segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O arco-íris cinza

         A base de toda a sociedade ocidental é feita sobre um processo de dominação filosófica e social e intercâmbios entre costumes e povos específicos. Os tabus que moldam todos os nossos preconceitos foram construídos no período de 20 séculos, sob a égide de uma religião e uma sociedade estamental transformada gradativamente em uma sociedade de mercado.

       A sociedade hoje é baseada na instituição da família mononuclear, de domínio heterossexual, cristã na maioria dos casos. Os pais dominam a vida e as escolhas dos filhos, sobretudo a figura central paterna, provedora do lar, mas mais do que isso chefe de família. O papel irresoluto do pai como senhor é passado de gerações a gerações desde os tempos do Império Romano, mas curiosamente é através do cristianismo e da Idade Média que se torna absoluto todo o sistema social heteronormativo.

       Até o século XX, a homossexualidade e a transsexualidade eram tratadas como doenças, e em alguns locais do mundo, os gays eram mortos sob o crime de sodomia. Isso sem contar que para a Igreja católica qualquer relação sexual que não for para fins reprodutivos é pecado. A moral e a ética cristãs alimentaram a discriminação desses grupos e o seu processo de afastamento por séculos, impondo inclusive crimes absurdos em nome da fé e dos costumes.

      Estamos no século XXI e até hoje gays, lésbicas e travestis são tratados como cidadãos de segunda classe, são juridicamente reconhecidos, mas não possuem qualquer tipo de amparo pela lei. São mortos por sua orientação sexual ou por se identificarem com outro gênero, trucidados todos os dias e marginalizados como leprosos e o Estado se renega ao papel de não vê-los.

      Quando disserem que os homossexuais e transgêneros têm privilégios, pensem duas vezes,  Darei alguns exemplos que mostram que hoje, em 2017, tratamos os nossos semelhantes com o mesmo descaso como nossos avós tratavam há 50 anos atrás.


        Basta lembrar que, nos primeiros quatro meses deste ano, o Brasil teve um aumento de 20% nas agressões contra pessoas LGBT. Em 2016, foram 343 mortes nesse grupo – 144 das vítimas eram travestis e transexuais. Com um agravante: a  homofobia e transfobia não constituem crimes no Brasil.

         Um simples casal andar de mãos dadas na rua parece ser um ato de afeto, se você for parte de um relacionamento heterossexual, se você for homossexual, ouvirá insultos, observará toda a sorte de pessoas olhando torto para você, isso se você não acabar sendo agredido. Parece coisa de outro mundo, mas experimente andar na Paulista de noite de mãos dadas. 

          Um simples beijo pode ser dado como ofensa, você pode beijar a sua namorada livremente na frente de crianças, idosos e casais e será dado como um namorado exemplo (e vice-versa), mas se estiver num relacionamento homossexual ou com uma pessoa transgênero, não será assim que acontecera. Você será chamado de vulgar, será convidado a se retirar, isso senão for insultado ou acusado de indecência.


            Ir ao banheiro muitas vezes pode resultar em espancamento e critica, dependendo do local onde você está. De toda forma, mesmo a esquerda não sabe como encarar os problemas e as demandas dos grupos LGBT, de fato as conquistas atuais são bem limitadas, e são restritas quase que exclusivamente aos gays. Os tratamentos hormonais, a inserção no mercado de trabalho de transexuais, ou mesmo a alteração dos documentos são uma novela que se arrasta desde os anos 90, quando as pautas também incluíam desmistificar a ideia de que a AIDS era uma doença de homossexuais. Estamos há quase trinta anos desde o final da ditadura e ainda somos reféns da intolerância contra os grupos mais vulneráveis da nossa sociedade.
         
           A cidadania é negada no momento que todo o sistema judicial  governamental e institucional marginaliza desde a educação básica até o ensino superior transexuais e homossexuais por sua orientação sexual, a censura no museu do MASP e em outros museus contra a "doutrinação LGBT" reforça ainda mais a intolerância e o preconceito. A ascensão de movimentos organizados que querem retirar direitos de representação nos espaços políticos de pessoas LGBT, seja em programas de televisão, seja em passeatas ou mesmo simplesmente na vida cotidiana mostra o quanto o brasileiro é contra o próprio direito de igualdade de direitos garantido na Constituição de 1988.

            De toda forma, percebam? Quantas travestis estão no mercado de trabalho? Quase nenhuma. De toda forma, durante a calada da noite, a maior parte delas é obrigada a estar num mundo pesado e asqueroso que é a prostituição, sendo usadas   por pais de família de classe média que reproduzem o machismo e a homofobia dentro de casa.


            O arco-íris cinza é o que define o tom monocromático de uma sociedade que não aceita as diferenças e cada vez mais intolerante com as suas minorias, então, quando houver a defesa de que gays não podem frequentar escolas, que travestis são pessoas mentalmente desequilibradas e que todas essas coisas são aberrações, lembre-se, você está sendo conivente com extermínio diário de centenas de pessoas marginalizadas nesse país apenas com a sua intolerância. O pior dos crimes é a conivência com o genocídio.

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