpo não aguentar mais os dissabores de tal esforço. Tinha agora que sustentar um filho na universidade e uma filha caçula que sequer à escola entrara, ele tinha particular afeto por essa filha, embora não desejasse que ficasse distante como vinha ficando de seu primogênito.

             A verdade é que ele era familiar no sentido de amar a própria família mais a si mesmo, muito embora o trabalho tenha o tornado um pai relapso. O filho não o  culpava por isso, até compreendia, e vinha pouco a pouco adquirindo o ritmo de trabalho do próprio pai, mesmo que isso não fosse saudável.

             Fosse o que fosse, não era uma harmonia que se via ali, pois todos os três eram distantes entre si e o afeto era coisa muito estranha naquela casa logo ali, casa essa não muito modesta, pode-se dizer: Era um sobrado no meio de um respeitável bairro residencial de classe média, onde se tinha a pleno serviço uma praça de esportes, dois mercados, um açougue, uma padaria, três barbeiros, um curso de idiomas, uma pizzaria, uma funerária, três farmácias, duas academias e três bares, além de um restaurante, tudo isso nada distante de quinhentos metros. O filho brincava dizendo que até para morrer não se precisava  sair dali.

         A vida não era tão aborrecida ali, e até seguia tranquila, apesar das raras discussões na família, até que certo dia uma carta mudou tudo:

         "Audição da Receita Federal

         Constatamos que o senhor, Francisco O. R., deixou de fazer o registro de suas atividades de caixa no período compreendido de agosto de 2006 e agosto de 2007, e o intimamos para prestar contas ao governo, até o presente momento devemos informar que cancelamos a seu registro junto ao programa de pequenas empresas do governo"

         Isso foi recebido como uma pontada em toda a família, o governo federal agora queria a abertura de todas as contas nesse período e cancelara por fim o registro daquela empresa...

         Vale tecer algumas palavras sobre o que ocorreu para isso acontecer:

         Eis que os registros de contabilidade dessa casa comercial foram extraviado pela má índole de uma contadora que não nutria grandes afetos pelo patriarca da casa, seja por questões de ordem pessoal ou profissional. Seja por um ou outro, os registros simplesmente desapareceram. Isso resultou num problema tremendo para todos os envolvidos, e o próprio personagem teve que registrar uma ocorrência junto á polícia sobre a perda de tais documentos.

          Seja por isso, da mesma maneira, os registros não puderam ser efetuados, seja porque os documentos não foram de nenhuma forma reavidos, pela má fé da contadora ou pela da polícia, o fato é que incorreu-se a audição e descobriu-se isso... Isso quer dizer que quem por anos a fio pagara pontualmente seus impostos, incluindo dos anos seguintes, mantendo o registro impecável, agora vinha a ter seu registro cassado por tal ação de terceiros.


            Essa era a problemática da situação, seja como for, uma grande procura foi efetuada quanto à possibilidade de se encontrar tais documentos, deixando a todos, tanto pai, como mãe e filhos engajados nessa procura, sem sequer dormirem noites a fio, até o patriarca constatar:

          — É isso é tudo, só achamos de 2007 para cá — Disse com voz de conformismo.

           A empresa simplesmente seria fechada e teriam que pagar uma multa astronômica junto ao governo.

           — Isso não é justo! Que governo é esse que pune os inocentes e inocenta os culpados! — Reclamou a plena voz o filho.

             — Cale-se, menino! — Interveio a mãe — Não vê que isso só atrapalha?

              O patriarca assentou-se numa cadeira e afundou-se numa maré de extrema tristeza, a única coisa que sabia fazer era comercializar, vender, ele não sabia fazer outra coisa, mas agora, com essa ação do próprio governo, tudo isso era jogado a perder.

             Não tinha mais forças nas mãos, nem nos braços... Tomou-se de uma cólera suprimida, olhou para os lados, viu a sua filha pequena correr pelos cantos da casa, uma bela casa por sinal!, e ele pensou no que aconteceria a partir dali:

            Provavelmente teriam que tomar-lhe o carro, a casa, a mobília, os pertences. Tudo isso seria observado atentamente pelos olhares dos vizinhos enquanto os filhos e sua esposa brigavam contra os oficiais de justiça, e como seu filho mais impetuoso iria com certeza desacatar algum deles, provavelmente seria preso. A vizinha do lado, uma velhinha insuportável que a tanto ele odiava, iria tecer uma risada diabólica enquanto todos eles era desalojados de casa, confiscada pelo próprio governo para o pagamento das dívidas.

              Ele empalideceu-se como nunca em sua triste vida e quando por fim levantou-se da cadeira, sentiu que suas pernas não mais o acompanhavam e caiu no chão como sobre um susto:

           — Papa! — Gritou o filho que correu em auxílio do próprio cai que caíra desfalecido no chão de madeira da sala.

            Tudo que o velho homem pensou ocorrera de forma muito pior, ele caíra com um derrame quase letal, que exauriu quase toda a fortuna da família (a pouca, devemos ressaltar), porque o plano de saúde recusara-se a pagar tal tratamento, e inválido, numa cadeira de rodas, ele vira toda a sua casa, aquela casa que ele construíra com muito trabalho, ser tomada pelos auditores fiscais, e tudo pelo quê? Pelo erro burocrático, pela malícia de alguns? Ele vira o filho brigar com um dos fiscais enquanto levavam seus livros sem consultá-lo em caixotes para dentro de um caminhão baú enquanto a sua filha, aos gritos, tentava salvar sua boneca dos fiscais.


            Se convenceu que ali não havia justiça alguma e ruborizou-se ao saber que "os honestos são punidos e os culpados eram inocentados", essa era a verdade, o Brasil é esse tipo de país em que os verdadeiros ladrões, políticos corruptos, se safam e os inocentes que tentam se manter na lei, são punidos!

           Encheu-se ele de ódio e como num sobressalto de adrenalina, seu coração disparou e se disparou tanto que começou-lhe a faltar o ar... A última visão que ele tivera era do filho o acolhendo enquanto fechavam o caminhão com tudo que ele tinha.

           Foi ali, naquele dia, naquela triste tarde que ele caíra com um ataque do coração, enquanto os culpados andam inocentes entre nós, esse  foi o mundo para o qual construímos?


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