sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Quanto vale um voto?

              Quanto vale um voto? Financeiramente, algo em torno de sete reais por pessoa (através das estatísticas do próprio TSE). Mas o que realmente faz valer um voto?

              Um voto é uma pessoa essencialmente, mas o valor agregado de um voto é apenas simbólico. Digo isso por observar que o voto em si, no recinto democrático, perdeu o seu valor inicial, se desvalorizou depois de anos de desilusões numa ordem que cada vez mais se desvencilha da realidade.

               A democracia é uma triste piada, as instituições aparelham-se de maneira ignóbil e pueril a forças partidárias, seja de direita, seja da esquerda. Amianto em terna de ambientalista, é uma forma disforme e irregular diante da ordem oligárquica.

             Mas o que é um país sem o voto? É um país silencioso e devasso, um antro para as sombras ignóbeis da censura. A ordem democrática hoje é uma nulidade pela completa estupidez de um modelo engessado que não inclui realmente o cidadão comum à política; A democracia representativa é uma múmia política, a democracia direta é o modelo cada vez mais exequível e cada vez mais flexível.

          Contudo, o que é ser democrático? Esse é o maior dilema gramatical dos últimos tempos;. O respeito cartesiano aos códigos prescritos é essencialmente o mais correto, mas também o mais burocrático. A fluidez com que a dinâmica política da ordem das cotidianas impedem que necessariamente as coisas possam ocorrer conforme a teoria prescrita pela Constituição. A Constituição deve ser um norte e não um fim, porque as leis não se esgotam em si mesmas;.

             Agora, isso não quer dizer que todas as leis são passíveis de uma interpretação particular e fluída conforme as necessidades de um grupo político, pelo contrário, as leis partem do princípio de um contrato social entre a sociedade civil e o Estado; Algumas vezes esse contrato é imposto de maneira bastante violenta.

               Ninguém no Brasil em 1889 teve a chance de escolher se queria uma república ou a monarquia. Pelo contrário, a democracia brasileira se deu por via das armas; Talvez seja essa seja a origem do nosso desastre, o flerte com o autoritarismo que todos os atores políticos existentes já se seduziram uma vez na vida. Afinal de contas, onde estão os liberais? Eu digo não os neoliberalistas econômicos que interpretam de uma forma radical a Escola de Viena, Ludwig von Mises e outros, como se fossem testemunhas de Jeová a espera da chegada do Messias.
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                 Ao contrário do que se imagina, um liberal tem amor às instituições democráticas e o Estado constitucional de Direito. E mais, deseja o aperfeiçoamento das instituições para o funcionamento racionalizado da sociedade.  Contudo há uma confusão entre o liberalismo político e o crime do direitismo reacionário. Acaso isso seria criação propriamente do discurso vazio entre o totalitarismo e o pseudoprogressimo populista.

                     A origem dessa associação entre "liberais" e "reacionários" nasceu no contexto corrente da crise da democracia moderna na década de 1930. Quando o liberalismo do laissez faire reduziu o mundo às migalhas do desespero, o liberalismo era questionado duramente em todos os cantos do mundo democrático (e principalmente no não-democrático). No Brasil isso é mais sensível, porque a Revolução de 1930 acabou com uma ordem que pregava um liberalismo político às aversas.

                 A Primeira Republica nasceu com um golpe e morreu com outro golpe. A oligarquia paulista se articulou com as oligarquias regionais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro para criar um regime eleitoral de base oligárquica. Essa oligarquia nasceu muito mais com a crença positivista de criar uma sociedade "higiênica" e puramente funcional do que propriamente democrática, tanto que militares de baixa patente, analfabetos e clérigos eram proibidos de votar, assim como as mulheres. Isso descartava a maioria da população economicamente ativa.

                     Na verdade, a liberdade brasileira é associada com a forma de acumulação de capital. O cidadão só é realmente livre quando realmente possui um poder aquisitivo para pagar o preço da sua própria liberdade (ou felicidade), mas nesse caso, querendo ou não sua liberdade é relativa, afinal de contas ele estará sempre vinculado ao contrato social.

               A Primeira Republica é essencialmente uma democracia deformada, de base rural e agrária; Ela reinterpretou à sua maneira a Democracia na América e trouxe o maior vacilo de deturpar a ordem norte-americana. De fato não é elogiando o sistema norte-americano, mas ele com certeza é o único lugar que a democracia efetivamente deu certo.

               O Golpe de 30 é um rearranjo das forças políticas e de um Brasil que estava esperando se modernizar (a grande propaganda positivista inflamou por muito tempo  a ideia de um Brasil Potência, e isso se manteve de maneira muito clara até 1985 quando há um desarranjo dos planos de desenvolvimento nacionais). Vargas fez o papel de declarar que tudo, inclusive o liberalismo é velho, e que a nova política só se daria a partir entre uma aliança entre proprietários e trabalhadores para criar um Grande Brasil;

               A Revolução de 32 é absolutamente liberal, o último suspiro afinal, e o levante dos paulistas foi duramente sufocado pela a violência de uma propaganda verborrágica de atacar São Paulo como o antro mais reacionário da Política brasileira que ameaçava o progresso de um Novo Brasil com sua velha política. Contudo é justamente São Paulo a vanguarda do que veio a ser o Novo Brasil, ali nasceu a nova sociedade brasileira que se passou por urbana e industrial.

