Faz anos que não escrevo sobre política, desde 2014. Mesmo assim, me vejo obrigado a responder as minhas inquietações com esse texto: O Brasil naufragou sem mesmo zarpar do porto. Era um desastre anunciado, desde 2013 a situação brasileira não correspondia mais aos anseios da sociedade.
Culpabilizo o governo por ter ignorado o apelo popular por reformas em 2013, sobretudo na parte de combate à corrupção, ao aumento de incentivos na parte da saúde e educação. O resultado foi um total desrespeito do governo ao apelo popular por melhorias estruturais no sistema democrático.
Em uma tentativa falha de minimizar os ânimos populares, o governo procurou promover um pão e circo às avessas, ao invés dos pobres, o governo tentou afagar os ricos com a Copa do Mundo, pacotes de incentivos e investimentos setorizados.
Reconheço que no campo social, houveram avanços importantes, sobretudo no plano da habitação e do combate à fome, mas não sejamos inocentes, todos os programas de incentivo dados pelo governo, seja redução do Imposto de Produtos Industrializados, para incentivar o consumo, seja os semi-planos quinquenais (como PAC 1 e PAC 2), e crédito subsidiados, serviram apenas para alimentar ainda mais a ilusão de uma "burguesia nacional".
Digo ilusão porque na globalização, não existe mais esse conceito de burguesia nacional. Na verdade, nunca existiu, assim como os "proletários não tem nação", segundo o próprio Marx, o Kapital também não possui qualquer vínculo nacional, assim como a burguesia. É um erro acreditar que todo o dinheiro conseguido mediante a lucro tenda a ficar pulverizado em toda a sociedade.
O ovo da serpente foi o governo ter virado as costas para todos, para o desemprego que crescia, para inflação que explodia, ignorado que havia problemas fiscais sérios e que a população estavam insatisfeita com os rumos da nação. Poderão dizer quem em 2013 ninguém sabia o que ia acontecer, eu desminto, Todo mundo sabia o que ia acontecer, estava anunciado. Não foi à toa que todo mundo foi para a rua. A classe política tem a tendência de desconstruir o papel proativo do povo, rotulá-lo como ignorante ou incapaz de consciencia política. Sou franco, o povo é imaturo, mas não ignorante.
Todo mundo tinha ideia que havia algo errado em 2013, inclusive o governo.
Em 2014 tivemos aquele espetáculo de horrores que foi a eleição de 2014. Foram talvez as piores eleições do período pós-redemocratização. Como o voto no Brasil é obrigatório, observamos que havia três candidatos fortes no páreo:
Dilma Rousseff tentando a reeleição com índice de rejeição altíssimo por causa das suspeitas de desvios na Copa, a economia dando sinais de desaceleração e falta de credibilidade política. Aécio Neves, candidato de segmento neoliberal, sem qualquer expressividade fora de Minas, com alta rejeição inclusive no próprio estado de origem, com um projeto de reformas que desagradava boa parte da população. E Eduardo Campos, que tinha uma visão diferenciada do processo, em que queria manter os progressos sociais do lulismo com as reformas necessárias no âmbito fiscal e político naquele momento.
Eduardo Campos morreu num acidente aéreo pouco explicado. Marina Silva assumiu e praticamente dissolveu as propostas de Campos, Aécio e Dilma acabaram vencendo o primeiro turno, e o espetáculo de horrores se anunciou. Quem votou na Dilma, prioritariamente votou contra o Aécio. Quem votou no Aécio, não queria a Dilma. Esse é o maior problema do voto obrigatório, as pessoas não tem a liberdade de se recusar a votar nos candidatos com alto índice de rejeição.
Mesmo assim a quantidade votos nulos disparou, mas não foram contabilizados como votos válidos. Nisso chegamos ao aspecto acirrado, de uma eleição apertada de 51% dos votos para Dilma Rousseff contra 49 % para Aécio. Dilma pode ter ganho as eleições por 2 pontos percentuais, mas não saiu vencedora. 50% do país não queria a Dilma já em 2014.
