sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Desemprego: dilema do século XXI

Eu acho que vai ter uma época que vamos ter que aceitar que o desemprego como fato consolidado. Não teremos mais espaço para realocar milhares de pessoas no mercado de trabalho e nisso fica a pergunta: O que faremos?
A proposta revolucionária visivelmente não encontra mais respaldo como tinha no século passado, o mundo está se deteriorando rapidamente por consequência do modelo de reprodução do capital que ao mesmo tempo que não distribui riquezas, inibe as novas gerações em terem posições garantidas no mercado de trabalho. O aquecimento global e a deterioração do nosso meio-ambiente são fatos consolidados. Vamos admitir que as pessoas realmente não tenham mais oportunidade, mesmo com vários diplomas e especializações, porque cada vez mais os robôs entrarão em cena, ou vamos usar a tecnologia para criar um sistema de isonomia social em que todos os membros da nossa sociedade terão direito a três refeições ao dia, educação de qualidade, habitação e aos recursos básicos de subsistência? Já é possível fazer algo assim, temos safras recordes todos os anos, temos superávit na construção civil, crescimento na produção industrial a partir da automatização. Mas se aceitarmos isso, temos que ver que o neoliberalismo e a acumulação de riquezas com alta concentração de capitais necessariamente vai ter que parar. Se o sistema capitalista quer ainda sobreviver por mais outro século, então, é hora de se reinventar. A questão é: como? Pois bem, tendo em vista que nos próximos anos, entre dez a vinte anos, a participação de robôs e computadores será significativa, inclusive substituindo profissões consolidadas, como advogados, psicólogos, operários da construção civil, médicos, taxistas, comerciantes. Tudo isso será substituído por consultórias jurídicas feitas por softwares de inteligencia artificial, que irão ser capazes de interpretar o sistema de leis, inteligências artificiais que passarão a fazer consultória e aconselhamento psicológico, robôs que irão fazer construções baseados em projetos feitos sobre o computador, montando tijolos e placas de concreto assim como se monta automóveis.


Nem para plantar precisasse mais de mão humana


         Robôs cirurgiões que irão fazer incisões com nanotecnologia e muitas vezes com raios laser em células cancerosas ou mesmo realizando partos. Automóveis autônomos, identificadores de tendência e softwares formadores de opinião que passarão a exercer o trabalho de comerciantes e catapultaram o comércio eletrônico. Todas essas são tendências e o que será  feito dessas profissões?


Não será mais necessário um motorista do Uber pra te levar pra casa, o carro te leva sozinho

Balconistas realmente serão substituídos por funcionários autômatos, assim como faxineiras, garis ou mesmo policiais. As guerras serão cibernéticas, envolvendo bolsas de valores, mortes virtuais e aparelhos eletrônicos sendo destruídos. A verdade é que nesse novo panorama até a nossa moeda se tornou virtual, podemos fazer transações de crédito em segundos e todo o lastro que temos hoje com o dólar poderá ser agora indexado numa nova moeda, o bitcoin.




Escrevo isso em 2017 numa economia estagnada e com problemas sérios de concentração econômica, os bolsões de pobreza estão ressurgindo e as gerações mais jovens não estão conseguindo se reinserir no mercado de trabalho, ao contrário das gerações anteriores que tinham mais oportunidades de acumular capital através da especialização, ter um futuro profissional e uma carreira, o que constatamos no século XXI é que nenhum diploma realmente garante um emprego exatamente pelo caráter fluído da especialização, cada vez mais as pessoas são obrigadas a fazer cursos específicos em áreas cada vez mais complexas e sendo menos remuneradas do que antes. A única exceção é a indústria tecnológica. Teremos que admitir uma hora que não haverá mais emprego como antes, repartições públicas poderão ficar obtusas, assim como a prestação de serviços, a indústria e o setor primário. Esses dois já substituíram boa parte dos seus empregados por máquinas, inclusive hoje já existem colheitadeiras autônomas que não precisam sequer de condutor para colher as safras recordes. O mesmo para as indústrias, sobretudo a automobilística que usa agora robôs para montar componentes, indexar os blocos dos motores, soldar chapas de aço e montar até mesmo pára-brisas.


