segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A importância do Stakhanovismo

Stakhanov em foto

          Aleksei Stakhanov, herói do Trabalho Socialista e um "socialista-modelo" da década de 1930 na União Soviética. Um trabalhador por excelência, era isso que a propaganda soviética destacava a figura de Stakhanov. Stakhanov é conhecido pelos estudiosos de União Soviética e stalinismo sobretudo pelo feito arrebatador de conseguir extrair sozinho nada menos que 102 toneladas de carvão guza em meras cinco horas e quarenta e cinco minutos de serviço, superando em catorze vezes a cota estimada para si.


          Aleksei Stakhanov provavelmente pode nunca ter chegado a esse número estrondoso (é um número que é quase humanamente impossível), mas é provável que tenha batido muito a sua cota de trabalho. E por quê? Não, Stakhanov inicialmente não era um só um entusiasta comunista, mas sim um homem simples que vivia com as roupas sujas de terra  e simplesmente queria algo a mais do que ter o suficiente, ele desejava conseguir um salário maior para sobreviver melhor; Talvez por isso que tenha ultrapassado a cota de trabalho estipulada por sua mineradora em Donbass.
Aleksei Stakhanov em um momento laboral
          Stakhanov é lembrado pelo feito absurdo propagado pelo Pravda e Izvestia que assombrou até mesmo os técnicos de planejamento da União Soviética, nem o mais otimista dos planejadores econômicos imaginaria que um trabalhador poderia sozinho conseguir extrair 102 toneladas de carvão guza (como eu disse, é provável que o número seja uma invenção propagandística,  mas toda a lenda tem um fundo de verdade, e não escolheriam a esmo alguém para glorificar). Stakhanov era um homem dos Planos Quinquenais.

           Os Planos Quinquenais estavam em vigor de fato em 1929 na União Soviética depois das disputas internas dentro do Partido Comunista da União Soviética, entre os planejadores da União Soviética, o grupo de "direita", formado por Bukharin e Rykov que desejava a manutenção de uma economia mista (e mais autossustentável) na forma da NEP que não garantia um desenvolvimento industrial extraordinário mas também não resultaria em graves sacrifícios ao trabalhador (como um salário que em tese teria o seu poder aquisitivo reduzido, devido aos problemas inflacionários de uma economia que está em crescimento imediato sem observar a capacidade de consumo da população) e um grupo formado por defensores do estalinismo, que sustentavam que era necessário o rápido desenvolvimento tecnológico e industrial soviético não só por questões ideológicas (por a União Soviética ser o bastião do socialismo no mundo) como também a constante ameaça de uma guerra mundial entre o capitalismo e o socialismo (que se encaixava muito bem na lógica do próprio Stalin).

          A derrota de Bukharin pôs fim à NEP e resultou consequentemente na sua submissão e retratação à Stálin (Bukharin desde 1924 até 29 foi com certeza o personagem mais importante e respeitado da União Soviética depois da morte de Lenin, nem mesmo Stalin desfrutava tanta popularidade quanto o "teórico do Partido"), a economia do campo ficou submissa aos interesses do governo central levando à Coletivização do campo, a eliminação dos kulaks, deportações e crises agrárias (agravadas pela seca de 1932-33 causada pela La Niña).

        A economia soviética vivia graves desafios e de fato, a despeito da brutalidade dos eventos que ocorreram relacionados ao plano de desenvolvimento stalinista, a União Soviética foi o único país da Europa a crescer durante a Crise de 29. Em dez anos a economia soviética cresceria 33 %, em número reais aproximados com relação à indústria pesada.

          Stakhanov é um dos propagadores desse espírito. Embora o stalinismo tenha coexistido com o terror, o terror meramente por si mesmo não levaria ninguém de livre espontânea vontade a trabalhar da forma como os soviéticos passaram a trabalhar. O Arquipélago Gulag é um elemento importante da economia soviética no seguinte sentido que representava algo em torno de 10 a 15 % do esforço laboral em alguns setores estratégicos da economia soviética, contudo, o trabalho nos campos além de ser degradante no sentido humano (pois se tratava sim de um serviço que beirava ao trabalho escravo em locais inóspitos e com altas cargas de trabalho) era contraproducente no sentido econômico do termo, pois além de não se autossustentar, levava à morte dos trabalhadores.

          Os canais do Mar Branco, do Moskva-Volga e de outras hidrovias soviéticas (que eram mais importantes certas épocas do que o trem para o transporte da produção alimentícia e industrial soviética do que as ferrovias, que nem sempre chegavam a certas regiões da Rússia) foram construídas à base do trabalho compulsório. Mas o Metrô de Moscou, a coisa mais emblemática dessa década, não. Foi construído com trabalho voluntário.

