Toda vez antes de dormir,
ela sentava-se junto à cama, beijava a fumaça do cigarro e tirava o sutiã que a
apertava. Ela olhava com olhos cansados para o vazio numa vista frívola de um
apartamento no terceiro andar de um hotel. A mobília do seu quarto era antiga,
de mogno pesado, sem muita graça e com um ar condicionado que fazia um tremendo
barulho.
Uma orquídea cor-de-rosa
namorava de maneira psicodélica uma garrafa de vinho francês pela metade. O
computador carregava pela metade, ela se deitava na cama de lençóis brancos,
finos como a seda, olhava para o teto com a lâmpada pendente e chorava.
Chorava porque dizia-se
ser mais forte do que os outros e sempre se lembrava de ser melhor que os
outros. Ela ignorava as várias ofensas que o mundo lhe impunha. Ela regojitava
sua raiva ouvindo música e postando textos longos no Facebook, vez em quando ia
num bar e se embriagava até não poder mais. Festas e mais festas, fumava sempre
um cigarro para passar o tempo, até o que o empo passava mais rápido na
intensidade de um soco.
Vez em quando dormia sem
comer, vez em quando desistia de chorar, vez em quando guardava suas mágoas num
cofre bem profundo. Não tinha mais o apoio da mãe, e o pai nunca foi grande
coisa, amava a irmã e às vezes duvidava de si mesma.
Ela sofria calada, bebia
sem se enganar e tentava deixar tudo o que sentia de lado. Sonhava morar na
Toscana, sonhava viver e se apaixonar. Mas mais do que isso, sonhava em ser
respeitada. Vez por outro ignorava um insulto ali ou aqui, vez por outra achava
que tinha parcela de culpa. Mas não ignorava o fato como o grito surdo de um
mundo cheio de barreiras fazia seu coração tremelicar.
Toda noite tinha medo de
ser morta ou apedrejada como os israelitas faziam com os infiéis. Todo dia saía
na rua e se tornava centro das atenções, não apenas por ser bonita com o seu
cabelo louro de leão, mas porque um mundo feito de bonecos de plástico não
aceitava pessoas de carne e osso.
Padrões de beleza e
estética a moldavam, a torciam e a maltratavam, até que por fim, tudo o que
tinha era uma garrafa de vinho barato e uma caixinha de música. Poderia ela ser
uma bailarina, um violinista, física ou psicóloga, mas a vida não lhe resolveu
essa sorte. Pelo contrário, vivia confinada naquele apartamento minúsculo sem
qualquer expressão ou qualquer quadro que se destacasse e quanto menos tinha
sossego, maior era a sua aflição.
Ela se sentia só, sentia
seus ossos cansados, seu corpo cadente de carinho e um sorriso fraco no rosto,
enganava-se muitas vezes. Perdia por vezes a vontade de ser feliz, até que num
desses dias perdeu a chama de um cigarro.
Foi quando como um cometa
que caía sobre a noite, cadente e pulsante ela encontrou-se no arrebatamento do
que poderia ser chamado o amor. O que pode ser uma surpresa para uma menina com
24 anos corridos, mas às vezes tudo o que desejamos só acontece quando menos
esperamos. Irritado, o coração se lacera e corrói o seu estomago, o seu fôlego
se esvai.
Exasperada, ela corre de
medo ao encontro do seu destino e decide viver só mais um pouco. O namorado era
um zero a esquerda, com saldo negativo no banco, um carro mequetrefe, falava
engraçado e não tinha qualquer tipo de expressão. Ela ainda assim o amou até
onde pode, mesmo ele sendo um retardado que a machucava por completo. Por vezes
eles discutiam, eles se machucavam e normalmente era culpa dele mesmo. Ela
tinha paciência.
Paciência de tal forma
que em todos os deslizes ela tinha decidido perdoar. Fosse porque tivesse algum
afeto por ele, ou algum afeto por si; de toda forma, ela olhava para o celular,
perdia tempo no Facebook e esperava ter um futuro.
Esse mundo não foi feito
para sonhos, ela se lembrava disso; E por fim, numa das suas autosabotagens,
seu namorado saiu com suas coisas: levou a orquídea consigo e um pouco do amor
próprio. Ela ficou na varanda fumando em silêncio, não sei se chorou ou se
ficou no marasmo da solidão.
Apenas foi para a cama e
dormiu. Cigarro na boca e a caixinha de música com uma bailarina dançando no
eixo da corda ao sol de Lago dos Cisnes. Ela ficou quieta e sonhou, teve
pesadelos, sofreu com seu pai alcoólatra, com a sua mãe dependente de um
casamento fracassado, de sua irmã que não via há um ano. E sofreu por não estar
mais perto, e sorriu justamente por estar a frente.
O cigarro apagou, algo
tinha se apagado também. Era a luz ou a chama que conduz tudo o que somos? Não
sei o que dizer, só sei que eu sou o namorado canalha e ela é um anjo dentre
nós reles mortais.
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