Construção civil a partir de robôs já  é realidade


Assim como o robô cirurgião


A impressora 3D vai acabar com o trabalho manual dentro de dez anos, isso é um fato, não será mais necessário você sair para comprar uma panela ou mesmo um prato para a sua casa, basta ter o software, ter o modelo de uma panela ou um prato e mandar a impressora produzir. Simples assim. É nisso que entra tudo isso.


Uma das impressoras 3D fez o molde de um motor de combustão interna

       O maior capital do século XXI não será o dinheiro e sim o conhecimento. 

          Isso já é uma tendência do século XX, quem tinha conhecimento sempre tinha maiores oportunidades para acumular dinheiro e também conseguir postos de trabalho avançados, mas agora, eis a diferença. O dinheiro virtualmente não irá existir na sua forma de valor de trabalho-braçal, ou mais leigo, tempo de trabalho desempenhado por um trabalhador para fazer um produto, tudo agora dependerá apenas do conhecimento para fazer o produto.


            Se formos ao pé da letra, o software necessita de um desenvolvimento, um cálculo matemático preciso, horas de trabalho, desenvolvimento de tecnologia de informação e tudo mais. Para você produzir a panela na sua casa, você vai precisar do software na sua impressora 3D. Assim como nos apps do seu celular, você é obrigado a pagar por um determinado produto para usufrui-lo (exemplo, você paga para jogar Angry Birds), e assim a empresa ganha dinheiro, se mantem e gera lucro.


              Como será feito quando não tivermos empregos suficientes para todos? Quando não tivermos mais médicos, policiais, dentistas, garis ou taxistas?


Policiais robô já são realidade

   Temos duas opções: 


         Primeira, aumentar os bolsões de pobreza com a maior parte da humanidade recebendo ajuda do Estado enquanto toda a cadeia de produção e reprodução das riquezas alimenta uma casta cada vez mais diminuta de pessoas, que terão acesso a todos os serviços, todos os bens e à ponta da tecnologia, usufruindo de alimentação saudável de ponta e água potável. (Cenário perverso e mais provável).


        Segunda, iniciar uma sociedade onde todas as funções de trabalho serão feitas por máquinas,  ou uma "escravidão" dos robôs, em favor do bem-estar da humanidade, em que todos os materiais e compostos serão feitos por robôs, desde a colheita dos alimentos, a extração dos recursos naturais, produção de produtos de consumo, construção de casas e automóveis. Isso seria a democratização plena dos meios de produção, todo mundo teria em tese acesso a uma educação de qualidade, alimentação digna, habitação, teria acesso a meios tecnológicos com variações de niveis sociais. Ou seja, uma sociedade ancorada na tecnologia. Mas qual seria a  moeda dessa sociedade? 


         Nos dois casos fica a pergunta: Qual a moeda desse sistema?

         No primeiro caso, senão houver emprego para todos a moeda será restrita, apenas  a elite terá acesso ao dinheiro tendo em vista que as necessidades básicas da população não serão supridas e não haverá consumo. Ou seja, crise, fome e revoltas sociais (a não ser que tenha um controle sistemático das mídias sociais, que já existe, e se caia no terreno do paternalismo, com o Estado dando pensões para todos sobreviverem em condições mínimas enquanto a elite sobrevive sendo beneficiada por toda a cadeia produtiva).


            Segundo caso, o capital será intelectual. Explico: Únicas limitações de uma economia alicerçada por robôs, embora exista a Inteligência Artificial, é necessária ainda a presença de um ser humano para pensar, realizar os cálculos, inventar. Nisso temos uma coisa séria, precisa-se do trabalho intelectual humano para se desenvolver softwares e máquinas.



                 Não só isso, robôs não produzem cultura. Cultura é uma coisa que só existe em seres humanos.



