quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Sobre a minha depressão

      Esse tema é recorrente a muitas pessoas, mas infelizmente é uma doença crônica que me acompanha desde os meus 16 anos.  A depressão começou em estágios, primeiro foi através do bulling de forma surda, depois foi com o sistemático silêncio que havia da minha família sobre esse tema e foi se agravando com o passar dos anos.

      Não convém culpar alguém por isso, mas nos últimos meses eu venho tendo uma depressão muito intensa intercalada com estresse pós-traumático. Recorrentemente eu tenho ideias suicidas e isso volta e meia vem a tona como nas minhas três tentativas anteriores. A primeira foi com 16 anos, sobrecarregado pelo estresse e a ansiedade, eu convivi muito tempo em silêncio enquanto me sentia humilhado pelos meus colegas, eu tentei me jogar do alto de uma escadaria. Felizmente não deu certo.

       Essa tentativa de suicídio fracassada me deu a chance de viver novos sete outros anos, conhecer novos amigos, ter novos  amores, fazer um curso universitário que eu gostava, ter um carro e pensar em ter um futuro. Infelizmente no meio desse caminho, a solidão veio me acompanhando e eu não conseguia me expressar por vergonha ou inibição própria. A relação com meus pais tornou-se cada vez mais complicada, dentre cobranças e atritos. Meu primeiro namoro foi completamente inviabilizado por causa disso.

        O resultado foi a minha segunda tentativa de suicídio, agora com antidepressivos. 

    
        Desde então a minha base de apoio se tornou meus amigos e sempre busquei viver alheio à minha família. A morte do meu avô pelo câncer me impactou de forma muito profunda e com essa marca eu cheguei a pensar na minha própria existência, esses temas nunca puderam ser discutidos com meu pai infelizmente, que nunca entendeu, ou nunca se esforçou em compreender porque eu queria me matar. O quadro de profunda infelicidade foi se aprofundando com os anos e a medida que eu envelhecia eu deixava de ter a ambição de seguir os meus próprios sonhos.

       Quando eu desejei ir para Rússia, diziam que eu não era capaz, que eu não devia ficar longe da família e muitas vezes fizeram chantagem emocional comigo. Eu desisti de ser historiador no momento que eu vi que eu não tinha mais ânimo para estudar, sobrecarregado pela universidade, pressionado de todos os lados, eu me senti cada vez mais solitário e desisti dos meus sonhos.

       A minha inserção no mercado de trabalho se deu porque eu não queria passar fome, comecei a trabalhar como representante comercial e sim, recebi um bom dinheiro, tive momentos ruins, tive momentos bons, mas realmente não me sentia realizado e diante das cobranças do dia a dia eu costumava duvidar se eu tinha capacidade para levar aquilo à frente.

       Os erros foram aparecendo e cada vez eu me sentia mais inibido de procurar outras ocupações, quando eu terminei a universidade, eu não sabia o que seria da minha vida dali para frente. Trabalhei e tentei seguir em frente, cogitei várias vezes fazer um mestrado, eu desisti, e toda nova desistência eu via colegas passarem à frente e seguirem o seu futuro. Abracei como pude minha ocupação, ela poderia me dar o dinheiro necessário para ser independente e sair da casa dos meus pais, onde não me sentia a vontade.

        Nesse meio tempo, eu conheci a pessoa que me fez mudar de opinião e acreditar que eu podia conquistar o mundo, o nome dela era Giovana, ela era uma transexual. Foi o primeiro namoro sério que eu tive com uma pessoa transgênero e devo dizer que foi um desafio gostoso, eu a amei até o último dos nossos dias e sinto por não ter sido suficiente para ela. Ela tentou entender minha depressão antes de me julgar e quando as coisas ficaram impraticáveis em casa, por conta do preconceito, ela me deu um teto e fomos morar juntos.

         Eu abandonei meu emprego e decidi que devia seguir em frente, às vezes me faltava coragem, outras a inércia me consumia. Minha família não me apoiou nas minhas escolhas e nos momentos mais difíceis, eu me vi sozinho com Giovana. Ela me amou e me respeitou, ela errou também, mas foi uma mulher exemplar e nisso serei eternamente grato.

