sexta-feira, 6 de junho de 2014

Diálogos de um marxista

           A imagem de um campo descoberto de tamanha consternação traz um medo da própria figura da tranquilidade cínica de um céu mais límpido que a água e o ar que adentra em nossos pulmões, a falta de nuvens nesse límpido céu de meio de ano conversa com o vazio minimalista de um gorro japonês.

         O limoeiro acaricia de forma negligente minhas próprias vistas, meus olhos castanhos tornam-se um tanto esverdeados quando tomo no peito alguns poucos versos românticos de Casimiro de Abreu.

"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!"


               O meu coração de estudante lateja com esse romantismo que toma nossas mentes ainda em formação, a paixão indolente, o verso inconsequente e mais do que isso a forma com que as letras agradecem a forma sedutora de mulher de ângulos fabuloso desenhados na pena do arquiteto. 

                 Penso que nada é mais perfeito do que ser desenhista, do que acreditar em ser um beijoqueiro da obra da vida e aceitar a mera ideia de um isolamento desdenhoso em se apaixonar pela natureza. Quando eu era político eu tinha dificuldade de aceitar a posição de isolamento que o cargo impunha, um isolamento autoimposto por você não poder confiar em ninguém:

               Devemos ouvir a todos, devemos falar com muitos, esperar demais de nós mesmos e ter a sombra da esperança de não esperar nada. Ser político é ser um mero desgraçado que está propenso a ser deixado de lado a qualquer momento, e eu me senti feliz por não acariciar algo assim. Poder é perigoso.

              Lênin nos disse certa vez através de sua voz de martelo, seu semblante nervoso e sua calva tez que se desfazia no suor dos discursos apilhados de gente humilde na pátria dos sovietes que deveriamos acreditar em nossos sonhos, desde que tenhamos a capacidade e a vontade de realizá-los. Eu não tinha muitos sonhos e saí com menos sonhos ainda.

             Eu tinha sempre essa imagem na cabeça de racionalizar meus  sonhos para torná-los realidade e como comunista que fui eu vivia com esse sopro de esperança junto ao peito, seja quando se tocavam os rincões da Marselhesa, seja o baluarte vibrante da Internacional. Hoje me sinto enriquecido por ainda ser bem marxista na minha maneira de pensar, não objetando ter deuses e ter apenas essa ideologia como guia. O sonho de Marx e Lenin e o velho partido comunista.

                 O problema que sou um marxista de botina que não acredita nessa apropriação fajuta do marxismo tradicional, sou quase um marxista histórico, já que a bandeira ilustre da causa bolchevique, a estrela vermelha, o estandarte dos trabalhadores e camponeses foi comprometido pelo discurso demagógico de alguns  facínoras que se passam por comunistas.

                  Felicidade? Eu não sou feliz e nunca virei a ser, o mísero sopro do meu peito é muito byroniano para acreditar nessas coisas, a corrosão de meus pensamentos é uma corrosão que acompanha a esquerda desde o final da União Soviética, e embora os ecos da Marselhesa ainda retubem em alguns cantos do globo, é um vazio ideológico que a gente assiste.

                Os traidores da bandeira comunista são muitas que acabam rasgando os firmes alicerces que foram pendurados sob à esfinge da águia negra do Reichstag na Berlim de 1945, o neonazismo, o fascismo e a onda de conservadorismo que se alastra pela a Europa, as guerras civis e os morticínios em massa só tornam mais imperativos os ideais comunistas. Eu tinha minhas dúvidas com a evolução do socialismo, mas cada vez o vejo como necessário. E é por isso que admiro a simplicidade do tão pouco, é possível ser feliz, sendo pobre? sim, mas sua vida será tão difícil, pois felicidade é um exercício diário de todos os dias.

               A felicidade do homem era a maior ideia dos pensadores liberais, desde Locke, Adam Smith e os revolucionários franceses, que se traduziu erroneamente felicidade com a satisfação pessoal por meio da apropriação de objetos e não a capacidade em conviver e interpretar seus sentimentos.

                De sentimentos não vive o homem, de pão  sim; eu até entendo os motivos para levarem a uma visão tão material do mundo na ideia de acumulação,  mas acumulação ´só por acumulação não leva a nada, só talvez mais sofrimento, como diriam as leis do budismo, e se for pra  sofrer prefiro ler Werther.

                É por isso que o Mujica parece uma figura interessante de ser estudada, o seu modelo quase tolstoiano de construir uma humanidade cada vez mais desvencilhada do seu aspecto de mera acumulação. Uma pessoa simples de um país pequeno e pobre ensinou a um segmento da esquerda mundial que a revolução não se faz só com o sangue (na verdade hoje nem com sangue se faz), mas com ações cada vez mais cotidianas, pensamentos e ideias. 

                  O problema são os aproveitadores que surgiram com a queda da URSS e do Muro de Berlim, que se escondiam entre os rejuntes e argamassas dos tijolos do muro e despertaram com sua queda. Esses com a firmeza de seus discursos vazios carregados de falsa liberdade, cada vez menos pensados formam falsos governos trabalhistas imbuídos de um populismo disfarçado para sustentar o seu ridículo cinismo.

                   Devo caminhar cada vez mais devagar nessa crise do marxismo onde os discursos e palavras cheias de floreiros podem esconder um toque de reacionarismo ou mesmo de estupidez. 


                Eu posso ser um bêbado, camarada, um fumante incessante que esconde seus vícios  e fraquezas na ponta de uma caneta, mas acredito que você me ouvirá dizer que essa construção marxista é falha em sua própria natureza, pois nunca achei que o socialismo fosse ciência, mas fosse algo movido pelo coração.

                E o medo à liberdade é o maior empencilho para a escolha de novos projetos, não temos mais a União Soviética, Cuba ou China, não temos mais o mundo bipartido, ditaduras ou o império do medo, mas mesmo assim não agimos conforme o esperado, agimos conforme os padrões antiquados de uma sociedade carregado de um puritanismo vitoriano e um caráter cada vez mais solidário de sua composição social.

                Os filtros dementes de ações impensadas trazem pequenas ilusões de falsa liberdade e essa é o maior sintoma da Crise do Marxismo.

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