Minha consciência prega-me novamente outra peça. Nessa madrugada que se arrasta perdi o meu amor próprio e o amor à minha própria cama. Eu estou imerso de ideias que não saem da minha cabeça e que me entristecem ao passar das horas. A solidão dos dias em claro meditando num canto fechado de casa sem ter ideias de como enfrentar a vida. Há algo de anormal nisso tudo? De fato eu não sei, sinto certa incapacidade de minha parte.
O desânimo e a tristeza me tomam por completo. Nunca esperei chegar em tamanho estágio de impotência, fragilidade e medo. Sim, porque nós devemos sentir medo às vezes. As pessoas tem medo de ficarem sozinhas, medo de se sentirem inúteis, medo de se sentirem vulneráveis. Todos nós compartilhamos isso uma centena de vezes.
Estranhamente é meu aniversário, mas é como se fosse um dia qualquer. Uma madrugada de sexta para sábado que realmente me amargura por dentro. A noite espessa, sem qualquer tipo de vínculos com meu corpo, acaba me adoecendo. Ligo o rádio e desejo um jazz tranquilo, e eis que ouço Louis Armstrong. Eu estou triste.
Meditei todo o mês de abril sobre essa incapacidade emocional que surgiu em minha mente, e redescubro o zeitgeist do qual fui tomado há pelo um ano e meio atrás, quando realmente fui forçado a amadurecer mais cedo do que deveria. Naquela época os sonhos pareciam possíveis, as chaves de todas as portas e janelas estavam a um passo, mas novamente por uma estupidez de minha consciência tornei-me estranho à própria imagem refletida no espelho. Desde então aconteceu-me sucessões de contratempos, dos quais não desejo dissertar, mas descubro que não tenho mais objetivos já algum tempo e isso me é foco de sofrimento.
Estou no limbo filosófico, estou amargurado pela lembrança de um passado que não me consola. De fato, eu já o ignoro, mas o futuro não me deixa de ser um conto de fadas.
Hoje espero que esse dia passe, que as responsabilidades dêem um tempo e que eu tenha tempo para raciocinar tudo o que fiz. Minha honra continua inabalada a despeito das máculas com que a podridão humana se somam contra meu próprio nome, e não estou muito centrado em banalidades cotidianas, de fato. Assomam-se os inimigos em minha volta e estou tranquilo com minha estupidez diária em tornar-me cada vez mais eu.
Não preciso da aprovação de pessoas estranhas, não preciso de elogios de pessoas falsas, nem busco o conforto em palavras ou ideologias insinceras. O ceticismo já me preenche, junto com o pragmatismo que me acostumei em abraçar, mas mesmo em meu ceticismo, desejo amar e viver como um ser humano normal, que possui seus próprios portos seguros em meio às tempestades do mar da vida. Isso é realmente impossível, principalmente com os padrões de comportamento atuais.
Não há perseverança sem sofrimento. E imagino as virtudes dos sofrimentos com que as pessoas são inundadas, as dúvidas e dilemas. Quanto mais penso nisso, mais eu fico carregado de ideias. Não sou essencialmente a imagem de um pária para a humanidade, mas também não posso me pautar por prerrogativas de base moral arcaica, o dogmatismo é empobrecedor assim como as rotulações que hoje emanam como insultos aos meus ouvidos.
A despeito disso, a despeito de ter sido tomado pelo ódio visceral com pessoas cuja estirpe realmente não me apetece durante os últimos meses, a despeito de ter vociferado críticas ferozes a ideologias caducas, de dilemas morais estúpidos e de religiões arcaicas após o limiar do novo século, mantenho ainda a minha consciência tranquila. O semblante abatido de hoje é fruto apenas do envelhecimento prematuro de uma consciência que um dia já foi juvenil. Pedantismos à parte, ignoro a imaturidade com que os indivíduos de minha idade encaram suas próprias vidas.
Odeio pensar que perdi amigos nesse processo, porque de fato, fora tão fácil se afastarem de mim por desculpas fajutas, então não posso reconhecer-lhes laços de amizade. Mesmo distante de velhos amigos há coisa de cinco ou seis anos, lembro-me com muita felicidade dos momentos que passei junto daqueles a quem considerei muito. Os que hoje se afastam por infantilidades da própria mente são tomados pelo ignóbil desvio de caráter que é ser covarde. A justeza de minhas palavras pode soar ácida, mas ainda assim verdadeira.
