quinta-feira, 8 de maio de 2014

Populismo latino-americano

Que faz o populismo ser tão latino-americano?

            Me pergunto com tamanha consideração, o movimento populista não nasceu em outro lugar senão na Rússia da época de Alexandre II, os narodnik, nobres interessados em valorizar o campo, os camponeses na construção de uma Rússia forte através de suas origens e tradições. Os narodnik inspirados nesse socialismo agrário  lutavam contra o autoritarismo estatal e a retomada da pequena propriedade rural dos mirs, antigos enxertos de terra que foram a base da Rússia antiga nos primeiros anos de sua conversão em principado de Rus, cuja a agricultura familiar era a base social.

         Contudo, a despeito do caráter revolucionário do populismo, com  intelectuais como Pushkin e Dostoievsky acabando por serem exilados por períodos de tempo por suas ligações com esse movimento, que passou a ser cada vez mais revolucionário na figura do Zembla i Volia que passou a ter ações de cunho mais terrorista, o populismo latino-americano é conservador.

             Sim, conservador porque não deseja agir nas estruturas sociais, mas seguir de amalgama entre elas. Em resolver os problemas e tensões sociais com engodos e falsas promessas. O populismo latino-americano é uma cópia do partido populista que se apresentava na época em que os bolcheviques tensionavam tomar o poder, esse populismo na verdade tinha no partido social-revolucionário o maior expoente, com suas ideias bastante simplistas e contrárias ao projeto bolchevique de uma revolução social imediata.

           O populismo latino-americano é um fenômeno gestado na figura do caudilhismo,  onde o Caudilho, uma figura político-militar com um poder local baseado na sua força se sobrepunha a seus comandados a partir do seu carisma e poder e comumente, o caudilhismo levava a guerras entre caudilhos e contra o poder central, "dificultando" o processo de formação dos estados nacionais latino-americanos.

           Caudilhos como Urquiza, Rosas, e outros se aproveitavam de sua mílicia, violenta em muitos casos, para impor suas vontades, mas com a solidificação de sistemas eleitorais nos países latino-americanos, cujo domínio oligárquico das primeiras repúblicas era evidente,  os caudilhos permaneceram  no poder à medida que mantinham um curral eleitoral que legitimava o seu domínio regional e nas capitais.

         O primeiro partido não-oligárquico da América Latina foi a União Cívica Radical Argentina, iniciando um ciclo de ascensão da classe média latino-americana no processo político, entretanto a medida que os números de eleitores aumentavam, os caudilhos conseguiam abarcar também maiores números de pessoas.

         A crise de 29 e uma sociedade fragilizada com os processos dispares socialmente definidos levaram a um campo fértil ao nascimento do populismo, de líderes carismáticos com uma capacidade de convencer as massas de maneira indelével, de negociar com os patrões e sindicatos ao mesmo tempo, de impor o seu projeto apenas pelo prestígio e de se aparecerem como salvadores da pátria. Os Estados Unidos de certa forma também tiveram o seu líder populista, mas que se tratou de outra forma, Franklin Delano Roosevelt.

        Houve um ganho nas seguridades laborais, ao mesmo tempo o Estado garantiria segurança política e jurídica aos grandes proprietários da terra para que pudessem ter maiores lucros, reorganizar a economia e criar uma sociedade de massas. Sociedade de massas sob o controle do caudilhismo. Ao contrário dos Estados Unidos, que tiveram um líder que realmente reorganizou a sociedade norte-americana, o atraso político e a dinâmica interna de redes clientelares na América Latina moldaram o populismo de modo que muitas de suas ideias foram inspiradas no fascismo italiano.

      A organização de uma sociedade única, sem classes sociais, com a manipulação de veículos de imprensa, com grandes comícios e líderes carismáticos e sorridentes,além de sindicatos controlados um espírito de unidade nacional frente ao liberalismo internacional pernicioso são gérmen de um populismo que se finge de democrático a todo momento para ser sacramentalizado pelo povo.

         O populismo nasce na crise de 29 e renasce novamente na década de 50/60, quando o mundo já era outro e o pensamento cepalino tentava moldar a América Latina, a ideia de protecionismo econômico defendido pela CEPAL acabou  sendo engolida pelo movimento populista latino-americana isolando-a das oportunidades internacionais e de sua possibilidade de desenvolvimento. A ótica da Guerra Fria acabou encerrando a ascensão populista devido à intervenção cada vez mais presente da democracia americana de qualquer tentativa possível do ponto de vista teórico do socialismo no poder, iniciando as ditaduras.

        O populismo ficou silenciado, olhando de perto os acontecimentos, enquanto pessoas eram torturadas mortas, estupradas por ditaduras ferozes e homicidas. Com a redemocratização, o populismo saiu de suas cinzas, e no sintagma de inflação descontrolada resolveu-se não ser o caminho mais adequado, mas a partir do grande fluxo de receitas promovido de 2002 a 2008 no setor agroexportador, o populismo apareceu com força no continente promovendo reformas sociais, combate a fome e a desigualdade.

      Num primeiro momento até cumpriu, mas assim que suas ideias começaram a falhar por sua falta de pragmatismo, seus deleites políticos, sua propensão à corrupção e ao próprio charlatanismo de seus líderes, os projetos populistas apresentaram falhas grossais. A inflação nascida desse processo apenas aguçou ainda mais as diferenças sociais entre ricos e pobres, acabando com o poder de compra do trabalhador comum.

        O que é tão latino-americano nisso tudo? A criação de homens santos para a solução de problemas. A ideia de que a liberdade pode ser negligenciada caso se haja melhoria na qualidade de vida, que é admissível a corrupção caso obras sejam feitas em prol do povo. O rigor religioso de suas palavras de ordem e a falta de ideias em seus discursos práticos.

       O fechamento das economias em ciclos de retração e a culpabilização dos outros é sempre um argumento tão sonoro nessas análises econômicas, observando isso, há algo mais latino-americano que isso? Terrivelmente não, o aspecto emocional, a cultura de enfrentamento, os discursos  acalorados, o vazio político introspectivo de uma sociedade onde o país surgiu antes da nação são aspectos de um caldeirão cultural que procede de anos e anos de domínio ibérico e autoritário imposto por trezentos anos de colonização.

           Poderíamos ter feito o rádio, desenvolvido o programa espacial, ou a fusão nuclear, mas criamos o populismo contemporâneo e adoramos usá-lo para nós ferrar... Os grandes pais não possuem grandes respostas, pois são pessoas como outras quaisquer, se damos ouvidos hoje, amanhã eles serão os fascistas que atacarão com tanques e balas de fuzil. O populismo é o câncer que dilacera as veias abertas da América Latina.

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