         Quando passamos pelo estupro, bem foi uma época complicada, nosso relacionamento começou a ter problemas e eu mesmo não consegui lidar direito com toda essa carga pesada. Sofremos bastante, principalmente ela, e tivemos que fazer escolhas, a escolha que tinhamos concordado foi nos mudarmos de cidade e fomos para São Paulo.

         São Paulo foi um desastre, além de eu não ter conseguido emprego, meu sonho de prestar o mestrado na USP naufragou, ela não conseguiu se manter e eu sobrecarregando todo esse peso, bem as coisas não deram certo. Passamos fome, fomos humilhados, dormimos na rua. Eu sempre pensei se era justo com nós dois, duas pessoas apaixonadas, passarmos por tantas provações.

          Por um milagre voltamos a Brasília, e bem, as coisas não melhoraram quanto imaginamos. Nosso relacionamento tinha se desgastado e o amor que tínhamos um pelo outro aos poucos se apagava, eu sentia isso. Eu também fui culpado. Ela tinha entrado em depressão, eu também. Ficamos reféns do destino e isso foi um erro.

          Giovana sofreu um sequestro nos últimos meses em que estivemos juntos, eu fiquei em pânico, achei que ela estivesse morta, chorei como nunca enquanto procurava ter notícia através das amigas e de conhecidos. Ela foi maltratada, humilhada, foi drogada e tiraram toda dignidade que um ser humano poderia ter. Ela era uma pessoa boa.

          O fim foi realmente triste e isso me trouxe certa revolta, certo incompreendimento e certa tristeza. Duas pessoas que sonhavam e se amavam tiveram que se afastar, eu fui me sinto responsável em parte por isso porque não tive energia para lutar e procurar um emprego qualquer, mesmo que fosse o mais ínfimo que fosse. Eu sou o culpado por não ter conseguido protegê-la.

          Separados, eu fui obrigado a recomeçar na casa dos meus pais, nessa altura eu já tinha feito minha terceira tentativa de suicídio, cortei meus pulsos numa banheira (até hoje eu tenho as marcas). Minha família disse que eu podia ficar o tempo que precisasse para me recuperar e conseguir voltar a ficar saudável. Minhas dívidas foram quitadas e bem, eu tentei recomeçar.

          Volta e meia eu lembrava das coisas ruins que aconteceram e começava a ter crises de choro do nada. A depressão voltou com força no último mês e eu não senti mais vontade de sair da cama. Numa dessas, eu fui agredido. Fui chamado de vagabundo, imprestável, sanguessuga. Eu que me sentia incapaz, não reagi, estou com lábios inchados até hoje por causa dos socos contra o meu rosto.

          Eu sei que fiz o melhor que eu pude, eu sei que tentei protegê-la e tentei retribuir o amor que tinha por ela, uma coisa que poucas pessoas entendem. Nesses últimos dias eu fiquei preso na ideia de que o suícidio seria minha redenção, eu me isolei de todas pessoas ao meu redor, fiquei longe dos meus amigos e decidi que devia lidar com isso. Setembro Amarelo é só uma data comemorativa, poucas pessoas aparecem para te ajudar quando você realmente está mal. Uma dessas pessoas foi Gerson, um dos meus melhores amigos, que me fez repensar a minha vida de algumas formas, outra foi o Rômulo que me fez acreditar que eu tenho um futuro fazendo o que eu gosto.


         Desde então, tem três dias, três dias apenas, que eu voltei a escrever, coisa que não faço há um bom tempo e comecei a redigir um novo livro. Não sei se irá para frente, mas é mais uma tentativa. Não consigo digerir certas coisas, o estupro e o sequestro foram coisas realmente traumáticas das quais só o tempo me ajudará a esquecer, mas eu sei que eu tentei ser uma pessoa boa e tentei ajudar o próximo, mesmo que ninguém compreenda o que signifique mais isso. Muito menos pessoas que me criaram e que me agrediram. 

         A isso tudo eu prometo, eu seguirei em frente. Eu te amo Giovana, obrigado Gerson, obrigado a todos meus amigos e obrigado a minha mãe e à minha irmã por terem ficado comigo. O futuro é um enigma, mas todo dia será uma luta daqui em diante.

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