quarta-feira, 23 de julho de 2014

Escuridão (conto)

         Nada é mais denso que o suor das estrelas, mas no passar de um cometa, o acalanto de um céu vazio e coberto de nuvens escuras era um tremor para uma mente desalmada; pois nada era mais agressivo do que o silêncio de um mujique ou o suspiro de uma corrente de ar; nessas horas cada um que se encontrava pelos bosques e arvoredos olhava para o calçamento com olhos fracos e quando se encontrava tarde da noite com uma pessoa, tecia um grave silêncio que era perturbador para o mais sonoro dos inexperientes.

        Nessas horas cada passo pode ser o último, cada ofegar pode ser um grito e um mero suspiro ou uma palavra mal empregada pode acarretar graves consequências; de fato, quem mais argumenta durante a noite é o mais triste dos feitores; O silêncio é parceiro não declarado das noites frias de inverno.

        É arrebatador pensar que a despeito do circuito egocêntrico de queremos apenas nos encontra confortáveis em nossas camas, algumas pessoa acreditam que a noite é uma companhia maior do que as outras. Pessoas essas que trabalham, escrevem, passeiam ou mesmo só carregam a lacuna de mais uma viagem pela escuridão. Onde ontem havia estrelas, hoje havia nebulosas considerações;

           Nunca espere mais do que isso em noites de final de julho.


            E foi no final de julho que esse fato aconteceu. Não que seja mais insuportável que os outros, muito pelo contrário, era normal e corriqueiro; Num dos quadrantes industriais de nossas metrópoles polidas planejadas em formas matemática, em torno de uma rara  concepção de que o urbanismo é uma ciência tão cara quanto a física ou mesmo a biologia, num desse quinhões de desenvolvimento em meio à selva de árvores e riachos que ainda intocados adentravam no corredor vegetal de bioma do planalto brasileiro.

          Nessa ilha de desenvolvimento que isso aconteceu. Numa dessas noites de final de julho, Felipe Gouveia, uma pessoa ignóbil, franzina  e muito escassa em expressões idiomáticas caminhava para fugir de mais um dia de trabalho; extenuado em sua busca caminhava pelos ladrilhos quebrados da calçada de um dos bairros do subúrbio e relutante objetou tomar um ônibus. Mais relutante ainda estava o coletivo que ao avistar o rapaz sozinho naquela ocasião passou reto contraindo uma torrente de obscenidades que o idioma lusitano não me permite descrever em palavras miúdas.

            Os mujiques das estrias  industriais olhavam para o rapaz dos bares apilhados de cerveja vagabunda e fumaça de cigarro paraguaio. Nesse deleite de adversidades o rapaz estranhamente sorria e matutava consigo como tinha sido o dia: O terno estava nas suas costas lhe dando conselhos.


             Impessoalmente dizia consigo: "O trabalho liberta e divinifica o homem. Meu pai dizia, queria poder dizer que ele está errado. E está errado mesmo, velho imprestável!"

             E lembrou do dia no banco, de como fora cansativo o caso da velhinha que queria trocar o seu cartão e nem sabia o número de sua senha. Ou da gritaria que foi renegociar o consórcio com uma família inteira, mãe, pai, filhos e filhas, bebê, cachorro, papagaio e sogra. Num deleite do choro do bebê ele acabou cedendo nos termos e chamando o gerente que decidiu não tomar a "maloca".

              Perdeu consigo tempo na parcela de lucros, pois não abriu mais contas do que deveria e de modo que sua instantânea preguiça o conduziu para um raciocínio direto: Nada é mais estafante do que trabalhar num banco. Quando saiu da agência, seu carro tinha sido guinchado por ter estacionado em fila dupla e a noite se pronunciava de maneira absurda. Foi ao ponto de ônibus, esperou, esperou e esperou... Passou-se uma hora e meia, sozinho, agora sentado no banco de concreto tentou encontrar explicações até que percebeu que nenhum ônibus passara desde então. Era uma greve geral.

           Zangado com o rumo do dia, partiu à pé e de um modo arrebatador olhou para o céu que não exibia nenhuma forma de conforto direto. Caminhando pelos ladrilhos quebrados, lembrou que não havia chuva e que um cano de esgoto escorria na pista sujando seus sapatos engraxados. Amaldiçoou até encontrar o ônibus, que conforme disse, havia se despedido sem cerimônias.

          Caminhou mais um pouco, pensou em pegar o trem; mas eis que eram já dez e meia, e o metrô fechava às onze. Argumentou que era ridículo algo desse jeito fechasse tão cedo, mas só conseguiu convencer a si mesmo. 

               Num desses cantos escuros, cobertos de mangueiras e sabugais, não muito longe das casas e dos comércios, caminhou com passos aguerridos. Estava com a impressão de estar sendo seguido e azar o dele: estava de terno. Correu com suas pernas curtas das sombras que se pronunciava sob a luz fraca dos postes e num dos becos escondidos nas reentranças suburbanas encontrou uma voz assombrosa e fina em sua frente: era um ser de olhos esbugalhados, orelhas pontiagudas e poucos pelos faciais, assustado tanto quanto ele, o gatinho correu sob seus miados, fugindo da sombra que irrompia atrás de Pedro;

                 Um homem mascarado vestido de preto da cabeça aos pés irrompia numa das sombras das onze da noite e sacou a lâmina prateada das mãos, Pedro não teve tempo de reagir. E arrogantemente o bandido encerrou o dia da pior forma possível. O terno caiu no chão, Pedro logo depois. Roubaram sua carteira e logo estava sozinho olhando para o céu, o céu continuava fechado:

               Escuridão, apenas escuridão...

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