domingo, 31 de agosto de 2014

O triste fim da tênue esperança

         É um mito pensar que à sombra da morte de Eduardo Campos nosso sistema político será renovado, Eduardo era uma esperança de um futuro melhor que morreu naquele infeliz acidente aéreo. A despeito do que tentou se associar a escândalos de caixa 2, não acredito realmente que Campos fosse dessa esquife, e sim alguns de seus apoiadores e também apoiadores de Marina Silva.


         No Brasil carece a política índole e aparentemente Campos traria uma nova refrigeração de ideias no cenário nacional, e o PSB estava na vanguarda do pensamento progressista brasileiro, sobretudo com relação à esquerda, por estar mais inclinado ao aspecto ideológico do socialismo europeu gramsciniano. Campos tinha antigas ligações com o lula-petismo, mas isso se encerrou quando ele começou a aspirar voos mais largos.

        A proposta econômica de Campos não está clara para muitos, mas resultava na mudança da política econômica atual de incentivos à setores definidos e passar a um arrocho ministerial, uma terapia para uma economia em estagnação (estamos agora em estagnação técnica). Redução de gastos, redução de taxas, e uma maior abertura da economia brasileira ao exterior sem retirar os avanços sociais do governo Lula. Campos fugiria do pensamento cepalino de Guido Mantega e o Brasil poderia retomar o seu crescimento. Por isso ele era o candidato mais adequado.

        Ele era jovem e tinha iniciativa.


         Mas o maior engodo da campanha de Eduardo foi a aliança com Marina Silva; Inicialmente parecia ser um trunfo cooptar a ala dissidente do Partido Verde, o Rede, que não conseguiu se inscrever a tempo, mas com o passar do tempo o apoio político que parecia ser vantajoso para o PSB passou a ser um problema. O Rede passou a desejar reformulações do programa eleitoral do PSB e Campos foi um dos militantes do PSB a segurar o que o pessoal da Marina Silva desejava fazer, pois isso iria descaracterizar a proposta partidária do PSB.

           No quesito ecológico e sustentabilidade, o primeiro partido a ter essa preocupação não foi o Partido Verde, foi o PSB. Os herdeiros de Miguel Arraes sempre estiveram numa vanguarda política , embora o modelo político brasileiro tenha dado distorções aos quadros partidários do Partido Socialista Brasileiro.

           Não que eu acredite que o sistema político seja mudado de cabo a rabo nesse caso, mas é notável o medo existente de que Marina Silva esvazie o progressismo do PSB, com suas posturas bastante conservadoras com relação aos direitos dos homossexuais em por exemplo estabelecerem matrimônio (Campos era católico fervoroso, mas o seu catolicismo era desvencilhado de suas ações políticas. E no Brasil todo político é cristão em tese, até o mais ateu dos políticos como Getúlio Vargas, era cristão de  soturna).

           E engraçado que Marina é a primeira a romper o círculo católico na presidência (FHC era agnóstico ao que tudo indica, mas todo mundo fingia que ele fosse católico). Ela se for eleita vai ser a primeira presidente (e não presidenta, porque a gramática é sempre mais relevante do que atos diretos da Presidência para mudar a filologia das palavras) evangélica, e isso mostra o ciclo de expansão protestantismo americano no maior recanto católico do Mundo.

           Pra mim é claro que a proposta de Campos está sendo levada a outras matizes quando Marina Silva veio conversar com os usineiros de cana-de-açucar essa semana. A proposta dela de aparecer no evento foi de conseguir apoio político de um grupo que foi massacrado pelas escolhas erradas de um governo que negligenciou a indústria do etanol ao retirar toda a competitividade do mercado do álcool, não dar incentivos e ajuda na estiagem no Oeste Paulista e dar incentivos a reduzir o preço da gasolina por conta da política que não estava errada de combate a inflação. Só que o preço artificial da gasolina onerou demais a Petrobrás e defasou a indústria do etanol.

