sábado, 28 de fevereiro de 2015

Um homem chamado Leonard Nimoy

      Vivemos uma época tão trágica onde nossos ídolos morrem mais rápido do que os nossos próprios inimigos. Nossos sonhos desaparecem sob a penumbra da noite e sozinhos na escuridão tomamos consciência que o farol que devemos seguir não é a tela branca de um computador.


        Tratar de um ídolo sempre é uma experiência particular, principalmente quando tratamos com familiaridade, Esse é o caso de Leonard Nimoy. Hoje eu choro a morte de um amigo distante, o qual nunca vi pessoalmente. Nunca o olhei de perto e mesmo assim me  ensinou bem mais do que a erudição dos livros ou as pancadas da vida. Jornada nas Estrelas é uma religião e Spock era seu profeta. "I have been and always shall be, your friend... "


        Falar de Leonard Nimoy nos leva inconscientemente a falar do Senhor Spock. Mas Nimoy foi muito além de Jornada nas Estrelas. Ele é um exemplo do desafio de crescer num mundo repleto de medos e incertezas.   


          Leonard Nimoy nasceu numa família judia de Boston numa época em que os judeus começavam a ser perseguidos na Europa. Seu pai era um judeu ucraniano que fugiu da Revolução e se estabeleceu com muita dificuldade nos Estados Unidos, Nimoy vivenciou o preconceito e os anos difíceis da Depressão, até conseguir ser contratado como barbeiro quando adolescente. Serviu o Exército em 1953, e se inseriu no teatro e no cinema a partir da década de 50,


           Isso é a parte preliminar de uma carreira de ouro, quando criança ele ia à sinagoga com os seus pais e via os rituais chassidistas com particular curiosidade, como judeu asquenazim, era comum viver com rabinos de barbas longas e telefins pretos na cabeça.  Aos oito anos viu às escondidas uma benção estranha feita com a mão direita, na qual dois dedos se separavam do outro. Nem imaginava que isso  seria sua marca.

           Nimoy começou a fazer pontas em seriados importantes como Man of UNCLE, Get Smart e o piloto "The Cage", em que contracenou com o astro dos westerns Jeffrey Hunter, onde apareceu pela primeira vez o personagem Spock. The Cage é o piloto de Star Trek, e como disse Gene Roddenberry, era um filme de cowboys no Espaço, só que tinha uma temática muito intelectual para um seriado no início dos anos 60. 


           Foi a primeira vez que Nimoy usou suas orelhas de Metistofeles e a maquiagem verde. Um diretor de maquiagem da MGM foi quem lhe salvou ao fazer um molde de gesso de uma orelha de duende, caso contrário seria o fim prematuro de Spock. Spock era um personagem diferente dos demais, que a despeito de tudo, sorria.

        Mas Spock deixou de sorrir quando a série foi rejeitada. Ele e Gene Roddenberry construíram uma amizade sólida que reverberou quando foi contratado para uma viagem de cinco anos em Star Trek, onde contracenou com William Shatner, Deforrest Kelley e James Dohan. Se tornou um astro da televisão americana, e tentou seguir carreira de cantor com o sucesso da série. Mas a viagem foi cancelada depois de três anos.


             Teve problemas em lidar com o ego de Shatner inicialmente, assim como teve problemas com membros da própria tripulação da Enterprise. Nimoy reclamava do salário que era um "assassino", mas trabalhava num ambiente informal onde o seu filho o visitava no meio das cenas e aparecia para olhar o Senhor Spock na ponte de comando.


              Preso ao papel do vulcano Spock, ele passou a ter uma crise de identidade com o próprio personagem que o levou a escrever dois livros: I am not Spock (um fracasso editorial) e I am Spock. Com os filmes, passou a ter de novo a fama que lhe era merecida, onde fez sucesso com Star Trek: The Motion Picture e o espetacular The Wrath of Khan, com tamanho sucesso ele passou a dirigir o filme Star Trek: The Search for Spock. 