O maior problema de 2014 é que a economia já estava indo mal, mas o governo optou por segurar a situação financeira do país, emitindo títulos, segurando os juros, o preço das commodites básicas inflacionárias (como o combustível), e mantendo uma política de crédito já comprovadamente falida. Nada mais natural, o governo queria se manter. O problema que no segundo semestre de 2014 já havia relatórios econômicos mostrando o cansaço da economia brasileira, sobretudo porque o consumo não estava acompanhando o aumento da renda, a inflação começou a subir devido a problemas crônicos na produtividade brasileira e na sua questão logística. E em dezembro de 2014 foi o desastre fiscal, a bomba estourou.
O governo fugiu da sua meta fiscal, era para ter crescido por volta 25 bilhões a 30 bilhões, ficou com deficit maior de 100 bilhões de reais. Foi o maior tombo da bicicleta em um único ano. De modo que não houve repasse de verbas para programas sociais, como o Bolsa Família, e os bancos estatais tiveram que custear esse encargo sozinhos. Deixando-os em situação financeira delicada, sobretudo a Caixa Economica Federal, o governo só conseguiu pagar as dívidas com os bancos públicos no final do ano passado.
A acusação que pesa sobre a presidente não é sobre corrupção, até porque não há acusações concretas contra Dilma (há contra gente do alto escalão do Governo, inclusive o caso do Lula é dramático, mas não me soa uma novidade), mas sobre o crime de responsabilidade fiscal e mais do que isso uma possível improbidade administrativa, porque se utilizou instrumentos financeiros do Estado para manter uma situação favorável para o governo nas eleições. Onerando o Tesouro Público e deixando em situação delicada empresas estatais.
Empresas estatais, veja o Caso Petrobrás, a maior companhia petrolífera estatal do Mundo sob a acusação de desvios, superfaturamento de obras, esquemas de Caixa 2, cartel, dumping, e problemas sérios de gestão (sobretudo a questão da Refinaria de Abreu e Lima e Pasadena). No início de 2015 a justiça norte-americana levantou indícios de possível fraude na compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás, nisso a Operação Lava-Jato já estava atuando e descobriu novas irregularidades no mandato de Graça Foster no comando da Estatal. Graça Foster caiu, descobriu-se então outras irregularidades e esquemas de corrupção no mandato do ex-presidente da companhia Gabrielli, amigo pessoal de Lula.
A toda semana foram se descobrindo novas evidências, algumas que se comprovaram ser falsas, outras que levaram a prisões, como a de Cerveró, Bumlai e Delcídio Amaral. O fato que se o governo já não estava com uma popularidade alta logo depois das eleições, com a descoberta de esquemas de corrupção na Petrobrás e a "pedalada fiscal" com os Bancos Públicos, o governo perdeu ainda mais popularidade.
Nisso se soma as impopulares (e necessárias) medidas do ajuste fiscal, me desculpem os petistas, mas Dilma fez tudo o que prometeu não fazer, aumentou os impostos, mexeu nos planos de aposentadoria, aumentou os juros, mudou as regras do seguro-desemprego e retirou investimentos no Bolsa Família e do Minha Casa Minha Vida, Ciência sem Fronteiras entrou numa situação financeira delicada, e não obstante, a dívida publica do Brasil dobrou com a explosão do dólar que aconteceu nesse ano. O poder aquisitivo brasileiro caiu (embora ainda seja maior do que foi em 1998) e o desemprego voltou a crescer, a juventude perdeu seus sonhos e teve o ajuste fiscal do Levy.
Levy, para o mal para o bem, estava fazendo tudo o que o mercado queria, a um ritmo lento devido às próprias questões políticas do governo com a base na Câmara e no Senado. Acabou que nenhuma das medidas surtiu efeito, não por despreparo do ministro, mas porque o Brasil não tinha credibilidade para levar a frente medidas tão impopulares com a presidente. Nesses momentos difíceis a arte do convencimento de um bom governante faz com que se superem as adversidades mais fácil, os estrangeiros não tem a percepção, mas Dilma não é popular, não tem carisma, e pior ainda, não tem jogo de cintura para esses problemas. O maior problema da Dilma é não ser o Lula.