            A ideia de Marina Silva foi de conseguir apoio do agronegócio "sustentável" que nós sabemos não é tão sustentável assim. Isso mostra o programa bipolar da sustentabilidade ambiental da Rede, pois desenvolvimento sustentável até hoje se pautou por uma proposta econômica de economizar recursos naturais e ter maiores lucros com isso. É uma proposta de cabo a rabo capitalista. E no mais, movimenta um mercado milionário de "produtos verdes" e OnGs que incrivelmente explora o ativismo político dos verdadeiros militantes verdes do mundo. É um aproveitamento do pensamento ecologista para ganhar grandes fortunas;

            O maior perigo é que a Marina Silva com as contradições nos discursos faça um governo que esqueça que temos ao mesmo tempo crescer e manter as conquistas sociais existentes, e mais do que isso, ainda tem que desinchar o Leviatã tupininquim.

              Marina Silva resulta de um vazio ideológico muito claro, ela não tem ideias muito enraizadas de como desenvolver o Brasil e de como resolver o dilema econômico atual, ao contrário de Eduardo Campos que além de ser um economista, tinha apoiadores de primeira linha, e se traduziu como um bom gestor no Ministério da Ciência e Tecnologia. E para piorar, as ligações que Marina Silva mantém com grandes empresários de Sampa-Rio, de uma elite financeira e cosmética torna um tanto duvidosas as reais intenções do que será feito. A classe trabalhadora será negligenciada nessas reformas?


             Marina Silva nasceu do povo, veio do Acre, estado longínquo e sem nenhuma projeção política no cenário nacional. Houveram apenas dois fatos de grande expressão em sua história: O conflito com a Bolívia , que resultou num fiasco do Exército Brasileiro que nem conseguiu chegar às veredas da Amazônia para resolver os conflitos entre seringueiros e soldados bolivianos, e o Itamaraty só pôde resolver com Rio Branco a questão mediante o pagamento de 22 milhões de libras que não chegou a ser nem um bom negócio frente à compra do Alasca. E a luta de Chico Mendes, que um dia desses foi classificado como "elitista", mas era um homem simples que defendia bem os direitos dos seringueiros.

            Marina Silva se esqueceu que ela nasceu na sombra de Chico Mendes nas questões ambientais e de demarcação de terras, e a política no Ministério do Meio Ambiente. Os avanços na área ambiental no primeiro governo Lula foram pífios. E sua saída na época do Mensalão por "discordâncias ideológicas" levou à sua mudança pro Partido Verde do Gabeira (que hoje é um partido de expressão infelizmente secundária, mas que tinha muita possibilidade de expansão na época).

          O que há de semelhante em Collor e Marina? Nada, a mídia está errada em compará-la ao experimento errado de eleger um aventureiro. Collor era filho de Lindolfo Collor, um homem de temperamento bastante enérgico que trabalhou com Getúlio Vargas e ficou eternizado por ter sacado uma pistola contra um colega de Senado e matado um outro companheiro de tribuna (e não ter sido julgado).

         Collor nasceu de uma elite política de Sampa-Rio que acabou emigrando para o longíquo estado do Alagoas, mas que passava boas temporadas em Brasília. Foi eleito por ser carismático, simpático e ter um toque de novo ao falar ser contra "os marajás" e os privilégios dos ricos. Mas ele próprio era um marajá de Rolex e cabelo carregado de Gel, terno Armani, numa época em que a pobreza era latente devido à hiperinflação. Seus planos econômicos foram desastrosos e sua corrupção foi revelado pelo próprio irmão (e volta e meia a ex-mulher conta umas baixarias da vida conjugal com Collor).