              E Magnitogorsk também não foi construída com base no Arquipelago Gulag (embora tenha tido trabalho de alguns prisioneiros em suas plantas industriais). Magnitogorsk é a coisa mais impressionante desse período, uma cidade construída a partir do nada, no meio da taiga siberiana, em questão de poucos anos representava o grosso da indústria siderúrgica soviética. 

Magnitogorsk, a cidade industrial que surgiu no meio do nada
           Stakhanov era o modelo de como um homem soviético deveria agir, trabalhar e pensar. Afinal de contas, antes de mais nada o entusiasmo da juventude que fez esses feitos insuperáveis. Esses anos, mais do que outros, o cidadão soviético se sentia importante ao ponto de acreditar estar revolucionando o Mundo com o seu trabalho, o seu exemplo para os trabalhadores do mundo que a pátria dos trabalhadores era uma alternativa viável à crise que se prolongava há anos no Mundo Atlântico.

           Stakhanov, a locomotiva, o trator da fazenda coletiva. Esses anos eram de movimento, a Rússia crescia a ritmo chinês e não parava de crescer, se fortificando através da construção de tijolos em seus pés de barro  até que se tornou um gigante industrial, um colosso soviético.
                 Foto de uma associação de trabalhadores felicitando a "Teoria de Marx, Engels, Lenin e Stalin"


           O stalinismo era tomado pela corrupção ideológica de seus magnatas, da paranoia egocêntrica do próprio Stalin, das batidas policiais noturnas, os interrogamentos, o império da delação e torturas aos prisioneiros políticos (que desafiavam a linha ideológica stalinista). Isso surgiu num contexto em que o próprio Stalin acreditava que para a União Soviética qualquer dissidência, qualquer discussão contrária poderia desvirtuar o foco num problema central, um país forte que pudesse enfrentar não só todos os inimigos externos (seja os fascistas europeus, seja as democracias liberais que interviram anteriormente na Rússia). O império do coturno de cano alto e do cachimbo entre os bigodes surgiu inicialmente de uma inquietação justificada da liderança bolchevique e cada vez que os anos passavam o quadro ficava cada vez mais autoritário.

          O trabalho de Stakhanov e daí sua importância é mostrar um espírito imaginativo ao  trabalhador soviético da época, mostrar que a introdução de métodos de eficiência laboral, taylorismo e aumento de produtividade não só poderiam ser bons para a indústria, mas também para o trabalhador comum (e isso a propaganda soviética enfatizava). Quem trabalhava mais, ganhava mais. Tinha mais benefícios e era reconhecido, nisso nasceu o desejo pelo trabalho.
                                            Propaganda soviética sobre Stakhanovismo

         Mais gente sujava as mãos de graxa e óleo, conduzia tratores e trens, costurava roupas ou plantava vibraquins em motores. Stakhanov sem querer incentivou uma geração inteira ao vício saudável pelo trabalho, o trabalho por uma sociedade melhor e uma vida melhor, talvez nem ele imaginasse o impacto que ele teve ao extrair quantidades maiores de carvão em sua pequena mina no nordeste da Ucrânia.

        A União Soviética só se tornou o colosso (e a Rússia sua herdeira num BRIC) graças ao entusiasmo dos anos 30 (que o Brasil só foi conhecer por exemplo no final dos anos 50 até 1970). O legado do Stakhanovismo é mostrar ao trabalhador que o ganho de produtividade, uma maior eficiência do trabalho empregado produz inerentemente mais produtos e resulta num aumento salarial consequente, isso numa economia socialista; numa economia capitalista tradicional prevalece a mais-valia.

         Alguns analisam a União Soviética como um capitalismo de Estado; Não é de fato errado no plano externo, mas no plano interno, a União Soviética não pode ser encarada como capitalismo de Estado (talvez só no período da NEP e olhe lá), mas sim como uma economia planificada (que apesar dos defeitos e das falhas sobretudo com relação à política agrária chegava a ter uma eficiência às vezes superior ao afamado e famigerado Reich nazista, que apesar de tudo, se destacava por ter um caos administrativo). A União Soviética foi a primeira economia planificada da História, a primeira economia de guerra que se sustentou por oitenta e quatro anos e que ainda assim se manteve razoavelmente bem durante um século complicado como o século XX.