               Eis as duas únicas coisas que robôs não podem fazer e que é exclusivo a seres humanos: Um robô precisa do exemplo de um ser humano para exercer um trabalho manual, seja uma tela, uma música ou mesmo uma partida de xadrez: exemplifico Bob Fischer contra um computador (Bob Fischer perdeu a segunda partida, mas o computador só pode vencer porque alguém colocou na programação as regras de uma partida de xadrez).
Bob Fisher contra um computador
  Nós conferimos valor à nossa própria inteligencia e a nossa própria cultura e numa economia onde as pessoas não exercem um trabalho mais braçal, elas serão obrigadas a exercer um trabalho intelectual. O maior capital da nossa nova sociedade é a inteligencia.

             De toda forma, no primeiro caso, a elite também será a elite intelectual e não exclusivamente financeira, e eis o problema: Essa elite investe maciçamente na pauperização da educação regular, corta os incentivos da educação pública, segrega e fecha os espaços para que as pessoas possam se especializar ao mesmo tempo em que cria distrações para as massas com mídias sociais, Instagram, tabloides e exploração da imagem de celebridades. Eis o que acontece, os ricos não apenas estão ficando mais ricos, os pobres estão ficando mais burros justamente porque não percebem que está se criando um fosso intelectual.

            

            É apocalíptico o que irei falar, mas é possível que as diferenças sociais possam se  tornar diferenças biológicas. Não no sentido racial, mas no sentido biológico. Os ricos poderão ter acesso à medicina de ponta, com a nanotecnologia ao seu favor, uso da biomedicina para impedir doenças congênitas, usar inclusive a medicina para promover a melhoria da sua capacidade neurológica e ficarem ainda mais inteligentes. Sem contar que pessoas que ingerem alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, costumam ser mais saudáveis e mais inteligentes ao mesmo tempo.
Nanotecnologia usada para o tratamento do câncer


Se o cenário apocalíptico se concretizar, os pobres além de não conseguirem ter acesso ao melhor tratamento, morrerão mais cedo, terão a capacidade neurológica prejudicada primeiramente porque não terão uma educação de qualidade, segundo porque a sua alimentação deficiente, e munida de agrotóxicos poderá levar a um retardo mental que poderá se alastrar para outras gerações. Então nesses dois casos, o que é inevitável? O Estado. Eis a questão, o Estado desaparecerá ou não? Eu acredito que não, o Estado é mais que necessário para manter as disparidades sociais, ele é um regulador de tensões. Mas eis que numa sociedade do primeiro caso, o Estado será obrigado a distribuir alimentos de baixa qualidade, instituir uma ajuda financeira maciça para impedir que os bolsões de riqueza façam com que leve à extinção na forma do genocídio programado em uma parte que não terá acesso a alimentos, nem a dinheiro, moradia ou saúde de qualidade. Segundo caso, se o Estado existir, ele será o garantidor de educação de qualidade e saúde para todos os seus cidadãos. Eu não estou falando que no segundo caso não existirá classes sociais, de fato existirão, mas o Estado iria eliminar boa parte da desigualdade social garantindo educação de qualidade e saúde, alimentação dignas e moradia para que todos os seus cidadãos possam investir em suas próprias concepções, seja serem desenvolvedores de tecnologia ou desenvolvedores de cultura. Na sociedade do século XXI a tecnologia e a cultura estarão diretamente interligadas e eis que fica dois apontamentos: O conservadorismo sempre gerará fracasso. Explico, um modelo que favorecer a plataforma conservadora que acredita que todos podem ter emprego nos moldes clássicos e que a tecnologia não irá impedir isso, é simplesmente acreditar que a máquina a vapor não substituiu o trabalho manual na era vitoriana. O conservadorismo se aplicado só irá favorecer o primeiro modelo de brutal estratificação social, um modelo em que toda a cadeia produtiva será feita por robôs, grande parte da sociedade estará à margem em completo desemprego, enquanto a elite terá acesso ao melhor da alimentação, da saúde e da educação, tornando diferenças sociais em biológicas. O segundo apontamento é que o capital não existirá mais como antes. Então as Bolsas de Valores, os bancos, e todas as estruturas de capital artificial uma hora inevitavelmente irão acabar e serão substituídas por algo muito simples: Capital intelectual. Duas coisas podem acontecer e que podem mudar o modelo: Primeiro: Corrida Espacial, nesse caso, imigração. Os bolsões de pobreza terão inevitavelmente que procurar outros caminhos para a sobrevivência, nesse caso, a população da Terra, mais pobre, terá que procurar outros planetas para sobreviver, nisso plantar, desenvolver outras sociedades e culturas a partir disso tudo. É plausível, eu diria que a Corrida Espacial sempre foi a nossa aposta mais confiável nesse panorama geral.

