sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Nevoeiro

         A névoa espessa junta-se aos galhos cinzentos das bétulas, os caminhos cortados por roedores que se escondem atrás dos choupos acabam sendo bloqueados pelas árvores secas do inverno. Também pudera, naquele frio que fazia, pouco podia-se fazer senão meditar.


        Com o cachimbo trincado nos dentes, a fumaça do tabaco que aquecia nas brasas da madeira resfriava-se quando chegava à boca. Caminhava sinistro com o seu capote de pele, sujava suas botas de couro na neve e meditava cabisbaixo enquanto caminhava pelo bosque. A nascente congelada corria silenciosamente enquanto o vento batia em suas costas. O quepe pensou em voar, mas preguiçosamente mantinha-se em sua cabeça.


         Resfriado, com um pouco de remela nos olhos. Ele fumava, enquanto o fumo parecia se apagar com mais um sussurro gelado daquela tarde. Seu coração era frio e o rosto era fino. Pálido como Branca de Neve, aquele personagem tão banal nem parecia ser digno de nota... E ele não era.


          De fato, tivesse ele nome ou não. Aquilo em si não era importante. Não estava ali para pescar ou caçar, estava apenas envolvido pela meditação enquanto o tabaco apagava perto da boca. Era um homem diferente dos outros.


          Pensou em beber um pouco de vodka que escondia junto ao coldre, mas lembrou-se que ia conduzir. Aquele homem era estranhamente sinistro e se escondia como uma coruja à noite, seus olhos eram castanhos e oblíquos. Ele tinha um nariz pequeno.


          O coturno amassava os galhos secos nos chão e as botas cortavam a neve sem cerimônia. Ele sacou uma faca e roubou um talo de bétula de uma árvore. Estava tão frio que pensou em fazer lenha, mas era tolice fazer justamente ali. Estava cada vez mais frio, e irresponsável, bebericou um pouco de vodka.


         Estava agora aquecido, da garganta para baixo. Ele não se importava se estava sozinho ou não, no meio do nada esperando ser caçado como uma lebre numa competição. Ele portava apenas dois papéis e um pequeno revólver sem balas no coldre. Seria ele um bandido?

         De fato ele não era, era só um homem. Sem coração nem carisma. Não conquistava o amor das mulheres, nem a simpatia dos homens. Vivia sob ordens num mundo em que a desordem impera.


        Sentiu frio de novo.


        Agora não foi o vento, mas algo mais sinistro. Puxou o revólver junto à mão e o coração junto à garganta. Beijou o medo e saiu calmamente no branco do esquecimento. Uma bala cortou-lhe de frente.

        Sorte que ele não foi atingido e saiu correndo. Estava sozinho e sem qualquer tipo de segurança. Correu, foi com tudo em direção à moto onde tinha estacionado. As ordens eram importantes e quantos anos ele tinha? Vinte? Como são inconsequentes os jovens de vinte anos! Será que eles amam de verdade? Ou apenas enganavam as moças das aldeias do interior.


         Mas Dmitri Sebastopov era um homem pouco maduro para a vida, mas muito maduro para o mundo. Ele sabia quando haveria sol ou não, ou quando ia viver e morrer. Ele sentiu o cheiro de sangue. Correu, disparou e acabou encontrando de frente...

         Era um cervo que caía agonizando na sua frente. Estava deitado sem esperanças, ele sangrava e tinha calafrios tão intensos por causa do frio que parecia estar tendo convulsões. Dmitri sentiu pena pelo animal e até pensou num tiro de misericórdia, mas sua pistola estava sem balas. O do oponente não.


          Correu, mais rápido que seus pés; mais longe do que sua cabeça; E mais ridículo do que o seu corpo. Saltou de uniforme e tudo na trincheira, sua farda ficou branca  e ele se escondeu no frio. Tinha perdido o seu cachimbo e estava sendo caçado. Teria tempo para ter uma morte honrosa e beber vodka? Pensou que não.


        Nunca mais veria Yulia cujos lábios de menina comiam os seus olhos durante a chuva, e seus olhos enganavam sua mente quando estava quente. Ele engasgava algumas palavras enquanto era caçado naquele bosque perdido. O nevoeiro não desaparecia, o coração batia forte e sentiu medo de urinar nas calças. Sem arma e com ordens oficiais. Presa fácil.


       Não sei se ele lembrou do cervo, mas sei que ele caiu. Caiu de costas no chão. Os olhos ainda olhavam para o nada e imaginou ter ouvido coisas. O frio entrou pelo colete e o ferimento fez de tudo para não congelar, o sangue jorrava no chão com extrema cautela. Tossiu.


         Pensou ter visto alguém se aproximar... Não sabia quem. Um casal talvez. Um homem e uma mulher. Tinha certeza mesmo à distância.  Sorriam ao todo, estranho.

         Ele estava morto? Não, era Yulia. E quem era o outro? Piscou os olhos e no próximo segundo seus olhos ficaram sem vida enquanto olhavam o céu. Estava nublado e frio. Como são todos os invernos em Veliky Novgorod.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...