Eu não vejo assim, mesmo não sendo muito apegado ao termo família, eu respeito meus pais e minha irmã como respeitaria a um amigo ou companheiro, em todo o caso eu acabei fazendo uma análise histórica da transformação familiar através dos tempos...
Com o passar dos anos, o conceito família tem se transformado acompanhando as constantes mudanças religiosas, econômicas e sócio-culturais da sociedade em que tem se inserido e muito se afirma sobre a formação da família no contexto ocidental em si, mas como é que a família pode ter surgido?
Por uma análise empírica podemos analisar que a configuração familiar atual está diretamente atrelada ao desenvolvimento do casamento monogâmico tradicional, pautado no modelo patriarcal e na propriedade privada (Engels. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), já que “as designações "pai", "filho", "irmão", "irmã", não são simples títulos honoríficos, mas, ao contrário, implicam em sérios deveres recíprocos, perfeitamente definidos, e cujo conjunto forma uma parte essencial do regime social desses povos”[1].
Em períodos remotos “os sistemas de parentesco e formas de família, diferem dos de hoje no seguinte: cada filho tinha vários pais e mães”1 além de que “o estudo da história primitiva revela-nos que um estado de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a poliandria, e em que, por conseqüência, os filhos de uns e outros tinham que ser considerados comuns”1.
Quando fazemos uma análise da família no contexto da antiguidade clássica, entendemos apenas por família o grupo de membros que pertencem ao topo da hierarquia social (Patrícios, no caso de Roma, e Cidadãos, no caso da Grécia), porque os escravos não eram encarados como gente em si, apenas como uma coisa a parte disso.
Em todo o caso, a formação familiar romana, por exemplo, era pautada em um modelo patriarcal em que a família era a base do código de leis romano, na qual os membros desse grupo eram praticamente propriedade de seu paterfamilia, o indivíduo que detêm poder sobre a família; as mulheres não tinham voz na sociedade romana, estando sempre confinadas em casa e sua única serventia, para aquele contexto, era de ter filhos (os romanos achavam mais honroso o amor entre dois homens do que um homem e mulher); já quanto as crianças, a educação era diferenciada, em que apenas os meninos eram educados do ponto de vista formal por um paedagogus, um pedagogo, costumeiramente um escravo grego, que ensinava retórica, oratória, matemática e filosofia. Se uma criança não seguisse a ordem da família, poderia cair até mesmo na escravidão. O objetivo de um romano comum não era o seu engrandecimento pessoal, mas sim engrandecer o seu clã com os seus feitos em vida.
Com a ascensão do cristianismo e com o início da sociedade feudal, essa ótica familiar altera-se: agora há um modelo de família a se seguir, a família divina, em que todos devem se basear nela. Além disso, há uma gritante exteriorização das relações familiares e consequentemente não há um individualismo dentro do seio da família, embora o modelo patriarcal se mantenha, “mas de fato até o fim do século XVII, ninguém ficava sozinho. A densidade social proibia o isolamento e aqueles que conseguiam se fechar num quarto por algum tempo, eram vistos como figuras excepcionais: relações entre pares, relações entre pessoas da mesma condição, mas dependentes umas das outras, relações entre senhores e criados — estas relações de todas as horas e de todos os dias jamais deixavam um homem sozinho. Essa sociabilidade durante muito tempo se havia oposto à formação do sentimento familiar, pois não havia intimidade”[2].
Durante certo tempo (até o início do século XVII) a idéia de privacidade, presente visivelmente na vida contemporânea, era algo raro no ambiente familiar. Nesse período tudo ocorria em um único espaço, em grandes galpões sem delimitações (não existe o local privado, individual) de espaço que seria o ambiente familiar.
Um modelo familiar diferente, na realidade artistica
Os servos costumeiramente dormiam em cabanas apertadas de palha, amontoados entre si e com os seus animais dentro das casas. Não haviam muitas perspectivas de mobilidade social, assim os filhos eram educados para serem camponeses ou para irem para o Baixo Clero. Quanto aos senhores, havia mais luxos, mas a intimidade também se mostrava ausente e os filhos eram treinados para serem nobres guerreiros ou membros do Clero.
Os servos costumeiramente dormiam em cabanas apertadas de palha, amontoados entre si e com os seus animais dentro das casas. Não haviam muitas perspectivas de mobilidade social, assim os filhos eram educados para serem camponeses ou para irem para o Baixo Clero. Quanto aos senhores, havia mais luxos, mas a intimidade também se mostrava ausente e os filhos eram treinados para serem nobres guerreiros ou membros do Clero.
No final da Idade Média, com a ascensão do Renascimento, surge uma mudança de pensamento quanto às crianças e agora “a criança tornou-se um elemento indispensável da vida cotidiana, e os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro”[3].
Mesmo com essas evoluções, nesse período, um ponto estava a evoluir: a questão sexual da criança acabou desempenhando papel importante no desenvolvimento do conceito família, principalmente no surgimento da privacidade. A Igreja possessivamente controla ainda a sexualidade infantil, a curiosidade da criança, até que o controle da masturbação torna-se foco de debate, o que antes era questão religiosa começa a ser visto como questão humana. As crianças passam a ser estudadas e sua privacidade também.
Logo, no contexto do século XVIII, “a família moderna separa-se do mundo e opõe à sociedade, o grupo solitário dos pais e filhos. Toda energia do grupo é consumida na educação das crianças, cada uma em particular, e sem nenhuma ambição coletiva: As crianças mais do que a família. (...) Essa evolução (característica) da família medieval (...) durante muito tempo se limitou aos nobres...”.