Dez maneiras dos humanos colonizarem o Espaço

Segundo: Genocídio. Esse o lado mais triste de tudo. O lado em que os bolsões de pobreza irão se somar e as elites intelectuais irão usar a tecnologia para promover a morte de populações inteiras, seja pela fome, seja pelo desemprego, seja pela ausência de apoio médico de qualidade, ou pior ainda, usar a tecnologia a seu favor para matar seres humanos. Nesse caso, usar máquinas para o extermínio sistemático ou a propagação de doenças. É o panorama mais triste de todos e que mostraria o lado perverso que o ser humano sempre teve desde o seu nascimento como espécie. O desemprego é algo inevitável nos próximos 10, 20 anos. A corrida espacial pelo curso pode ocorrer entre 2040-2050 se realmente tiver a proposta de colonização. Mas se não, se nós não aceitarmos que é realmente necessário usarmos a tecnologia a favor de toda a espécie humana e promover a isonomia das classes sociais, dando o mínimo para que esse bolsão de pessoas possa se desenvolver, o único apontamento que teremos é que no final do século teremos um futuro perverso tal como o descrito por Black Mirror e outras distopias futuristas; O tempo-trabalho não será mais o nosso motor e agente econômico das nossas interações sociais, ao invés disso, a humanidade precisará reinventar o seu sistema produtivo ao mesmo tempo que produz em larga escala coisas como alimentos e produtos, terá que se adaptar à distribuição disso numa sociedade que conviverá com o desemprego como um fato consolidado. As soluções podem mudar, o panorama também, mas seja como for, podemos aproveitar a tecnologia ao nosso favor ou simplesmente usá-la para reforçar ainda mais a desigualdade social. Desde o neolítico até hoje, duvido que tenhamos passado por um desafio tão grande para a nossa sociedade como agora.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Sobre a minha depressão

      Esse tema é recorrente a muitas pessoas, mas infelizmente é uma doença crônica que me acompanha desde os meus 16 anos.  A depressão começou em estágios, primeiro foi através do bulling de forma surda, depois foi com o sistemático silêncio que havia da minha família sobre esse tema e foi se agravando com o passar dos anos.

      Não convém culpar alguém por isso, mas nos últimos meses eu venho tendo uma depressão muito intensa intercalada com estresse pós-traumático. Recorrentemente eu tenho ideias suicidas e isso volta e meia vem a tona como nas minhas três tentativas anteriores. A primeira foi com 16 anos, sobrecarregado pelo estresse e a ansiedade, eu convivi muito tempo em silêncio enquanto me sentia humilhado pelos meus colegas, eu tentei me jogar do alto de uma escadaria. Felizmente não deu certo.

       Essa tentativa de suicídio fracassada me deu a chance de viver novos sete outros anos, conhecer novos amigos, ter novos  amores, fazer um curso universitário que eu gostava, ter um carro e pensar em ter um futuro. Infelizmente no meio desse caminho, a solidão veio me acompanhando e eu não conseguia me expressar por vergonha ou inibição própria. A relação com meus pais tornou-se cada vez mais complicada, dentre cobranças e atritos. Meu primeiro namoro foi completamente inviabilizado por causa disso.

        O resultado foi a minha segunda tentativa de suicídio, agora com antidepressivos. 