9 de maio. Maio, um mês bastante complicado. Eu penso muitas coisas quando vou envelhecendo, nos meus vícios mundanos, seja o tabaco e o álcool, os quais faço questão de ser bastante severo em minha autocrítica, mas também nos meus vícios emocionais, dos quais ainda não consegui conter. Um deles é sem dúvida um enorme calcanhar de Aquiles, ter empatia pelas pessoas próximas.
Tolices à parte, eu imagino os erros que cometi que poderia ter evitado, afinal de contas se fui foco de sofrimentos a essas pessoas, peço desculpas, não sou um ser humano perfeito. Sou ainda frio e bastante calculista. Mas nem em toda a frieza me torna insensível às coisas que concernem meu coração, pois num filete de esperança que irrompe sobre o meu peito, imagino que as minhas paixões acaloradas e emotivas foram benéficas, embora tenham me conduzido a erros inimagináveis.
A tudo isso imagino que pessoas estiveram do meu lado, conhecendo todas as minhas facetas e me tratando como semelhantes, essas pessoas realmente posso chamar de amigos. Mais do que isso, os laços de amizade são apenas uma centelha, um adjetivo banal utilizado após a popularização do Facebook, mas essas pessoas é como se tivessem laços de sangue, mesmo de forma virtual, comigo. Como se fossem irmãos e irmãs de minha própria consciência, essas pessoas são parte do que eu sou e da personalidade que se formou em torno de minha mente.
Napoleão não é apenas Napoleão, mas a soma de todos os seus pares e semelhantes. Assim como César ou Alexandre. Essas pessoas nesse dia de meu nome merecem ser lembradas com enorme consideração. Embora tenha crises de consciência, elas ainda se mostraram fiéis mesmo em todos os aspectos difíceis.
Inumano, talvez seja isso que descreva o epitáfio de minha consciência para algumas pessoas. Mas de fato, posso estar sendo mesmo. E como reforço, não me importo. Eu tenho minhas ideias, tenho minhas paixões, meus erros e considerações, mas pelo menos eu sou livre enquanto as outras pessoas são presas em caixotes que elas realmente construíram para si mesmas. Não desejo nem mesmo pontuar o nome dessas criaturas ignóbeis que não deveriam ser relembradas num futuro próximo.
Depois de meditar comigo mesmo, redescobri que apesar do zeitgeist, ainda sou eu mesmo que perdura dentro de mim mesmo. Que mantenho um fio de esperança na caramuça, na armadura que erigi para mim mesmo e que ainda estou tomado de romantismo para com a minha própria vida e o meu horizonte de expectativas. Descobrir o sorriso de uma criança, o calor de um beijo de uma pessoa amada, a sensação da vitória e mesmo a sensação da solidão melancólica. Isso que nos traz vida. Mesmo envelhecendo, mesmo tendo cabelos brancos antes do tempo, ainda sinto-me bastante jovem para dizer que eu amo uma desconhecida, cujos olhos grandes e escuros devoram-me como a esfinge, cujos cabelos escuros e lábios de mel tomam minha consciência na distância de meros passos distantes, bem distantes de mim.
Na minha febre melancólica de um mês finalmente tomo esse pensamento como um prêmio. Estive errado por muito tempo em considerar a presença de uma pessoa física como elemento importante da minha felicidade, quando na verdade a pessoa intelectual, teórica e construída de palavras e ideias é o elemento mais relevante para a minha existência hoje. E ela nem precisa gostar de mim, conhecer ou me desejar. Ela deve estar comigo sempre quando minha mente criar armadilhas a mim mesmo, essa criatura hipotética deve acompanhar a minha cabeça como um norte coerente para alguém que não tem religião ou fé.
Esperança, agora entendo o que pode ser isso. Maior presente que foi dado por Pandora à Humanidade. Felizmente. Não desejo galanteios, não desejo presentes, nem palavras charmosas em honra de meu nome, nesse dia de meu aniversário, só desejo o silêncio que me trouxe o maior dos presentes: Paz de espírito.