sábado, 10 de junho de 2017

O amor tem dessas coisas

Quando me encontrei em São Paulo depois de velho todas as boas recordações da minha infância haviam desaparecido. Encontrei uma cidade crua, fria e praticamente sem esperança. O cinza dos prédios e a cor dos automóveis monocromáticos prenunciavam um dos capítulos mais amargos da minha vida.

São Paulo anunciou o lado cosmopolita que eu sempre tinha junto comigo, imparcial, direto e ansioso. Conheci pessoas presas em arquétipos kafkanianos, velhos cada vez mais vazios em suas prisões individuais, seus corpos se consumindo pela aspereza e o sofrimento que levaram a si mesmo e os outros. Vi o quão falso pode ser o ser humano que no momento de extrema necessidade, conseguiu sucessivas vezes humilhar e virar as costas quando foi conveniente.

A Humanidade não existe quando se falta dinheiro, somos tratados como meros animais. Parte de uma multidão de estranhos que admira apenas a opulência dos ignorantes. Passei dias inteiros sem ter dinheiro para comer, fiquei no frio esperando ter um teto para poder dormir.

A pessoa que me amou nesses momentos foi torturada pelo caráter perverso de um povo estranho a si mesmo. Não tive paz, não tive segurança ou felicidade. Fui prisioneiro num pequeno quarto por dias, sem saber se iria ver a luz do dia ou se teria como resgatar meus sonhos obscurecidos. Tive apenas em seus braços, o consolo de não cair na tentação de fracassar.


Ela me amou quando eu deixei de me amar de novo, ela chorou quando viu que não poderíamos sobreviver juntos. No meu aniversário, ela gastou tudo o que tinha para celebrar a idade que eu ganhava. Nós envelhecemos bastante, nós entendíamos um pelo outro o sofrimento que tínhamos dentro de nós. Ela sofreu mais do que eu, tenho certeza disso.


Ela que foi humilhada, foi violentada por esse sistema corrupto, impessoal de que o cidadão mais comum pode ser o pior torturador, passou dias sem comer, sem tomar banho e sem se sentir acolhida. Fomos apenas sobreviventes. Eu sempre a amarei por ter lutado e eu sempre terei comigo o gosto amargo da poluição de São Paulo.


Conheci seus monumentos, seus arranha-céus, mas a única coisa realmente forte foi o calor dos nossos corpos sob a batida dos nossos corações enquanto chorávamos um abraçados ao outro num pequeno quarto sem esperança em São Paulo.



Foi ali que cogitei seriamente em cortar meus laços com a vida, e foi ali que ela me salvou sem esperar nada em troca de minha parte. O amor tem dessas coisas.

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