    
        Desde então a minha base de apoio se tornou meus amigos e sempre busquei viver alheio à minha família. A morte do meu avô pelo câncer me impactou de forma muito profunda e com essa marca eu cheguei a pensar na minha própria existência, esses temas nunca puderam ser discutidos com meu pai infelizmente, que nunca entendeu, ou nunca se esforçou em compreender porque eu queria me matar. O quadro de profunda infelicidade foi se aprofundando com os anos e a medida que eu envelhecia eu deixava de ter a ambição de seguir os meus próprios sonhos.

       Quando eu desejei ir para Rússia, diziam que eu não era capaz, que eu não devia ficar longe da família e muitas vezes fizeram chantagem emocional comigo. Eu desisti de ser historiador no momento que eu vi que eu não tinha mais ânimo para estudar, sobrecarregado pela universidade, pressionado de todos os lados, eu me senti cada vez mais solitário e desisti dos meus sonhos.

       A minha inserção no mercado de trabalho se deu porque eu não queria passar fome, comecei a trabalhar como representante comercial e sim, recebi um bom dinheiro, tive momentos ruins, tive momentos bons, mas realmente não me sentia realizado e diante das cobranças do dia a dia eu costumava duvidar se eu tinha capacidade para levar aquilo à frente.

       Os erros foram aparecendo e cada vez eu me sentia mais inibido de procurar outras ocupações, quando eu terminei a universidade, eu não sabia o que seria da minha vida dali para frente. Trabalhei e tentei seguir em frente, cogitei várias vezes fazer um mestrado, eu desisti, e toda nova desistência eu via colegas passarem à frente e seguirem o seu futuro. Abracei como pude minha ocupação, ela poderia me dar o dinheiro necessário para ser independente e sair da casa dos meus pais, onde não me sentia a vontade.

        Nesse meio tempo, eu conheci a pessoa que me fez mudar de opinião e acreditar que eu podia conquistar o mundo, o nome dela era Giovana, ela era uma transexual. Foi o primeiro namoro sério que eu tive com uma pessoa transgênero e devo dizer que foi um desafio gostoso, eu a amei até o último dos nossos dias e sinto por não ter sido suficiente para ela. Ela tentou entender minha depressão antes de me julgar e quando as coisas ficaram impraticáveis em casa, por conta do preconceito, ela me deu um teto e fomos morar juntos.

         Eu abandonei meu emprego e decidi que devia seguir em frente, às vezes me faltava coragem, outras a inércia me consumia. Minha família não me apoiou nas minhas escolhas e nos momentos mais difíceis, eu me vi sozinho com Giovana. Ela me amou e me respeitou, ela errou também, mas foi uma mulher exemplar e nisso serei eternamente grato.

         Quando passamos pelo estupro, bem foi uma época complicada, nosso relacionamento começou a ter problemas e eu mesmo não consegui lidar direito com toda essa carga pesada. Sofremos bastante, principalmente ela, e tivemos que fazer escolhas, a escolha que tinhamos concordado foi nos mudarmos de cidade e fomos para São Paulo.

         São Paulo foi um desastre, além de eu não ter conseguido emprego, meu sonho de prestar o mestrado na USP naufragou, ela não conseguiu se manter e eu sobrecarregando todo esse peso, bem as coisas não deram certo. Passamos fome, fomos humilhados, dormimos na rua. Eu sempre pensei se era justo com nós dois, duas pessoas apaixonadas, passarmos por tantas provações.

          Por um milagre voltamos a Brasília, e bem, as coisas não melhoraram quanto imaginamos. Nosso relacionamento tinha se desgastado e o amor que tínhamos um pelo outro aos poucos se apagava, eu sentia isso. Eu também fui culpado. Ela tinha entrado em depressão, eu também. Ficamos reféns do destino e isso foi um erro.

          Giovana sofreu um sequestro nos últimos meses em que estivemos juntos, eu fiquei em pânico, achei que ela estivesse morta, chorei como nunca enquanto procurava ter notícia através das amigas e de conhecidos. Ela foi maltratada, humilhada, foi drogada e tiraram toda dignidade que um ser humano poderia ter. Ela era uma pessoa boa.

