Faz aproximadamente um ano que minha vida deu uma reviravolta inesperada, uma completa perversidade do destino combinada com a livre iniciativa de um espírito revolto. Nesse único ano de sonambulismo, estive muito preso à ideia dos meus próprios sonhos, mas a verdade que todos os meus dias se tornaram terríveis pesadelos.
Em paralelo, acredito que toda a juventude pode ter passado por isso, pelo horizonte de expectativas de um futuro melhor, e pela triste realidade de descobrirmos que não somos realmente livres. O espírito do homem sempre foi o de buscar a liberdade e a independência, mas a verdade é que temos medo da liberdade.
Estamos reféns filosoficamente do nosso passado, do outro século que se prolongou entre a intolerância e o ódio, somos os filhos do fracasso, da incompreensão e da cobiça. Nossa geração é a única que foi realmente preparada para ser melhor que as anteriores, e sim, nós fracassamos.
É um fardo que iremos levar, um mundo cujas responsabilidades se somam e o futuro nos engana. Lidaremos com menos de trinta anos o desafio do aquecimento global, de uma economia hipertrófica onde as sucessivas secas irão ser rotineiras, que a subsistência da humanidade será refém do caráter cada vez mais escasso da água potável. Ficamos absortos a isso enquanto discutimos trivialidades no Twitter ou curtimos as fotos no Instagram, mas a verdade é que não temos soluções para os nossos próprios problemas.
O desemprego se soma e traz consigo todas as mazelas possíveis de uma economia de mercado cada vez mais cruel e impessoal, ao mesmo tempo que a tecnologia nos poupa de trabalhos braçais desumanos, ela retira os postos de trabalho de uma população mundial que vem crescendo em exponencial. É inevitável uma catástrofe social dentro dos próximos dez anos quando a juventude será sufocada pelo mercado de trabalho.
Na verdade, pela falta de trabalho. O ofício intelectual é ameaçado pela nova teocracia neoliberal que valoriza a composição dos números e dos índices da Bolsa de Valores, os bancos que causaram o maior pandemônio econômico dos últimos tempos e que foram socorridos pelo Estado, agora voltam ao seu papel de agiotagem e rasgam as esperanças de qualquer trabalhador obrigado a se ver na condição de devedor. Nossos novos tempos valorizam a riqueza, mas na verdade não a produzem, apenas a roubam.
A internet nos uniu ao mesmo tempo que nos distanciou, temos agora a maior oportunidade de acesso à informação de toda história da humanidade, mas continuamos cegos. O pior de tudo, às vezes, conscientemente, e ficamos absortos quando políticos envelhecidos pelo tempo tomam a iniciativa que irá impactar completamente o nosso futuro.
Seja um Michel Temer rasgando a legislação trabalhista consolidada pela CLT, conseguida com muito custo, em nome "do mercado", seja um Donald Trump fechando os muros de seu país e criando uma nova Idade Média: O fato é que a crise de representatividade nunca foi mais séria do que agora.
Nesse último ano, eu descobri o que é ser um desempregado, descobri o fantasma de ser um devedor e a humilhação de ser refém do capital artificial dos bancos, mas pior do que isso, descobri o quão grave é a sonambularia que cegou todo o nosso triste esquecimento. Não tenho mais moral nem física nem psicológica para acusar um governo reconhecidamente corrupto, associado a um sindicato do crime e referendado pela corte de juízes. É um escárnio falar sobre como nosso futuro foi roubado.
Enquanto vocês leem essas palavras, (se é que a leem), continua o genocídio do povo sírio nos seis anos que se arrastam a Guerra Civil. Enquanto vocês estão no Snapchat, a Ku Klux Klan está ressurgindo em Charlotteville juntamente com os neonazistas pregando a intolerância e o ódio. As fronteiras do nosso mundo se fecham com o medo e somos prisioneiros do esquecimento.
Não deveria mais tratar sobre isso, mas o último sonho que tive foi de uma sociedade justa em que todos os homens tivessem a oportunidade de seguir os seus sonhos, que tivessem o mínimo para sobreviver num mundo cada vez mais impessoal e hostil. A questão é que a natureza humana conduz ao exercício trágico de ruptura com tudo o que sonhamos e a liberdade é apenas uma franca piada.
Desta pessoal que foi humilhada por pensar diferente, que passou fome por não ter tido forças para lutar e que não correspondeu as expectativas nesse mundo pouco carismático, eu digo de coração, meu amor por tudo que eu conheci se foi no momento que a fantasia se descortinou.
Não tenho esperança de que o futuro seja melhor, não tenho esperança que o racismo irá acabar, que a homofobia irá desaparecer, o desemprego, nem a fome. Infelizmente a intolerância é praticada por gente comum em posições razoavelmente comuns, e enquanto minhas últimas palavras se findam, relembro que a insônia de nossos tempos é justamente resultado de nossa incapacidade de abrir justamente os nossos olhos para o que segue errado, quando justamente seremos a geração que irá pagar o fardo das outras anteriores.
Não acredito que minhas palavras irão mudar o mundo, nem acredito que esteja sendo lido nesse exato momento. Estou apenas refletindo que no espelho nada aparece senão um semblante abatido de dor e sofrimento; Adeus admirável mundo novo.