Com o constante fenômeno migratório para as cidades as famílias antes constituídas por uma quantidade grande de indivíduos vêm-se diante de pequenos grupos familiares. As mulheres passam a fazer parte da população ativa da sociedade e as crianças a frequentar escolas.
Os laços entre os integrantes desse grupo social tornam-se estreitos, ocorre diminuição da família, há o contraponto com o conceito pré-revolução, que é agora baseado em matrimônio (vínculo matrimonial), o que leva a um fenômeno reducionista, e não mais em estrutura patriarcal com sua possibilidade de alargamento.
Mesmo que essa evolução tenha se expandido ainda “uma grande parte da população, a mais pobre e a mais numerosa (proletariado), vivia como as famílias medievais, com as crianças afastadas dos pais.”[4].— inicia-se um distanciamento de pais e crianças em virtude das questões sociais (os pais tem que trabalhar em jornadas exaustivas, não dando muito atenção aos filhos. Já os filhos, ou estudam ou começam a trabalhar para sustentar a família), em todo caso Émile Zola, de, se torna um grande retratador da realidade família operária na sociedade industrial, ao expor um distanciamento familiar na sua Magnum opus, Germinal, .
O modelo americano (In Obama we trust) de família.
Já em meados do século XIX a família passa por mudanças notáveis em seu caráter moral: há o surgimento da privacidade e distanciamento da vida familiar e profissional.
Já em meados do século XIX a família passa por mudanças notáveis em seu caráter moral: há o surgimento da privacidade e distanciamento da vida familiar e profissional.
Um modelo americano de uma família estupida
Assim, com a crescente efervescência na Europa no final do século XIX e início do século XX, o pensamento familiar alterou-se muito, mais ainda após a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa e a Segunda Guerra Mundial.
Assim, com a crescente efervescência na Europa no final do século XIX e início do século XX, o pensamento familiar alterou-se muito, mais ainda após a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa e a Segunda Guerra Mundial.
Com a ascensão da sociedade socialista na Rússia soviética, alguns pensamentos sobre a família se tornaram inovadores, afinal “a revolução foi levada a cabo não só pela igualdade social, mas também pela igualdade dos sexos”[5]. As mulheres no Império Russo eram tratadas como cidadãs de segunda linha, embora algumas trabalhassem, elas ainda eram dependentes dos homens. Assim, “os bolcheviques estavam empenhados em promover a igualdade dos sexos”, introduzindo leis que facilitavam o divórcio, autorizavam o aborto e transformavam o casamento num ato civil. Peter Kenez reforça que “os bolcheviques utópicos falavam no desaparecimento da família” (afinal, os bolcheviques queriam liquidar com as instituições sociais antigas), houve um aumento do número de casamentos, mesmo que “esta experiência, juntamente com algumas teorias radicais de amor livre, davam a muitos a impressão de que a estrutura da família, e a estabilidade associada à mesma, se estavam a desintegrar”. Não foi bem o que aconteceu, e essa experiência auxiliou numa transformação na estrutura familiar no século XX.
Com o final das guerras, importantes transformações sociais atingiriam o modo de pensar a família em si: a criança é entendida como um meio de esperança para alterar o mundo.
O modelo patriarcal começa a ser questionado e com a Revolução Sexual e Feminina da década de 60, passa a ser duramente criticado; a forma da família também se altera: agora, além das famílias tradicionais, surgem famílias monoparentais, ampliadas, recasadas e não convencionais e o modelo de família patriarcal e tradicional deixa de ser regra.
Em última análise, o conceito familiar altera-se de modo significativo no século XX: a família antes nuclear agora se torna mais fechada; as revoluções sexuais alteram a forma e a composição familiar; o modo como a criança é pensada também se modifica; os pais empregados distanciam-se de seus filhos deixados aos cuidados de terceiros, mesmo que isso já tivesse surgido na Revolução Industrial; além do fato de que a violência próxima ao ambiente familiar contribua profundamente para o seu fechamento.
Demonstra-se hoje que não existe uma família ideal, mas sim uma família real, independente de sua configuração, a família foi, é, e sempre será, uma instituição social e as tentativas niilistas de sua eliminação fracassaram, não por ingenuidade, mas porque o conceito de família se tornou uma condição de existência do homem como indivíduo social.
A família é uma instituição social, como a Igreja, um Partido ou uma escola, ela não é engessada em si, pois ela é construída por pessoas, pessoas essas que mudam através dos tempos, muitos conservadores acham que devemos seguir o modelo familiar tradicional (Bolsonaro, minha gente), mas essa nostalgia que acaba acontecendo dos tempos passados, não passa de pura e simplesmente de um distorção de uma realidade em s, embora existam inumeras realidades em um mesmo contexto. A família, em minha visão não está ameaçada, porque a família é a primeira instituição social que somos introduzidos na sociedade como um todo, é claro que eu não estou falando que tudo tá liberado (não vai atazanar o seu avô de noventa anos, nem pegar sua prima de 18), eu estou falando que a família não deve ser idealizada, pois ela varia com tempo, com a realidade social, com a nacionalidade, com a religião, com a cultura.
[1] ENGELS, Friedrich . A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, P. 4.
[2] ARIÉ, P. História social da criança e da família, P.264
[3] ARIÉ, P. História social da criança e da família, P.270.
[4] ARIÉ, P. História social da criança e da família, P.271.
[5] KENEZ, Peter. História da União Soviética, P. 100.