          O fim foi realmente triste e isso me trouxe certa revolta, certo incompreendimento e certa tristeza. Duas pessoas que sonhavam e se amavam tiveram que se afastar, eu fui me sinto responsável em parte por isso porque não tive energia para lutar e procurar um emprego qualquer, mesmo que fosse o mais ínfimo que fosse. Eu sou o culpado por não ter conseguido protegê-la.

          Separados, eu fui obrigado a recomeçar na casa dos meus pais, nessa altura eu já tinha feito minha terceira tentativa de suicídio, cortei meus pulsos numa banheira (até hoje eu tenho as marcas). Minha família disse que eu podia ficar o tempo que precisasse para me recuperar e conseguir voltar a ficar saudável. Minhas dívidas foram quitadas e bem, eu tentei recomeçar.

          Volta e meia eu lembrava das coisas ruins que aconteceram e começava a ter crises de choro do nada. A depressão voltou com força no último mês e eu não senti mais vontade de sair da cama. Numa dessas, eu fui agredido. Fui chamado de vagabundo, imprestável, sanguessuga. Eu que me sentia incapaz, não reagi, estou com lábios inchados até hoje por causa dos socos contra o meu rosto.

          Eu sei que fiz o melhor que eu pude, eu sei que tentei protegê-la e tentei retribuir o amor que tinha por ela, uma coisa que poucas pessoas entendem. Nesses últimos dias eu fiquei preso na ideia de que o suícidio seria minha redenção, eu me isolei de todas pessoas ao meu redor, fiquei longe dos meus amigos e decidi que devia lidar com isso. Setembro Amarelo é só uma data comemorativa, poucas pessoas aparecem para te ajudar quando você realmente está mal. Uma dessas pessoas foi Gerson, um dos meus melhores amigos, que me fez repensar a minha vida de algumas formas, outra foi o Rômulo que me fez acreditar que eu tenho um futuro fazendo o que eu gosto.


         Desde então, tem três dias, três dias apenas, que eu voltei a escrever, coisa que não faço há um bom tempo e comecei a redigir um novo livro. Não sei se irá para frente, mas é mais uma tentativa. Não consigo digerir certas coisas, o estupro e o sequestro foram coisas realmente traumáticas das quais só o tempo me ajudará a esquecer, mas eu sei que eu tentei ser uma pessoa boa e tentei ajudar o próximo, mesmo que ninguém compreenda o que signifique mais isso. Muito menos pessoas que me criaram e que me agrediram. 

         A isso tudo eu prometo, eu seguirei em frente. Eu te amo Giovana, obrigado Gerson, obrigado a todos meus amigos e obrigado a minha mãe e à minha irmã por terem ficado comigo. O futuro é um enigma, mas todo dia será uma luta daqui em diante.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

A batina e a fé

            O Brasil foi moldado a partir do catolicismo, mas como um país supostamente laico se tornou tão religioso nos últimos tempos?


            Historicamente, a colonização portuguesa associada com a doutrinação jesuítica formulou o catolicismo brasileiro, todo o sistema educacional escolástico é baseado nessa doutrina religiosa e até hoje temos reminiscências disso em nossa cultura. Eu não vou me dedicar à herança cultural do catolicismo nesse texto, mas vou falar da transformação de uma sociedade laica e predominantemente católica em uma sociedade neopentecostal à caminho de se tornar teocrática. Como isso começou?

         O protestantismo no Brasil é antigo, mas sempre foi uma doutrina marginal. Inicialmente o contato das populações locais com a fé protestante se deu durante as tentativas de invasão do território brasileiro no período colonial, sendo que o calvinismo huguenote apareceu pela primeira vez no Brasil em 1557 sob ordens do próprio João Calvino para a propagação da fé nos trópicos. Com a expulsão dos franceses por Mem de Sá, os protestantes do Rio de Janeiro acabaram sendo enforcados ou expulsos do Brasil.