            Marina Silva é diferente, ela não é da elite, ela veio do cinturão de pobreza de Rio Branco. Até a mocidade ela mal sabia escrever e com muito custo conseguiu ter uma graduação em História, militou junto ao grupo de José Genoíno (hoje preso) e fez parte do Partido dos Trabalhadores. Ela não é carismática, não tem uma simpatia natural, e sua oratória é algo que é astronomicamente difícil, mas ela cativou o coração dos mais pobres e de alguns intelectuais por ser de origem humilde (tal como Lula). Na verdade, Marina Silva e Lula têm trajetórias semelhantes, embora o Lula cative milhões só dizendo um "companheiros e companheiras".

           Marina Silva ganhará essas eleições provavelmente mas questiono a capacidade com que isso vai se dar, as opções eleitorais ficaram horríveis com a morte de Campos. E incrivelmente o último discurso eleitoral do Aêcio Neves (embora eu não seja tucano) me deixou balançado, ele falou com uma estranha sinceridade, de que ele não odiava a Marina, mas não sabia se ela faria um bom governo mesmo bem intencionada. Eu também duvido se ele teria essa capacidade, pois nenhum dos três candidatos tem.

          E nem falo da Dilma porque sabemos que o modelo que ela construiu nesses quatro anos desestabilizou boa parte das medidas econômicas que vinham sendo construídas há um bom tempo; Pobre do Brasil se algum dos três for eleito.


           A política atual acabou sua conexão com o plano da realidade, ela não representa mais o cidadão comum brasileiro, e pior não representa e faz com que o brasileiro tenha ódio da política. A democracia brasileira caminha para um período de completas contradições e para um florescimento de uma oligarquia decidida de forma eleitoral (sem contar o fator partidário, que é uma coisa ridícula em qualquer sentido estrito do termo). A fé na democracia se esvai, e cada vez é mais convincentes as alegações dos partidos da esquerda radical (PCB, PSTU e em menor grau PSOL, que como sabemos, tem muito trotskista no meio) de que o sistema eleitoral está falido.

           A fé deles na Revolução passa a ser plausível, mas eles se esquecem que o povo brasileiro é conservador e bastante temeroso com revoluções, a despeito da atual violência institucionalizada de cima a baixo todos os dias. Dos problemas diários com relação ao transporte, de um trabalhador demorar de duas a três horas todos os dias para ir trabalhar, gastar sua energia em jornadas desgastantes, ver seu salário corroído pela inflação e não ter acesso a serviços públicos de qualidade. Nenhum desses governantes hipócritas se dedicou a ter a displicência em realmente ouvir a voz das ruas de quem marchou nas Jornadas de Julho, e as propostas são puramente vazias.

           Pelo contrário, criminalizaram o protesto. O ato cívico mais importante de uma democracia e instituíram um Marco Regulatório da Internet para controlar o acesso de pessoas dissidentes que se manifestam pela internet. Estamos caindo num período bem negro da ordem democrática justamente por uma inércia de anos do engajamento político da nossa cidadania, e vamos pagar bem caro por isso. O mito verde, o mito democrático, o mito de ser brasileiro. Vivemos sobre mitos e mitologias republicanas, e agora? Cegos estamos nós em não "desistir do futuro do Brasil", parafraseando meu finado candidato.

           Não votarei na Marina, ela tem tudo para acabar com a memória do Eduardo Campos. Não votarei no Aécio porque ele não tem expressividade nenhuma com o povo, representa uma política já carcomida e tem questões bem graves que não podem ser ditas na internet (Marco Regulatório e mais do que isso, meu desejo de não levar um processo). Não votarei na Dilma porque ela teve a oportunidade de fazer uma gestão boa e falhou redondamente, se traduziu apenas como uma típica burocrata sem qualquer noção ou empatia por um povo que ela passou a governar, pelo contrário, ela serviu mais aos interesses de um pão e circo da Fédération Internacionale de Football Association, do que realmente incluir o pobre dentro do futebol (essa Copa foi da elite, e o povo inteiro pagou por ela um dinheiro que não tinha).

         Então quem votar? Pois é não tem ninguém;


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