segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Chuva

       Beija os meu pés o mais gelado dos lábios, que é o chão molhado com os pés descalços. E longe de sentir-me incomodado, abraço a chuva que cai do céu e sem cerimônia enxarca meus cabelos de água límpida e transparente enquanto venta preguiçosamente as minhas roupas contra a direção do ar.

      Desejo me encolher nesse escuro que faz hoje a noite, e me sinto especial ao imaginar na sombra dessa escuridão o filete de felicidade sincera... Uma tromba d'água cai sobre meu corpo, e preenche minha alma, mas eu hoje não sei porquê. Me sentia antes tão perdido na chuva, que mordiscava o seu tempo com ódio mal-disfarçado, mas hoje me esforço a beijá-la e bebê-la com os lábios entreabertos, entardecidos de tamanho despojamento. 

     Minha capa está completamente ensopada, meus sapatos deixaram entrar água que agora foi direto para a minha meia. A roupa não irá secar no varal, meu carro vai ficar todo sujo, e sim, provavelmente estarei com sono daqui a pouco. Mas como gosto do barulho da chuva que bate na telha e tece sobre mim um doce cântico junto ao meu ouvido... Não é um cântico lamentoso, ou mesmo carregado de alegria, mas um monotono tintilar que me faz lembrar de quando era criança e gostava de dormir na chuva.

      O poste perto de casa se apagou, em meio à ventania os cabos de energia balançam, mas eu não temo absolutamente nada. Depois de um tempo, você se acostuma a olhar a chuva como algo redentor e, por quê não, salvador. Possuir a chuva é um desejo que nem chega a ser profano, nem divino, mas uma aventura colegial. Afinal, de suas águas nada tenho senão a que molha meu corpo e enxarca minha alma.


      Nessa chuva, é bom tomar um bom chocolate quente, ficar envolto nas cobertas e assistir um bom filme. Com uma companhia, bem, seria perfeito...Mas afinal, o que me falta na chuva, acho que só a sensação de vê-la caindo na terra, pulverizando longas distâncias e alimentando todas as árvores e folhas. Os rios e lagos cada vez mais cheios, a vida cada vez mais colorida, e o mundo cada vez menos inseguro.

       Chuva é uma obra desse pequeno planetinha que demonstra o real valor da vida, pois me lembra da agonia que a seca representa para todos os infelizes lobos do deserto. As estepes se prolongam, mas tardam a desaparecer quando a água começa a cair, e nisso, estou contente, em dizer que já esperava me perder nessa narrativa, mas quem disse que quero me encontrar senão no meio do temporal que cai lá fora?
     

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