          Contudo, o flerte com o protestantismo não se findou. Em 1630, os holandeses acabaram trazendo suas próprias igrejas protestantes para Recife, e embora existisse um coexistência pacífica das religiões por intermédio do governo de Maurício de Nassau, o final disso foi o mesmo das populações judaicas de Recife. Com a tomada de Recife e Olinda pelos portugueses, os judeus e protestantes foram obrigados a imigrar e acabaram caindo na América do Norte, fundando o assentamento de Nova Amsterdam (Hoje Nova Iorque).

           O protestantismo ficou na marginalidade até 1808, quando a corte imperial portuguesa aporta no Rio de Janeiro, nesse contexto, os britânicos, aliados dos portugueses, passaram a ter o direito de exercer a sua fé em terras brasileiras e construir suas próprias igrejas e cemitérios (separados das instituições católicas, evidentemente).


          Com o advento do Brasil Imperial e a explosão de vários grupos religiosos, as novas agremiações religiosas americanas acabaram chegando ao Brasil, seja os metodistas, presbitarianos e batistas. Os anglicanos já tinham a sua fé assegurada devido ao Tratado de Comércio e Navegação assinado por Dom João VI, e os luteranos tinham sua fé respeitada devido a crescente imigração alemã no Sul do Brasil.


         Com o advento do movimento missionário, os protestantes começaram a criar instituições educacionais no Brasil, sendo a mais famosa delas o Colégio e depois a Faculdade Mackenzie. As missões missionárias basicamente tinham por fim evangelizar os índios, fazer papel de assistência social às populações do interior do Brasil e tinha inclusive uma ideia de alfabetização bastante forte.


         Com a criação do estado laico na Primeira República, o monopólio do catolicismo na sociedade brasileira foi rompido. De fato, as uniões e os batismos realizados por outras religiões também passaram a ser reconhecidos pelo estado, embora ainda fosse necessário o registro civil.

         As ações missionárias intensificaram-se sobretudo na Amazônia e no Nordeste. Contudo, na década de 1950 é que realmente o pentecostalismo ganha força sobre as outras vertentes religiosas. Em vias de fato, o pentecostalismo e o neopentecostalismo são fenômenos recentes, e a sua proposta de teologia da prosperidade tem a ver sobretudo com a era dourada que os Estados Unidos assistiram depois da Segunda Guerra Mundial.


        Por essa doutrina, o sucesso material era uma prova não apenas do trabalho individual, mas principalmente da fé. Deus concederia aos mais fiéis objetos materiais, casas, empregos e automóveis para aqueles que realmente fizessem sacrifícios  pela religião e pela fé. Aqueles que não conseguiam ter sucesso financeiro ou profissional, então, por essa lógica, não estavam realmente no caminho divino e eram menos religiosos dos que conseguiram conquistar os seus sonhos.


       É uma doutrina essencialmente capitalista de que a fé é o motor do sucesso individual. No Brasil, esse movimento ganhou força sobretudo em 1964, quando as organizações religiosas protestantes norte-americanas textualmente apoiaram o golpe militar.


       O neopentecostalismo cresceu no Brasil na década de 70 e 80 nas comunidades mais pobres, em consonância com o aumento da desigualdade social e o advento  da fome sistemática no Nordeste. As pessoas da periferia, muitas delas ignoradas pelo regime militar  e pelos direitos básicos de saúde e educação, tinham na fé o elemento de soltura de suas insatisfações e seus receios. O neopentecostalismo prometia uma coisa diferente do catolicismo, e de sua vertente mais ativa, a Teologia da Libertação: aqueles que rezassem muito, fossem religiosos, pagassem o dízimo, poderiam ser salvos no "Reino de Deus", poderiam ser agraciados com um emprego, uma casa, ou automóvel. Poderiam curar as próprias doenças ou mesmo conseguirem ascender socialmente.


       Nessa crescente exploração da pobreza  e da fé, o neopentecostalismo saía na frente do catolicismo, tendo em vista que a doutrina católica sempre pregou o desapego material e o sofrimento como elementos de fé, inclusive o catolicismo pregava o compartilhamento das riquezas enquanto o neopentecostalismo prega justamente o contrário, a individualização da fé e das riquezas. Não existe caridade no neopentecostalismo, cada um reza por si, e doa para conseguir um lugar privilegiado na vontade divina.