              São Paulo guarda mágoas do resto do Brasil,  só não mais que o Rio Grande do Sul, porque farrapos sejam ditos, eles nos deram Getúlio Vargas.

               O Estado Novo é velho; Sim, velho porque nasceu das elites locais, dos tenentes (que se venderam ao poder pelo poder) e ao corporativismo escraxado. Vargas criou uma constituição moderna, a de 34, para torná-la despótica em 37. O Estado Novo trouxe de volta o autoritarismo florianista ao cenário nacional, repaginado não mais com o positivismo, e sim com o fascismo corporativista.

               A democracia de 46 é uma ressignificância do que foi o Estado Novo, mas foi o período mais democrático que vivemos e mais conturbado. O eleitor, trabalhador industrial, rentista, estudante, industrial, banqueiro ou comerciante, profissional liberal tinha consciência de seu papel político e de sua consciência de responsabilidade democrática. A participação social e o engajamento político é crucial para entender a Democracia de 46, mas isso não é um retorno ao liberalismo, pois de fato, o liberalismo político brasileiro nunca existiu.

                Ataques à Constituição, tentativas de golpes, intervenção do Congresso, do Exército, pareceres contrários ou favoráveis a determinado grupo vindo de fora; Tudo isso alicerçou a crise da democracia de 1964. E isso alicerçou os vinte anos de crise, a ditadura militar. Ali a democracia desapareceu na concretude e também no papel (mesmo havendo um congresso eleito e funcionando, com um papel totalmente eunuco de suas responsabilidades reais e um judiciário prostituído aos interesses de um Executivo totalmente centralizado).

                    O fim da ditadura trouxe uma verdadeira democracia, o povo foi as urnas, aos protestos com o desejo inflado por direitos e mais direitos; Mas os anseios do povo não estavam sendo acompanhados pela ninharia política deprimente que foi ter a velha política atuando: O primeiro presidente eleito poderia ser novo, mas era totalmente a cópia de seu pai, um velho político da época varguista.

             Os anos de crise e depressão econômica colocaram em xeque a democracia até o Plano Real, quando a estabilização monetária auxiliou a estabilização política. 2003 a 2011 foram os anos de sono, a classe média se desligou do que é democracia no momento de bonança financeira, quando as reservas monetárias estavam altas e sem alarde podia gastar seu dinheiro com o que quiser.

            Os grandes proprietários permaneciam silenciosos no governo trabalhista que lhes gerava lucros absurdos a despeito do discurso de defesa ao proletariado (que na práxis é uma franca distorção, porque a defesa do proletariado é incrivelmente a Revolução).

                E o estado assistencialista que nasceu reduziu a pobreza de tal forma, que as reservas de capitais altas de um estado inchado conseguiram por um tempo reduzir o impacto absurdo da pobreza. Esses tempos de bonança passaram e o Brasil foi obrigado a acordar.

               A eleição de Dilma Rousseff nasceu num voto de "confiança"/ conservadorismo político do brasileiro em manter os ganhos de oito anos do lula-petismo. O mensalão é uma mácula na história desse partido, mas que foi ignorado e ainda é, devido aos resultados econômicos da população geral bem como a inserção da maioria (pobre e miserável) no contexto social e econômico a partir dos programas de inserção do governo. O Bolsa Família salvou um país de disparidades brutais, ao caminho do radicalismo.

                 Mas isso se esgotou. E a ausência de projetos novos e viáveis, associada a completa irrealidade como se enxerga o exercício do republicanismo, alicerçado em uma estratificação democrática da legitimidade do voto, mais a corrupção brutal, levaram a descrença dos partidos políticos. Hoje tidos como cabides de aproveitadores.

                A democracia brasileira não existe, é uma franca piada. Ninguém se vê absolutamente representado pelos  candidatos verdadeiramente expressivos nas eleições. O voto não é no candidato vença, mas que o outro perca, afinal de contas, sempre se vota no menos pior. Acaso não é verdade, que se fosse opcional o voto poucos iriam às urnas? Claro que sim.

              Os três candidatos são ruins.

              Mas quanto vale um voto?

             Por volta de sete reais por eleitor.



              Mas há um preço simbólico no voto. Esse preço é: A única chance real de poder mudar nessa ordem deturpada e absolutamente nojenta que é a política nacional. Votar nulo não resolve, é insultar os milhares que foram torturados e mortos quando a democracia sequer existia efetivamente. Pior, é aceitar um modelo em vigor que muito bem pode virar uma ditadura disfarçada aos olhos da maioria.


             Há uma solução: Esqueça de votar no menos pior,  esses candidatos costumam ser piores ainda. Essa mentalidade é um câncer que lacera nossa própria realidade. Vote sim no que realmente acredita. Vote numa pessoa que você confiaria como um amigo, mesmo que tenha o risco da traição é melhor do que se assaltar com a persistência de um erro.


               Ou faça isso, ou faça a Revolução. Pois realmente eu concordo, essa democracia está a cargas d'água de nos fazer virar um Gigante Portugal.

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