Numa
dessas confluências da vida, quando a noite se prolonga mais do que o dia e a
escuridão se adensa em nossos olhos a figura sinuosa de uma pessoa é um
acalanto para uma mente carregada de preocupações. De fato nada pode ser
considerado mais irresponsável do que se fechar para um mundo carregado de
memórias e experiências
As
luzes fracas dos postes de cimento mal lavado carregavam a noite com uma luz
artificial amarelo-magenta que faz com que cada reflexo no espelho de um
asfalto récem molhado pela chuva tenha sido construído uma lâmina de prismas
monocromáticos. Prismas constituídos de flashes e trade-in, ou talvez só meros vazios nas lacunas da vida, mas o
sentido epírico dessas palavras não pode ser traduzido apenas pela pena e pelo
papel, mas pelo sentimento que corre em nossos corações e os pensamentos em
nossas cabeças;
Mas não tecerei versos carregados de fonemas carregados como Maiakovsky,
essa história cotidiana e deveras suburbana é digna de ser colhida num único
momento e piscar de olhos de você caro leitor. “Acaso devo carregar-me de
poesia ou devo ler Guerra e Paz?”, deve estar se perguntando ao olhar o catatau
de Tolstói.
Seus
olhos eram escuros e intensos, honestos e tão românticos que me preenchiam de
pensamentos. Não, essa não era a meta, apenas tentar viver um dia de cada vez.
Seus cabelos eram negros como a noite,
e de seus lábios caíram palavras desencontradas cuja entonação não se ouvia
diante os ventos frios, carregados do peso da noite:
Não ouvi no jardim mesmo os pássaros
Tudo aqui é parado até de manhã.
Se você soubesse como você é querida para
mim
Nas noites frias de outono
O rio está em movimento e ainda parado,
A lua cor de prata.
Nos brinda com uma canção pode ser ouvida
e não pode ser cantada
Nessas noites calmas.
Onde você está querida que me olha de
soslaio?
Estará dormindo ou apenas enfeitiçada?
É difícil de expressar
Tudo o que está no meu coração.
Uma madrugada de verão
Olhei para o jardim
E encontrei a lua
E me apaixonei por você
E o silêncio é mais perceptível ...
Então, por favor, seja gentil,
Não esqueça daqueles dias de verão
Parados
como você e eu.
Seus versos eram irresponsáveis, como os de
um adolescente numa cântiga de verão e pior, ele tropeçava de soslaio, caía de
maneira inesperada no chão e se contorcia num esforço inútil para levantar. Sua
vida era mais do que simples álcool e poemas mal escritos mas a lembrança de um
passado lhe soava meio incongruente.
“Como falarei com você? Como terei coragem
em pegar o seu telefone e não falar contigo, de esquecer o seu rosto e mais do
que isso ainda me martirizar por ser tão tolo a ponto de não querer me
apaixonar?”, pensou como um bom mujique.
Bom, ele tentava se lembrar de como era
não querer se apaixonar, de encarar as pessoas como meras marionetes no jogo de
xadrez e manipulá-las a plena vontade; Ou melhor, pôker, porque ele gostava da
sensação de ganhar e perder dinheiro com a mesma facilidade com que trocava de
roupa.
Sabia como ninguém o que um par de rainhas
representava. Mas ela era mais do que
simples cartas, ela era de carne e osso. Meiga e nem um pouco dada ao seu
passado de boemia. Escutava-lhe o vento e um cachorro mal-tratado que
mordiscava um hot-dog estragado.
O frio batia em sua capa. Um guarda de
soturna expreitava os doentes, e a lua crescia celestialmente entre os prédios
de tijolos vermelhos. Desenrolou um pedaço de papel no bolso
“Você é meu amor e destino!
O destino não é fácil. O amor é duro, mas
é de verdade.
Pois estamos prontos a sacríficios
Nós todos experimentamos mais de uma vez,
O que é se apaixonar todos os dias
Nosso outubro, a todo velocidade!
Com a gente, a canção de corações
vermelhos,
Apressam os nossos anos, mas a vida é
jovem!
E canta como antes tubo.
Você meu amor, você está sempre em guarda!
Me
esperando no coração
Hoje me sinto infantil para não ter escrito nada disso para você, apenas ter brincado de flertar com você que me escutava com tamanha atenção sem reclamar de nada a respeito. Onde você vier estarei contigo.
Tenho
medo de trazer vários dos meus medos no papel, mas tenho o medo maior de deixar
o tempo passar. Somos tão irresponsáveis para ignorar o dia?”
Caiu no chão com uma vontade narcisista de
ser o imperador do mundo e por um momento sentiu-se Napoleão em pessoa, saltou
em cima de uma moto parada e tomou um ímpeto dadaísta de gritar “ Vive
la France!” e sair pela cidade fazendo barbaridades.
Correndo sob tropeções começou a abraçar
os passantes, correr atrás de carros inutilmente, ir mijar nos cantos mais
abusrdos e casar-se com um poste de telefone. Correu do guarda, do cassetete e
correu. Correu, correu, até gritar para todo mundo: Eu a amo.
No meio de uma dessas caiu de cara na mesa
onde jogavam damas dois mendigos, que roubaram sua carteira, e bem mais que sua
dignidade. Vomitado, passou maus bocados lá pelas três da manhã quando um
cachorro mijou em suas pernas e lambeu seu rosto.
Os ônibus saiam vazios, e naquela noite de
apuros, ele ainda se lembrou que foi correr atrás de briga com dois bombadões
de academia. Quando acordou, não se lembrava de nada. Muito menos onde estavam
suas calças, mas ele estava abraçado a um cachorro com o rosto plenamente
vomitado e a roupa suja de vomito. A manhã de segunda feira foi meio complicada
para o nosso jovem anti-herói que além de ter perdido sua dignidade, perdeu o
papel com o telefone. Mas que inferno! Que ressaca!
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