A inflação estourou a niveis catastróficos de quase 10%, a política de juros chegou a absurdos 13,75%, o maior índice de todas as vinte maiores economias do mundo, o poder aquisitivo brasileiro caiu para um 1/3, o câmbio em relação ao dólar que chegou a R$ 1,66, foi para R$ 4,15 em menos de um ano e meio.
Economicamente falando foi um desastre, e a culpa foi a indecisão do governo de fazer o que era necessário. O necessário era renegociar a dívida pública que praticamente triplicou, manter uma folha fiscal estável e elevar impostos não sobre o consumo, mas sobre a renda. Nada disso foi feito.
Não há milagre nem New Deal que resolva isso. A oposição que tinha praticamente desaparecido na época do Lula (o PSDB quase desapareceu), ressurgiu mediante a insatisfação popular, e os antigos apoiadores do governo se desiludiram com as constantes denúncias de corrupção,as atitudes equivocadas uma atrás a outra da presidente e o próprio ajuste fiscal.
Brasil como bem se sabe, não é para amadores. A oposição é neoliberal, mas não é direita de verdade, e sim social-democrata. O governo se diz de esquerda, mas suas atitudes tem mais a ver com a ideia de um capitalismo estatal cepalino do que qualquer projeto de esquerda. PT deixou de ser partido de esquerda em 2003, na minha opinião, e muitos ex-militantes pensam da mesma forma. Agora o partido corre o risco de ser esfacelado com a grande impopularidade da Dilma.
A solução do impeachment mediada pelo PMDB francamente não resolverá nada, o PMDB foi o condutor do processo de redemocratização, participou de todos os governos de 1985 até agora, e esteve entranhado no projeto do PT por 14 anos. Está envolvido nos erros da política econômica, está envolvido nos esquemas de corrupção, e logicamente é tão impopular que não conseguiria eleger um presidente sozinho. Como maior partido do Brasil, ele é o mais heterogenero da República, e o mais confuso. Um governo do PMDB seria um desastre.
Não acredito francamente que o impeachment seja um golpe, basta a leitura rápida de Locke, para perceber que quando um governante não tem mais o apresso do seu povo, é lícito que seja deposto, até mesmo pelas armas. Desejo profundamente que não se use as armas e sim os limites da justiça, mas impeachment é um processo natural previsto na Constituição e nascido em todos sistemas democráticos. Nós temos direito de retirar um governante quando não queremos mais, é errado termos que esperar mais dois anos para que se possa se fazer um reajuste político convincente.
Se tiver que esperar mais dois anos, haverá uma guerra civil. Eu acredito realmente nisso, isso se não tiver golpe de verdade, com armas, tanques e mortes. A única saída realmente sábia são novas eleições gerais, imediatas, mediante a um plebiscito com o povo. O poder emana do povo e deve-se manter com o povo, os representantes hoje estão tão dissociados da sociedade que não podem mais responder por ela.
Antes que digam que goste da oposição ou do governo, convoco-lhes ao pensamento, só há realmente dois projetos antagônicos para esse país? Será que não estamos pensando pequeno demais ao esperar desses políticos caducos, com projetos políticos da Guerra Fria, possam ser extirpados sem que produzamos nada de novo. Acabou para mim a Quarta República brasileira no momento que se admite que o diálogo não pode produzir mais nada, e apenas o ódio mútuo ser aspecto reconhecido da política.
Maldito seja o governo que deixa o seu povo sofrer com sua própria incompetência, e maldito seja o povo que deixar se iludir por sua própria infragilidade. Não podemos mais esperar que o mundo resolva fazer algo por nós, a Democracia brasileira só será feita diretamente pelo povo, e não por políticos profissionais que há 20 anos espoliam o nosso país com falsas promessas.
Novas Eleições imediatas! Plebiscito! E se necessário nova Constituição! Apenas isso salvará o que ainda resta de democracia nesse país.