           Quando olhamos hoje o noticiário e vemos com surpresa a China promulgando o seu novo Plano quinquenal, temos a tirada irônica inconsciente, "novo Plano Quinquenal. Que paradoxo! Não há nada mais obsoleto do que isso". Mas um Plano Quinquenal é algo novo porque surgiu só na Revolução Francesa essa ideia de controlar tudo a partir de um Estado (nem o "absolutismo" acreditava poder ter controle total da economia, na verdade, isso nunca existiu até 1929). O experimentalismo soviético dos Planos Quinquenais sem querer acabou servindo de modelo para muitas coisas hoje: O New Deal, que nasceu de uma interpretação da heterodoxia capitalista sobre a Carta dil Lavore do Mussolini, uma "profilaxia contra crises econômicas" e de uma planificação econômica moderada a partir da intervenção parcial do Estado, copiando trejeitos da economia soviética. A CEPAL com o seu modelo econômico de desenvolvimento pseudokeynesiano, e obviamente, a China.

           Uma economia de mercado é tecnicamente menos complicada que uma planificação, por isso chega a ser impressionante como a União Soviética tenha resistido por tanto tempo. 
Os desafios no campo e na cidade

          Voltando a Stakhanov, o exemplo individual sobre o coletivo mostra que a despeito da impessoalidade de um estado totalitário (em certos aspectos a União Soviética tinha um elemento autoritário em sua essência) era possível obter reconhecimento pessoal através de sua diligência laboral, e num método de competição assemelhado ao capitalista (embora não fosse bem por lucro, mas sim por fama e prestígio) os trabalhadores soviéticos passaram a trabalhar mais na esperança de serem lembrados nos confins da Sibéria, na imundície das minas de carvão da Ucrânia, nas fábricas de Leningrado ou mesmo nos campos de trigo do Volga. Stalin se aproveitou disso para se mostrar como o "grande timoneiro" que conduziria a União Soviética para o caminho do "verdadeiro comunismo" e surgiu o seu culto à personalidade, bem como incrivelmente, sua popularidade a partir dos esforços dos trabalhadores.


Outra propaganda soviética sobre a vida de Stakhanov

             Stakhanov ficou famoso a ponto de ir aos Estados Unidos dar entrevistas à revista Time e fazer conferências sobre o seu feito laboral. Posteriormente se tornou estudante da Academia Industrial de Moscou, se tornou diretor de uma fábrica e ficou subordinado ao Comissariado de Indústria Pesada. Em 1974, depois de receber vários louros e recompensas do governo Brejnev, retirou-se do serviço aos 68 anos de idade, vindo a falecer quatro anos depois, em decorrência de acidente vascular cerebral ocasionado pelo seu grave problema com o alcoolismo (conta-se que ele apresentava um quadro de esclerose múltipla com perdas de memória parciais e delirium tremoris, próprios do alcoolismo).

              Stakhanov foi duramente criticado, sobretudo por trotskistas, por ter alicerçado ideologicamente o estalinismo com sua  propensão laboral ao trabalho absurda e ser um "burro de carga que segurava nas costas a falência moral do stalinismo" por em outras palavras "desistir de sua própria humanidade em torno de uma ilusão propagandística". O stakhanovismo foi encarado no socialismo ocidental como um desvio surgido dentre os vários desvios stalinistas, e os stakhanovistas como indivíduos alienados ao próprio trabalho que esqueciam o ideal marxista ao se preocuparem inteiramente ao serviço e a bater metas. A questão é que a crítica é falha num ponto, a alienação é existente se a ideia de bater metas existe numa fábrica industrial capitalista, onde o lucro vai para o empregador, mas numa realidade econômica socialista de fato, o ganho de produtividade também é obtido ao próprio trabalhador, já que há um ganho no seu próprio salário.

            Além disso, Marx era enfático ao destacar que o socialismo só seria vitorioso caso se mostrasse mais eficiente que o capitalismo no meio de arrecadar riquezas; Hoje sabemos que o socialismo real não foi vitorioso porque se tornou ineficiente na sua hipertrofia hierárquica partidária e na oligarquia da nomenklatura que se aproveitou dos esforços laborais da população, mas o stakhanovismo surgiu também (até no plano propagandístico) para tentar construir um modelo econômico mais eficiente que o capitalismo, e no campo da indústria pesada, por dez anos isso foi completamente correto.

          Mas a crítica também tem certo fundamento no seguinte aspecto: a perda de qualidade dos produtos. Com o aumentado absurdo da quantidade do trabalho empregado, os números passaram a ser mais importantes que a qualidade. Assim o produto soviético passou a ter uma qualidade inferior ao produto ocidental, isso é um dos motivos posteriores que levaram a derrocada da URSS, a falta de qualidade dos bens consumo soviéticos, coo roupas, eletrodomésticos e carros. Isso é produto do Stakhanovismo.

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