Olho para o vazio deste lago, olho para esse líquido espelhado que me separa, cuja a distância dessa ponte até o fundo é de vinte metros. Olho para o horizonte, ainda é cedo, poucos carros passam. Ninguém dará a mínima.
Puxo um cigarro como último pedido, meu cachecol se solta do meu pescoço e voa longe. Era um cachecol bonito, xadrez, azul e branco, ele que me aquecia a garganta quando ficava muito frio. Mas eu me despeço dele com um olhar perdido. Longe, eu vejo o Congresso Nacional de um lado e a Torre Digital de outro. As vigas dessa ponte são rígidas, de um aço laminado bem forte. Meio estaiada, a ponte se inclinava de forma peculiar, ligando a L4 Sul e o Lago Sul.
Meio perdido, olho para o meu carro estacionado perto dos restaurantes fechados na praça da Ponte JK. O que me separa de ir para casa e tentar viver de novo? Alguns metros. Mesmo assim olho intensamente para aquele azul-prateado convidativo. O lago é tão grande e ainda assim tão sublime, uma represa tão bela, tão bem construída que parece ter sido feito por mãos divinas. Eu espero me encontrar em seu manto cinzento nesses últimos momentos de martírio.
Termino meu último cigarro, eu que não fumo, jogo a bituca para longe. Meu sapato azul sobe sobre um dos apoios e vejo o que podem ser meus últimos momentos. Queria ter uma corda para me amarrar nesses últimos instantes, e enrolar no pescoço como uma gravata, mas tudo o que tenho é medo. Começa a ventar muito, meus cabelos se desgrenham e tenho medo que tudo acabe mal. E seu eu escorregar antes da hora?
Como será se afogar? Será tão doloroso assim? Mas e com o impacto? Será que não desmaio antes? São tantas perguntas, a gente até tem dor de cabeça de tanto pensar. Olho para o céu com olhos de menino, procurando por alguma luz ou uma pipa perdida. Coço minha barba que não aparo a dias, será que esse é o fim?
Tiro da carteira minha última foto. A última foto dela. Ela sorri, está linda, totalmente maquiada. Parece feliz. Rasguei a foto, mas deixei cair na operação a carteira no lago. Tudo bem, havia apenas cartões de crédito estourados e umas duas notas de cinco. Quando eu cair, isso nada será de útil. Mas e meu documento? Morrerei como indigente?
Eu sou indigente. Ninguém se importa se estou ali às 6h35 da manhã de um domingo olhando para o horizonte com os dois pés no cercado da Ponte JK. Está claro que não sairei vivo disso. Mas não, eu olho de novo para as minhas mãos, estou tremendo... Eu tenho medo do vento. Bastante medo, e desisto.
Desço do vão e saio da ponte. Fico zangado por ter deixado a carteira cair no lago, mas vejo que estranhamente ela flutua com o peso. Estranho... Mas consigo recuperá-la. Os documentos estavam todos encharcados, mas tudo bem. Agora o cachecol, esse se perdeu. Foram aqueles momentos mais tristes que eu percebi que estava errado e desisti de ser o que eu sou, um desafortunado.
Liguei o meu carro e fui para casa. E agora?
Eu não sei. Realmente não sei.
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