        Com o fim da série dos filmes e envelhecimento dos atores, era natural que Nimoy passasse apenas a fazer parte de convenções de Star Trek e alguns pontas na televisão, como foi no caso de Fringe. Ele estava mais dedicado em sair do cinema e  fazer trabalhos como fotografo, do qual nunca abriu mão. 


          Inovador e desvencilhado de preconceitos com as tecnologias, Leonard fazia desde comerciais até coisas elaboradas, como poemas, Mas o ponto alto de sua adaptabilidade  foi ser convidado para narrar o jogo Civilization IV e desempenhar um papel tão inusitado para os olhos dos fãs, mas crucial para o desenvolvimento de um jogo.


          O trabalho em Fringe lhe deu a chance de participar das refilmagens de Star Trek I e II com JJ Abrams, Deforest Kelley e James Dohan estavam mortos, enquanto Shatner estava envolvido com Boston Legal. Spock estava sozinho. Nimoy saiu de sua aposentadoria e passou a ser a ligação entre a série original e os remakes... 




             Seu envelhecimento e abatimento foram notáveis, principalmente com o passar dos anos. A saúde delicada provinha dos pulmões castigados por tanto tempo de gravações e cigarros tragados. Morou com  a esposa Suzan até os últimos dias e viveu longamente como todos os fãs esperavam. Nimoy era um homem diferente dos demais, assim como Spock. Ele era humano, demasiadamente humano. Humilde, sempre se ofereceu para dar autógrafos aos fãs sem qualquer tipo de cerimônia. Preocupava-se com alguns de seus fãs cuja saúde não estava boa e tentava seguir uma justa e judia. Vegetariano por opção. aberto a ideias, esse era Nimoy.


           Hoje morreu uma parte da minha juventude movida à aventuras, fantasias e emoções num futuro que não existiu, mas num passado que sempre me acompanhou, O exemplo de um ser mais humano que os próprios humanos, que nunca realmente existiu, mas se movia pela honra e a lógica. Nimoy era o verdadeiro Spock, embora ele negasse, porque a despeito da falsa lógica da dramaturgia construiu um personagem tão imortal e tão singelo apenas com a mera interpretação. Mas hoje Spock entra para a eternidade, graças ao gênio de Leonard Nimoy, Leonardo da Vinci da Califórnia.


        Spock é a humanidade dentro da modernidade e do mundo cada vez mais materialista que prossegue enrustida em sua humanidade, mas tem demonstrações diretas de emoções. Lealdade e honra, Spock sabe o valor da amizade o que o mundo contemporâneo destruiu e foi exemplo de construção de cidadãos que buscam um futuro melhor em meio à incerteza. Soluções rápidas, práticas e lógicas. Esse Spock tornou-se a raiz de uma filosofia de vida diferente das demais.


        Não é o culto à Razão Suprema de Robespierre, pelo contrário é o culto ao pacifismo, ao otimismo e ao progresso. Spock como desajustado socialmente representa um mundo de pessoas incapazes de expressar sentimentos, ou simplesmente sorrir, mas suas virtudes sempre foram levadas à sério.



         Nimoy fazendo ponta em Get Smart (Agente 86) https://www.youtube.com/watch?v=r_zowFvPgp8



       
         Nimoy como fotografo:
 



         Leonard Nimoy narrando Sid Meier's Civilization IV https://www.youtube.com/watch?v=XZlWmYe8HM4


Funny joke

         http://trekcore.com/specials/rare/ks_ultimatecomp.jpg


       
Lendo a MAD do outro lado da Galáxia




       
Momento no almoço



         Esse homem não tão distante de nós, que apenas com a representação de um personagem que nunca existiu e talvez nunca existirá no futuro trouxe um tanto mais de esperança num mundo tomado de medos e incertezas. Quando vozes se calam, outras se pronunciam. A ideia de Nimoy como uma pessoa notável na mesma proporção que a imortalidade de Spock. Um homem simples, demasiadamente humano. Esse era Leonard Nimoy.




                                                         Goodbye, mister Nimoy

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