      Com essa explosão religiosa, João Paulo II observava o número de fiéis católicos brasileiros diminuírem constantemente, e isso era um dos alvos de preocupação do Vaticano. A perda de terreno na América Latina ameaçaria o futuro da própria Igreja. Não a toa que o Papa visitou o Brasil três vezes e usou de todo o seu capital político e popularidade para cativar as multidões.


      Entretanto, o neopentecostalismo tinha uma ferramenta que a Igreja Católica não soube usar: a mídia. Exatamente isso que fez o neopentecostalismo crescer, o uso maciço da televisão e do rádio como ferramenta para a propagação  da fé. Os rituais teatrais do descarrego e as sessões de fogo sagrado passavam a conquistar os elementos mais impressionáveis com todo o simbolismo que provavelmente foi retirado das religiões de matriz africana.


       De fato, a organização de igrejas com capital político para comprarem um programa de TV, e depois um canal, como a Rede Record, fizeram explodir a popularidade da fé entre os mais pobres e a classe média em ascensão. O surto de crescimento econômico iniciado pelo Plano Real fez com que a qualidade do brasileiro palatinamente crescesse e a consolidação do Bolsa Família e da política de valorização do salário mínimo deram a impressão ao trabalhador normal que as coisas realmente estavam ficando melhores.

       Esse trabalhador muitas vezes associava o seu sucesso e o seu progresso financeiro à fé, e isso é um elemento relevante. Com o crescimento do número de fiéis, também cresceu o capital financeiro dessas organizações, (que não são taxadas,  inclusive não pagam impostos sobre lucros ou impostos sobre o terreno que ocupam). Com esse capital financeiro, era inevitável, houve o enriquecimento dos criadores que criaram verdadeiros impérios a la Rockefeller.


       Hoje, as igrejas são uma das modalidades de negócio com maior retorno financeiro existentes no Brasil. Não são taxadas e vivem a partir de doações. As  igrejas podem estar associadas a capitais de investimentos, manter sob seu controle empresas de comunicação, bancos e o mais importante disso tudo, Partidos Políticos.


        A laicidade brasileira nunca foi plena, mas a existência de um partido cristão com candidatos filiados às três maiores igrejas do país é um dos maiores obstáculos a um sistema democrático. Infelizmente, questões como o aborto, investimentos em pesquisa com células tronco, ou mesmo o direito ao casamento de LGBTs são travadas por uma bancada evangélica que é apoiada por uma parcela significativa da população.

      Notoriamente, membros da bancada evangélica são acusados em denúncias de corrupção, mas atrás de si possuem uma legião de fiéis que defendem suas atitudes, mesmo quixotescas, em nome da fé. É notório ainda observar que nesse panorama, as organizações religiosas foram ativas da deposição de uma presidente eleita democraticamente, e hoje fazem papel de polícia moral contra os grupos que discordam de sua doutrina proselitista.


      De toda forma, a fé tece um manto sobre a realidade e instaura hoje uma ditadura do pensamento que advoga que a única verdade está alicerçada no "amor a Cristo", evidentemente isso não é amor, quando pensamos no número de ataques contra templos de religiões africanas, no cerceamento do direito de escolha para as pessoas LGBT e na negação do aborto para casos de estupro. Sem falar, a violação de uma cláusula pétrea da Constituição, a laicidade do ensino. Agora será ofertado o ensino religioso nas escolas públicas.

      Ainda temos que destacar outros pontos absurdos, como a proposta que circulou no Congresso Nacional do perdão das dívidas para Igrejas e associações religiosas. A exploração da fé é um processo recente e que vem dando lucros imediatos, mas dilapida por completo a democracia brasileira. Nessa nova teocracia onde os tolos comandam os cegos, a batina e a fé serão as únicas bandeiras de um Brasil carcomido por sua própria história.

Haber e o uso da ciência para o "bem" e para o "mal"

A figura mais controversa pra mim na história da Ciência não é Oppenheimer (pai da bomba nuclear), nem Alfred Nobel (criador da di...